REUNIÕES LOCAIS DE REDE COMO DISPOSITIVOS DE CUIDADO EM SAÚDE NO TERRITÓRIO

  • Author
  • Sharon da Silva Martins
  • Co-authors
  • Teresinha Heck Weiller , Elisa Rucks Megier , Carla Mario Brites , Bruna Cristiane Furtado Gomes
  • Abstract
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    A equipe de Saúde da Família presta acompanhamento contínuo a indivíduos e famílias em um território definido. Deve prestar assistência integral, incluindo ações de prevenção, promoção, cura, reabilitação e cuidados paliativos na unidade de saúde e no domicílio, para pessoas em todos os ciclos de vida. Além disso, a atenção básica à saúde deve ordenar o cuidado na rede de atenção, constituindo a porta de entrada preferencial do sistema de saúde. No processo de cuidado, muitas vezes são identificadas demandas significativamente complexas, cujas intervenções extrapolam a capacidade de resolução ou de melhoria da situação através da ação isolada de uma equipe ou instituição. O território é o local onde a vida acontece de forma mais espontânea, onde os sujeitos e famílias exercem maior autonomia em suas decisões e modos de viver, embora estejam sob plena influência dos fatores determinantes e condicionantes da saúde. Nestas circunstâncias, busca-se qualificar e potencializar o cuidado através da ação intersetorial. O presente trabalho tem por objetivo relatar a experiência de uma equipe de Saúde da Família na realização de reuniões locais de rede para a discussão de casos e compartilhamento de cuidado.

    No município de Santa Maria - RS são realizadas mensalmente as “Reuniões de Rede”, nas quais trabalhadores de diferentes serviços encontram-se para discutir demandas das comunidades, bem como compartilhar informações sobre atendimentos, funcionamento e fluxos dos diversos setores e instituições. Tais reuniões são organizadas por trabalhadores dos serviços, por região administrativa, e envolvem assistência social (Centro de Referência em Assistência Social e Centro de Referência Especializado em Assistência Social), segurança e proteção (Conselho Tutelar), Educação (Escolas, PRAEM) e saúde (Unidades Básicas, Centros de Atenção Psicossocial, Equipe e-Multi, Ambulatório Transcender). Estes espaços são ricos em trocas e servem para aproximar profissionais de setores distintos, mas que atendem populações em comum. Ainda, servem como momentos de educação permanente através da discussão de temáticas relevantes e apropriação de conceitos importantes para balizar as práticas de cuidado, educação e assistência.

    Na interação com a comunidade, os trabalhadores acabam se deparando com casos complexos, os quais implicam na necessidade de muitas discussões ampliadas e esforços conjuntos. Em geral, professores das escolas de nível fundamental e médio e profissionais das unidades básicas de saúde identificam a maior parte destas demandas. Algumas também chegam através de denúnicas feitas diretamente aos órgãos de proteção, como conselho tutelar, delegacia do idoso etc. Crianças em situação de risco, casos de violência, dificuldades de acesso de usuários a serviços especializados quando existem doenças graves e/ ou incapacitantes, enfim, várias situações que afetam a qualidade de vida dos indivíduos e famílias. E é comum que tais situações sejam agravadas pela falta de rede familiar e/ ou de apoio; vulnerabilidade social, econômica e emocional; condições ambientais insalubres devido à falta de saneamento básico e baixa renda; barreiras geográficas locais; ausência de áreas de lazer... Diariamente é possível comprovar que, quanto mais direitos de cidadania são violados, pior é a condição de saúde das pessoas. Cabe destacar que a comunidade atendida pela equipe da Estratégia de Saúde da Família da Vila Lídia é, em sua absoluta maioria, vulnerável social e economicamente, e está numericamente acima do que se considera adequado para uma única equipe atender - de acordo com dados do SISAB de dezembro de 2023, havia 4.622 pessoas vinculadas à equipe da ESF Lídia.

    Na busca de enfrentar esses desafios da forma mais resolutiva possível, são realizadas, então, as reuniões locais de rede. Participam destes momentos a equipe da ESF Lídia, escola, serviços especializados de saúde (quando existe vínculo com algum), conselho tutelar, assistência social e membros da família assistida cujo caso está em análise/ discussão. Já houve situações em que a família transitava bastante entre dois territórios e participaram profissionais da antiga unidade básica de referência. Em geral, a reunião ocorre na unidade de saúde ou na escola, pensando na proximidade do domicílio e facilidade de acesso da família, mas já ocorreu um encontro na sede do conselho tutelar. No primeiro momento da reunião, os trabalhadores expõem as informações disponíveis a partir dos atendimentos realizados, construindo um diagnóstico situacional e pensando possíveis intervenções e metas para a situação posta. Num segundo momento, a conversa é feita com os usuários e/ ou familiares e são feitas as pactuações de ações e responsabilidades. Tais reuniões dão origem a planos de ação semelhantes aos planos terapêuticos singulares, com um enfoque abrangente e intersetorial. Cada ator assume determinadas tarefas e/ ou condutas e uma nova avaliação da situação é feita posteriormente.

    Desde que iniciamos a realização da reunião local de redes, observamos que o cuidado se tornou mais efetivo de muitas formas: os profissionais sentem mais segurança ao pensar e propor estratégias de ação, por ter acesso a uma gama maior de informações sobre cada caso, incluindo questões clínicas, sociais e organizacionais; a aproximação entre serviços propicia maior agilidade de fluxos e busca de alternativas mais concretas de ação de acordo com a realidade do sistema, da família e do território; a discussão entre equipes torna o trabalho mais institucional e menos individual, com maior chance de continuidade, mesmo que haja troca de profissionais de referência das unidades/ escolas/ serviços; o usuário é instigado à corresponsabilização e a ser protagonista do próprio cuidado ou de sua família. O Agente Comunitário de Saúde é primordial para esse processo, pois é o trabalhador que costuma ter a maior aproximação com a família, além de também ser morador do território e conhecer o entorno sob vários aspectos.  

    Apesar dos pontos positivos mencionados, ainda existem limitações tanto na realização das reuniões locais quanto no andamento das intervenções propostas. Nem sempre todas as instituições envolvidas no itinerário terapêutico do usuário participam das reuniões, deixando lacunas no diagnóstico, construção de metas e seguimento dos casos. Ainda, a falta de participação de membros da gestão das instituições nas reuniões (tanto nas regionais quanto locais) restringe a governabilidade dos trabalhadores no tocante a algumas decisões e encaminhamentos. Contribuições inovadoras emergem a partir das discussões e reflexões realizadas nestes encontros, as quais poderiam subsidiar ações e intervenções nas políticas públicas. O próprio contexto de iniquidade é um grande desafio para todos os trabalhadores que atendem e acompanham essas populações.  

    Entendemos que a reunião local de rede é um dispositivo potente de cuidado, pois além de somar esforços dos vários pontos da rede, inclui o usuário/ família na discussão, promovendo um processo de co-gestão da atenção, respeitando a autonomia e considerando os fatores determinantes e condicionantes da saúde.

  • Keywords
  • redes de atenção à saúde, intersetorialidade, saúde da família, atenção básica, Sistema Único de Saúde
  • Subject Area
  • EIXO 2 – Trabalho
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