Apresentação: do que trata o trabalho e o objetivo:
A violência contra mulheres é definida como atos de violência que repercutem em malefícios para a agredida, sejam esses atos físicos, sexuais ou mentais ou ameaças e coações em qualquer âmbito da vida. A atenção primária a saúde (APS) possui a premissa de enfrentamento à violência contra a mulher por meio de diferentes dispositivos e profissionais de saúde. Contribuindo para qualificação da assistência às mulheres violentadas, o Sistema Único de Saúde (SUS) busca capacitar profissionais para atuarem na linha de frente, principalmente na promoção, proteção, assistência e recuperação da saúde das mulheres violentadas. Para o controle e planejamento das ações de proteção e promoção no campo da violência contra a mulher, a notificação das violências possibilita visibilidade aos acontecimentos e assim à criação de medidas assistenciais qualificadas. Dessa forma, a violência contra a mulher se caracteriza como problema de saúde pública e nesse cenário, destaca-se a Estratégia de Saúde da Família (ESF) no enfrentamento a esse fenômeno. Chama atenção para um personagem que ocupa posição estratégica para atuar na identificação, acolhimento e atendimento em casos de violência: o Agentes comunitário de Saúde (ACS), considerado elo entre o território de saúde e o serviço de saúde. Este estudo teve como objetivo compreender a violência contra mulheres a partir da perspectiva dos ACS dentro do programa ESF em um município do sudeste do Espírito Santo.
Desenvolvimento do trabalho: descrição da experiência ou método do estudo
Estudo é descritivo, exploratório, de abordagem quanti-qualitativa. Foram aplicados questionários semiestruturados, com perguntas abertas e fechadas, a cinco agentes comunitários de saúde (ACS) de uma unidade básica de saúde (UBS), localizada no município de Vitória, ES. As entrevistas foram realizadas presencialmente, em novembro de 2022. As perguntas fechadas foram feitas via Google Forms e as abertas foram gravadas e transcritas. Os dados quantitativos foram analisados no Microsoft Excel. A análise dos dados qualitativos foi elaborada a partir de categorias em que a base conceitual foi ligada aos aspectos de experiências quanto o fato social violência, sendo realizado codificações e categorizações dos dados. O estudo atendeu aos aspectos éticos envolvendo seres humanos, sendo aprovada pelo Parecer n 5.640.771.
Foram entrevistados cinco agentes comunitários de saúde (ACS), com predominância de mulheres (60%) na faixa etária de 40 a 60 anos. Entre eles, 40% se declararam brancos e 60% pretos/pardos. Quanto ao estado civil, 40% estavam solteiros. Em termos de religião, 60% eram católicos. Quanto ao tempo de atuação, um ACS tinha 9 anos de experiência, e os outros quatro tinham entre 13 e 19 anos.
As entrevistas foram analisadas e categorizadas em quatro categorias principais e uma subcategoria, a saber:
1) Conceito de violência contra a mulher:
A primeira categoria evidenciou como os ACS caracterizam o termo “violência contra mulher”. Observou-se que esses profissionais conhecem a significância e os diversos tipos de violência existentes contra a mulher. Um dos profissionais fez o seguinte relato: “Então a violência ela abrange é psicológica, física, tem outras também[...]Porque a psicológica por exemplo ela entra ameaça, ela entra coação[...]e tem a violência que é verbal né!? A verbal não é muito conhecida, pessoal acha que não caracteriza ela como violência, mas ela é uma violência”. A Lei nº 11.340/2006define a violência doméstica e familiar como qualquer ação ou omissão baseada no gênero que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, e dano moral ou patrimonial. A violência psicológica é destacada como uma forma sutil que muitas mulheres não percebem, causando grande dano emocional e baixa autoestima, levando-as a abandonar atividades e relacionamentos.
2) Vivência e experiência da violência:
Os profissionais já experenciaram alguma mulher em situação de violência, como por exemplo no seguinte relato: “Já comigo mesmo[...]foi marido alcoólatra e era violento dentro de casa[...]”. Profissionais de saúde, por estarem inseridos na sociedade, também vivenciam violências. Um estudo realizado em unidades de saúde em Vitória, Espírito Santo, revelou que a violência contra a mulher é frequentemente praticada por parceiros íntimos. Essa violência é prevalente entre mulheres separadas, divorciadas e casadas. Um dos obstáculos para o reconhecimento dessa violência é o medo das mulheres de relatar os abusos e sofrer mais agressões, além do sentimento de culpa e vergonha da exposição. Além disso, existem dificuldades por parte do profissional na assistência à pessoa violentada, como a insegurança e o medo.
3) Presença e vivência da violência no trabalho:
Nessa categoria, aparentemente os ACS demostraram ter pouco conhecimento acerca das mulheres violentadas dentro do seu território de saúde: “Não[...] a gente só fica sabendo assim por alto, mas que eu acompanhei ali, pra poder ajudar, fazer e intervir alguma coisa não”. A falta de reconhecimento das violências pode ser atribuída à ausência de projetos de intervenção e estratégias que promovam confiança nas vítimas para buscar ajuda nos serviços de saúde ou até mesmo para denunciar as violências. Após a arguição sobre a conduta ao se deparar com uma mulher supostamente violentada, identificou-se a seguinte narrativa: “[...] se eu tivesse a oportunidade eu falaria pra ela, orientaria ela com o que a mulher tem direitos né!?[...] e “[...] uma ferramenta que ela pode ter, um psicólogo, um assistente social, a casa do cidadão têm um trabalho legal, tem o CREAS[...]”. Em outros relatos, os ACS informaram a necessidade de envolvimento de outros profissionais de saúde para a condução dos casos. É importante a participação de outros profissionais de saúde na identificação e intervenção em casos de violência. Esses profissionais precisam ter capacidade técnico-teórica para alimentar o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN).
4) Compreensão e conhecimento sobre Notificação Compulsória:
Nessa categoria, os profissionais demonstraram fragilidades quanto ao conhecimento sobre o Sistema de Notificação Compulsória: “[...] É uma rede de, de apoio né!? pra dar prosseguimento a essa denúncia[...]”. A notificação é usada como ferramenta de política pública para determinar a necessidade de assistência mais elaborada. A desinformação resulta em baixos índices de notificação, além disso, a falta de capacitação dos profissionais para enfrentar a violência contribui para o problema. A notificação compulsória é a comunicação obrigatória de casos específicos de doenças ou agravos por profissionais de saúde às autoridades sanitárias, para monitoramento e controle. Violência doméstica e outras violências devem ser notificadas semanalmente, enquanto violências sexuais e tentativas de suicídio devem ser notificadas em até 24 horas, conforme a Portaria nº 264/2020 do Ministério da Saúde.
Considerações finais:
A maior parte dos entrevistados demonstraram conhecer sobre o conceito de violência contra mulher, mas quando perguntados sobre Notificação Compulsória, identificou-se fragilidade do conhecimento quanto essa importante ferramenta de vigilância epidemiológica. A notificação compulsória é uma obrigação nos atendimentos de saúde, mesmo nos casos de suspeita de casos. Os ACS devem integrar redes multiprofissionais capacitadas para identificar e reportar informações às equipes de estratégia da família. O tempo prolongado de atuação dos agentes de saúde nas unidades reforça sua conexão com as famílias, aumentando a detecção e o encaminhamento adequado de casos de violência contra a mulher. Fica claro que a saúde pública, especialmente a Atenção Primária à Saúde (APS), tem responsabilidade compartilhada no enfrentamento à violência, incluindo a capacitação contínua dos profissionais de saúde, especialmente os agentes comunitários.