Resistência e Memória: A Tenda Nega Pataxó como espaço de luta e vida.

  • Author
  • Vania Priamo
  • Co-authors
  • Ana Beatriz de Amorim Querino , Rafaela Cordeiro Freire , Daniela Gomes dos Santos Biscarde , Távila Aparecida de Assis Guimarães , Vinicius Pereira de Carvalho , Ledylane Azevedo Moraes Leite , Hawaty Arfer Jurum Tuxá , Luiz Vieira Titiah , Thiago Moraes Bute , Ezequiel Vitor de Oliveira Santos , Sérgio Utiariti Bute , Deysianne Gouveia Gomes , Iane Carine Freitas da Silva
  • Abstract
  • O presente relato descreve a experiência de construção e realização da Tenda Nega Pataxó, um espaço oferecido durante o V Fórum Baiano de Atenção Primária à Saúde "Dos campos, das cidades, das águas: 30 anos da Saúde da Família", ocorrido entre os dias 22 e 24 de fevereiro de 2024, na cidade de Salvador/Bahia. O evento está ligado ao Departamento de Medicina Preventiva e Social (DPMS) da Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e foi promovido pelos docentes e discentes da Liga de Atenção Primária à Saúde (LAPS). A Tenda, iniciativa realizada em parceria com o Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI), teve como objetivo dar visibilidade, honrar e fortalecer a luta contra a violência e a repressão enfrentadas pelos povos indígenas. O nome atribuído ao espaço é uma homenagem, com especial reverência à liderança de Nega Pataxó, mulher indígena do Povo Pataxó-Hã-Hã-Hãe, assassinada menos de dois meses antes do evento, em decorrência de conflitos territoriais. Em edição anterior do Fórum, em formato on-line, no ano de 2022, foi prevista a participação de uma pessoa indígena que acabou não acontecendo. Em função do ocorrido e falta de representatividade na quarta edição do evento, a Comissão Organizadora assumiu como dívida a inclusão de um espaço privilegiado para a Saúde Indígena durante sua quinta edição, assim como nos eventos futuros. A Tenda Nega Pataxó foi concebida como um espaço de reflexão, resistência e celebração da cultura indígena, em memória da Pajé Nega Pataxó e outras mulheres líderes que também tiveram suas vidas brutalmente abreviadas na defesa de seus povos e territórios. Durante a concepção do projeto, foram planejadas diversas atividades, incluindo rodas de discussão, oficinas de produção de arte e um mural em homenagem às mulheres vítimas de violência neste contexto. A programação foi elaborada de forma colaborativa, envolvendo membros de comunidades indígenas, profissionais de saúde, discentes, docentes e ativistas. O grupo de trabalho organizado planejou as atividades a partir de troca de mensagens e também em reuniões virtuais para concepção da proposta. Os encontros virtuais foram estruturantes, visto que muitas pessoas residiam fora de Salvador e havia uma necessidade de organização prévia de logística e programação da Tenda. O primeiro encontro presencial das pessoas que se dedicaram ao projeto ocorreu no primeiro dia do evento, tendo sido bastante esperado. Nessa primeira oportunidade de encontro, todos puderam participar da ambientação do espaço, que foi cuidadosamente escolhido para combinar visibilidade e convívio entre os participantes e a natureza exuberante do remanescente de Mata Atlântica do campus universitário Federação/Ondina da UFBA, que abrigou o evento. A Tenda foi ornamentada com peças de culturas indígenas trazidas pelas pessoas envolvidas, além da utilização de tecidos, almofadas, esteiras e muita criatividade. A integração do grupo iniciou com um ritual indígena, o Toré, conduzido por lideranças indígenas. Entre o canto,a dança e os adereços de chocalhos produzidos artesanalmente, este foi um momento compartilhado com diversas pessoas que chegavam para participar do Fórum, convidando-as a integrarem o espaço da Tenda. A Tenda Nega Pataxó proporcionou um espaço seguro e acolhedor para discussões sobre temas relevantes para os povos indígenas, como a luta pela demarcação de terras, a violência contra lideranças, as ações para garantia da saúde, proteção dos povos originários e a preservação da cultura. As atividades realizadas e as rodas de conversa promoveram a integração e fortaleceram os laços de solidariedade entre os participantes. A pedido dos representantes indígenas, foi realizado na Tenda um momento de conversa dos trabalhadores e trabalhadoras da saúde indígena com representantes do DSEI, do Sindicato dos Profissionais e Trabalhadores da Saúde Indígena (SINDCOPSI), do Conselho Distrital de Saúde Indígena (CONDISI) e a Agência Brasileira de Apoio à Gestão do Sistema Único de Saúde (AgSUS), ente jurídico criado para dar suporte ao Ministério da Saúde e que possui foco de atuação na Atenção Primária e na Saúde Indígena. Foi um importante momento para aprofundar a compreensão sobre as medidas adotadas pela AgSUS e, em especial, para a escuta dos povos indígenas representados naquele momento. Outra roda de conversa, desenvolvida no espaço da Tenda, contou com uma profissional de saúde indígena sobre o tema da Interculturalidade, um assunto necessário para melhor preparar os profissionais de saúde para atuação junto aos povos indígenas. Além de toda essa programação, a tenda promoveu visibilidade à Saúde Indígena e encontros com pessoas que estavam no evento que resultaram na elaboração de uma carta, a qual foi posteriormente apresentada em uma das mesas de discussão que tratavam da saúde indígena. Este documento coletivo reiterou o compromisso de proteger os direitos e a vida dos povos originários, bem como exigir justiça diante dos casos de violência e assassinato, sendo assinada por 118 participantes do V Fórum. Cópia dessa carta foi entregue ao DMPS da UFBA, na perspectiva de que esses espaços de Tenda sejam fortalecidos nas oportunidades de realização de eventos. A via original será entregue ao DSEI, como mais uma ferramenta de apoio aos diálogos e proposições para as reivindicações dos povos indígenas. A Tenda Nega Pataxó destacou a importância de preservar a memória das lideranças que dedicaram suas vidas à luta pelos direitos de seus povos. Ao proporcionar um espaço de reflexão e resistência, a Tenda reforçou a necessidade de solidariedade e apoio mútuo da sociedade para a preservação dos povos originários. A continuidade dessas iniciativas é essencial para manter viva a memória de Nega Pataxó e de todas as mulheres que dedicaram suas vidas à defesa de seus territórios e culturas. Por fim, é importante ressaltar que espaços como este, que ocorrem dentro de eventos que mobilizam trabalhadores, pesquisadores, professores, estudantes e movimentos sociais são relevantes, por isso acreditamos que devem acontecer não apenas em eventos de grande porte. Como uma oportunidade de dedicar um espaço a uma pessoa que, até o dia de seu fatídico assassinato, ainda era invisível para a sociedade em geral, apesar da grande referência para seu povo, a Tenda representou um importante espaço de respeito e convivência de saberes e práticas ancestrais. Que possamos, com iniciativas como essas, dar mais vez e voz às pessoas que resistem e garantem a mobilização dos cenários de luta e vida.

  • Keywords
  • Povos originários, Povos indígenas, Tenda Nega Pataxó.
  • Subject Area
  • EIXO 4 – Controle Social e Participação Popular
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