Apresentação: A Associação de Proteção ao Condenado (APAC), criada na década de 70, no Brasil, busca inserir um paradigma de abordagem aos privados de liberdade diferente ao dos presídios. Aos condenados, a APAC propaga o respeito aos seres humanos, como uma forma de resgate da dignidade, dos direitos de acesso ao trabalho, estudo, lazer e saúde, que, por muitas vezes, é negligenciado nas penitenciárias. A lógica de castigo e punições frequentemente evidenciados nos sistemas comuns passa a não existir e os pilares elencados pelo método, como participação da comunidade, ajuda mútua, trabalho, religião, dentre outros, remetem à uma promoção de projetos de felicidade dentro e fora do contexto de privação de liberdade. O cuidado e acesso à saúde compreendem como uma necessidade dos privados de liberdade, pois mesmo sem o direito de locomoção, ainda se encontra presente o direito à saúde. Neste sentido, o Sistema Único de Saúde (SUS), criado no Brasil, em 1990, que dispõe acerca da organização, do planejamento e da assistência à saúde, incluindo epidemiologia, rede primária, secundária, terciária, pesquisas, imunobiológicos, vigilância, dentre outros, adentra aos portões das prisões para o cuidado em saúde da população vulnerável ali existente. Com a abordagem de universalidade, igualdade, equidade, integralidade, aqueles que estão privados de liberdade são seres participantes e que necessitam de acesso à saúde promovido pelo SUS, que por muitas vezes, foi a eles negado dentro e fora do presídio, devido à situação de vulnerabilidade social, familiar, financeira e desigual que afeta a maioria dos condenados desde o nascimento. Ao adentrar nos portões da APAC o SUS atua no resgate da qualidade de vida, saúde e cuidado, talvez nunca antes acessado. Aos recuperandos são ofertadas consultas de enfermagem, médica e de psicologia, além de profissionais de saúde atuantes diariamente no local para atender e auxiliar nas dúvidas e nos problemas surgidos e decorrentes da privação. Os medicamentos são disponibilizados sempre que necessário e àqueles que utilizam medicações controladas e de uso contínuo as recebem diariamente. Prescrições médicas, aferição de pressão, medicação de glicemia, consultas odontológicas, psiquiátricas e acesso às vacinas são sempre oferecidas na APAC. Por vezes, diferente dos presídios o acesso à saúde na associação é melhor estabelecido, estruturado e facilitado, o que proporciona uma qualidade melhor de saúde aos recuperandos. Assim, surge a inquietação: Quais as percepções dos recuperandos da Associação de Proteção ao Condenado acerca do Sistema Único de Saúde? Dessa forma, o estudo possui o objetivo de compreender a percepção dos recuperandos de uma Associação de Proteção ao Condenado no interior de Minas Gerais sobre o Sistema Único de Saúde. Desenvolvimento do trabalho: Pesquisa qualitativa realizada em uma Associação de Proteção ao Condenado situada em município no interior de Minas Gerais. Participaram 15 recuperandos, todos do sexo masculino e maiores de 18 anos. Realizou-se, por voluntários previamente orientados e treinados, a coleta de dados por meio de entrevista aberta, orientada por roteiro semiestruturado, entre os meses de outubro e dezembro de 2023. Os dados foram tratados e analisados mediante a Análise de Conteúdo de Bardin, incluindo a pré-análise, exploração do material e tratamentos dos resultados. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética sob o parecer: 6.187.415. Todos os aspectos éticos foram respeitados. Resultados: Os recuperandos abordam uma visão limitada sobre o SUS, o atribuindo a prática hospitalar e médica, ou seja, a uma lógica biomédica, voltada apenas para internações, cirurgias e consultas médicas. Neste sentido, um dos entrevistados relata que não acessa o SUS, pois nunca ficou internado e o outro relata que quando precisou fazer cirurgia fez pelo SUS e foi rápido e bem atendido, sendo a única vez que utilizou os serviços de saúde. Evidencia-se uma percepção do SUS como um acesso à saúde hospitalar para aqueles que não têm condição de pagar plano de saúde ou particular, obtendo, assim, auxílio para cirurgias e internações que seriam de custo alto, gratuitos. Ainda, constata-se que um participante relata que conhece alguém que trabalha em uma Unidade Básica de Saúde e que quem paga o salário dessa pessoa seria o SUS, ou seja, ele aborda uma percepção do sistema como financiador de atividades de saúde. Por outro lado, não há o reconhecimento das práticas de saúde que ocorrem na APAC, evidenciando uma lógica limitada do SUS, no qual as consultas de enfermagem e de psicologia que são ofertadas sempre que preciso e solicitado, não são derivadas de profissionais que atuam no mesmo e que os medicamentos de depressão, insônia, diabetes e hipertensão que utilizam não são obtidos e mantidos por meio do Sistema Único de Saúde Brasileiro. Entretanto, há uma percepção universal entre os participantes acerca da importância do SUS para a saúde, relatando que todos os países precisavam ter um SUS, pois apesar de não o utilizarem acreditam que quando precisarem vão ser bem atendidos. Considerações finais: Os resultados evidenciam uma percepção limitada do SUS pelos participantes da pesquisa, que abrangem a lógica biomédica, de financiamento e de acesso à saúde hospitalar gratuita. A compreensão de que as vacinas, a vigilância sanitária, epidemiológica, os exames e medicamentos, e, sim, as internações e consultadas compreendem uma parte do sistema de saúde é de extrema importância para acessar um direito fundamental descrito na Constituição Brasileira de 1988, o acesso à saúde em todas suas formas e vertentes. Dessa forma, evidencia-se a necessidade e a importância da realização de educação em saúde aos privados de liberdade, que devido às mazelas a eles acometidas não tiveram acesso nem mesmo às informações de seus diretos e de suas necessidades, abordando em palestras e debates o funcionamento, princípios e diretrizes do SUS, pois ao conhecer a grandeza do mesmo possa valorizá-lo e compreendê-lo em todos seus atributos extremamente necessários para o acesso à saúde e o cuidado em saúde. Reconhecer, portanto, a Associação de Proteção ao Condenado como território de acesso à saúde integral e humanizada, potente de transformação de vidas e de proliferação de conhecimentos constitui-se como um chamamento aos profissionais de saúde para um novo olhar de cuidado, de ensino e de práticas de restauração societária por meio da saúde e do saber.