Projetos de Cooperação: construção de sentidos para a docência na Integração Ensino-Serviço-Comunidade do Internato em Medicina Social

  • Author
  • RAFAELA CORDEIRO FREIRE
  • Co-authors
  • Mônica Angelim Gomes de Lima , Vania Priamo , Marcos Vinicius de Santana Silva , Maria Clara da Silva Guimarães , Mariana Rabelo Gomes
  • Abstract
  • O internato em Medicina Social é o estágio supervisionado em Saúde Coletiva, implantado em 2002 na Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia, após a publicação das Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Medicina, em 2001, que tornou obrigatória a formação em serviço no campo da Saúde Coletiva. Ao longo de seus 22 anos de existência, desde o início tendo como campo de prática a estratégia saúde da família, o estágio foi se adequando às condições encontradas nos municípios para proporcionar aos estudantes uma vivência através da inserção no trabalho multi e interprofissional das equipes, com o compromisso de contribuir para o planejamento e execução das ações de atenção, vigilância e educação em saúde e para a qualificação dos processos de trabalho na perspectiva da educação permanente em saúde. Assim, contribui para a formação de profissionais socialmente referenciados e conscientes da existência e importância de ferramentas para organizar o trabalho coletivo em saúde.

    Este relato busca refletir sobre os aprendizados ao longo da existência do Internato em Medicina Social, particularmente, em relação ao desenvolvimento de Projetos de Cooperação, estratégia adotada para a articulação e integração do ensino ao cotidiano dos serviços, das equipes e das comunidades onde o estágio é realizado. Nos interessa explorar os sentidos que a prática docente, exercida por sanitaristas com diferentes formações profissionais, e a relação da universidade com os serviços foi adquirindo neste percurso.

    Em seus primeiros anos, o internato esteve em variados municípios do interior do Estado, onde havia maiores coberturas da Saúde da Família. A percepção dos estudantes sobre o aprendizado neste período foi sistematizada por Pinto, Formigli e Rego (2007). A partir de 2006, há uma primeira aproximação com a capital, em um cenário de fortalecimento do Sistema Municipal que só se consolidou anos adiante, com idas e vindas para outros municípios. Em 2010, a partir da iniciativa Pró-saúde do Ministério da Saúde, uma oficina de integração ensino-serviço e comunidade foi organizada pelas secretarias municipal e estadual, propondo uma aproximação entre universidade, serviços e comunidade com a pactuação de compromissos mútuos. Assim, foram levantados problemas, delineadas ações conjuntas e definida uma territorialização das instituições de ensino. A partir de então, foi estabelecida uma relação com as equipes de saúde da família que ultrapassa, em alguns casos, 15 anos.

    Não há registro da opção pela denominação desta relação como uma cooperação, mas tendo como base a educação permanente em saúde, apostamos em uma relação de compartilhamento do espaço e do processo de aprendizagem na lógica de operar conjuntamente com os trabalhadores do serviço. Chamamos “abrir campo” ao movimento de estabelecer contato com um serviço e pactuar com suas equipes a entrada do internato, mas a convivência cotidiana nos exige disposição para o encontro, para se envolver com a dinâmica do serviço, se enraizando através da observação da dinâmica do serviço e também de se deixar observar pela equipe. Ao longo do tempo, e buscando sustentar a relação a partir da escuta e do reconhecimento das necessidades enunciadas e que emergem do cotidiano, nos comprometemos a investir com a força de trabalho, reflexão e atuação docente e dos estudantes, elegendo problemas sobre os quais construímos consensos para seu enfrentamento. Variadas formas de cooperação resultaram em diferentes atividades, ações e, em alguns casos, permanências e aprimoramentos em outros, descontinuidades. O fato de não haver solução de continuidade entre os rodízios, que são sequenciais, a cada 8 semanas, facilita a criação de vínculos com os trabalhadores, mas não garante a permanência das ações, como podemos demonstrar ao relacionar alguns dos resultados obtidos nesta relação de longa duração.

    Ao final de cada rodízio, os estudantes registram em um relatório, sob o formato de relato de experiência, o processo de cooperação vivenciado, sistematizando as etapas desenvolvidas durante o estágio e os resultados alcançados no período. Envolve o reconhecimento e a reflexão sobre as demandas apresentadas pela equipe, a eleição dos objetivos esperados, o planejamento compartilhado com os trabalhadores das ações a serem desenvolvidas, a realização de atividades e a reflexão sobre os resultados alcançados, com registro do processo e eventuais produtos e ferramentas desenvolvidas ou utilizadas, visando sua reprodução e aprimoramento ao longo do tempo. Desta forma, o relatório do Projeto de Cooperação é um registro, ou documentação, do envolvimento do Internato (estudantes e orientação docente) com as demandas das unidades, formalizando a contrapartida da UFBA para os serviços.

    Os resultados possuem características diversificadas, podendo ser pontuais, de longa duração ou evolutivos. São exemplos de resultados mais pontuais os eventos realizados ou produtos desenvolvidos como: guias de referência de especialidades e exames, materiais para educação em saúde como cartilhas, instrumentos para o cuidado compartilhado, folhetos com orientações para uso de plantas medicinais, projetos para comunicação em redes sociais, atualização de protocolos de cuidado, feiras ou atividades coletivas sobre determinados temas. Em alguns casos, são temas que persistem como problemas para as unidades e são objeto de cooperação de longa duração para o desenvolvimento e aprimoramento de processos de trabalho como o acolhimento, a territorialização, o reconhecimento de redes de cuidado em saúde mental ou assistência social no território, ou a necessidade de visibilizar problemas negligenciados como a insuficiência em identificar e acompanhar casos de hanseníase. Há também experiências com temas que emergem e evoluem de investimentos anteriores, como a gestão de casos complexos variados que convergiram para o cuidado de idosos frágeis, apontando para o despreparo diante da morte em domicílio, a necessidade de construção do matriciamento da equipe por serviços especializados e, ainda, a atenção em relação aos cuidadores, ou o enfrentamento do abuso de álcool na comunidade, levando à criação de atividades no espaço dos bares e evoluindo como estratégia de abordagem da saúde do homem. A permanência ou interrupção de temas acompanha a necessidade e o investimento das equipes, a despeito da frustração de nós docentes, que aprendemos a construir espaços de escuta mais ampliados e participativos para evitar cair exclusivamente no voluntarismo de responder aos pedidos para a realização de tarefas, assim a criação de instâncias locais de integração ensino-serviço são utilizadas em serviços que não possuem reuniões de equipe regulares e participativas.

     

    A limitação para a presença física nas unidades imposta pela pandemia obrigou a interrupção dos projetos de cooperação, entre 2020 e meados de 2023, resultando em esvaziamento de sentido da docência no internato e revelando a importância da cooperação para produzir fluxos de alimentação e retroalimentação da integração ensino-serviço, que se efetiva no mútuo reconhecimento entre trabalhadores docentes e do serviço no cotidiano do trabalho. A cooperação pode se desdobrar em projetos de pesquisa e de extensão, transformando as relações no campo e, em alguns casos, visibilizando para os trabalhadores a potência do seu espaço de atuação. Segue sendo um desafio a ampliação das relações com as comunidades, como observado em 2013, por Pacheco, em trabalho de conclusão de curso que analisou os projetos de cooperação desenvolvidos nos anos de 2010 e 2011. Outras barreiras enfrentadas são a rotatividade da categoria médica e a desvalorização do trabalho da enfermagem e das Agentes Comunitárias de Saúde. Convivência, respeito e cooperação entre universidade e serviços de saúde na cotidianidade do trabalho têm sido a alma e o alimento do trabalho docente no Internato em Medicina Social.

  • Keywords
  • Educação Permanente em Saúde, integração ensino serviço comunidade, docência
  • Subject Area
  • EIXO 2 – Trabalho
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