Apresentação: A fibromialgia é uma condição marcada por dor musculoesquelética difusa e sensibilidade que pode ocorrer em regiões específicas ou no corpo todo. Além da dor, os indivíduos muitas vezes experimentam problemas de memória, fadiga, sono não reparador, dificuldades de concentração, sinais de depressão e ansiedade. A doença afeta aproximadamente 4% da população mundial, sendo uma síndrome que afeta predominantemente mulheres, cerca de 90% do total de diagnósticos são em pessoas do sexo feminino. Os sintomas geralmente se manifestam na idade adulta, entre os 30 e 60 anos, não sendo completamente clara a causa da doença. Há evidências de que o cérebro do portador de fibromialgia interpreta os estímulos de forma exagerada, ativando o sistema nervoso por completo fazendo com que sintam dor de maneira intensificada. Apesar de ser a principal característica da doença, a dor crônica é também o maior estigma, pois, por ser invisível ao olho social e mesmo do ponto de vista de exames clínicos, leva ao descrédito e à estranheza dos demais. Como o paciente percebe a dor de maneira diversa e, por isso, acaba se acostumando com o desconforto, ele muitas vezes age normalmente, o que pode dificultar ainda mais o reconhecimento e a validação de seu sofrimento. Objetivo: analisar as causas e consequências da invisibilização da fibromialgia e de seus portadores pela sociedade. É relevante também identificar os fatores sociais que contribuem para a falta de reconhecimento e compreensão dessa condição na área da saúde e na vida cotidiana, bem como as implicações dessa invisibilização para os indivíduos afetados pela doença. Método: Este estudo adotou uma análise qualitativa, do ponto de vista bibliográfico e documental,realizando uma revisão da literatura sobre fibromialgia no Brasil, abrangendo documentos oficiais, artigos acadêmicos, relatórios governamentais e relatos de experiências pessoais de pacientes acometidos pela síndrome e seu percurso até o diagnóstico. Resultados: Apesar do expressivo impacto na qualidade de vida dos portadores, a fibromialgia frequentemente é invisível para a sociedade brasileira. O apagamento da condição inicia pela própria perspectiva popular de que se trata de uma doença “da moda” e também pela falta de conhecimento da doença por profissionais de saúde, do mesmo modo que ocorre com diversas condições autoimunes. Além disso, como a maior parte dos pacientes são mulheres e há o pressuposto sócio-histórico de que as mulheres são mais sensíveis à dor, além do contínuo apagamento das condições reais de saúde sofridas pelas mulheres sob o pretexto de que são “frescura”, a exemplo do que ocorre com as cólicas menstruais, a intensidade das dores do parto e os sintomas de menopausa, ao levar seus sintomas ao serviço de saúde muitas vezes as mulheres são rotuladas como fracas ou ainda são desacreditadas ou seus sintomas são atribuídos à sensibilidade feminina. A síndrome foi reconhecida como doença em 1992 e foi incluída no Catálogo Internacional de Doenças apenas 2004, esse reconhecimento contribuiu para aumentar a conscientização e validação dos relatos dos pacientes. Todavia, apesar da evolução do conhecimento circulante quanto aos sintomas e como pode ser feito o diagnóstico, muitos médicos ainda têm dificuldades em diagnosticar a fibromialgia devido aos sintomas subjetivos, à ausência de marcadores biológicos claros que possam ser detectados através de exames laboratoriais ou de imagem e a própria escassez de profissionais de saúde que se interessam pela área da reumatologia. A situação fica mais desafiadora ao analisarmos a população mais vulnerável financeiramente, que enfrenta maiores dificuldades para realizar os diversos exames necessários ao longo do percurso do diagnóstico para investigação da doença. Dado que não há um exame definitivo que comprove ou indique que o paciente é portador de fibromialgia, mas sim diversos exames que descartam outras doenças com sintomas similares, o acesso ao diagnóstico e ao apoio necessário para o tratamento é bastante limitado nas camadas mais vulneráveis da sociedade. Fato que gera, constantemente, diagnósticos errôneos ou atrasos significativos no processo de identificação da síndrome, prolongando o sofrimento dos indivíduos afetados. Essa situação ainda é acompanhada pelo estigma e o preconceito. Portadores de fibromialgia frequentemente são vítimas da descrença e sofrem com a minimização de seus sintomas, sendo vistos como preguiçosos, fracos emocionalmente ou hipocondríacos. Isso afeta o bem-estar psicológico dos pacientes, resultando em isolamento social, dificuldades no ambiente de trabalho, depressão e ansiedade. Em torno de 50% dos pacientes com fibromialgia apresentam também diagnóstico clínico de depressão. Sabe-se que a interpretação da dor pelo cérebro sofre diversas influências, sobretudo das emoções, portanto é necessário tratar as duas condições em pacientes depressivos e ficar atento aos sintomas e gatilhos em pacientes que ainda não desenvolveram depressão. Quando há mais emoções positivas a tendência é a dor ser menor e quando há um predomínio de sentimentos negativos a dor é mais exacerbada. A combinação de dor crônica e problemas de saúde mental pode criar um ciclo vicioso de retraimento social e piora dos sintomas. A condição de saúde mental do paciente com fibromialgia é ainda mais afetada quando há discriminação e falta de acomodações adequadas no local de trabalho, as quais podem resultar em baixa produtividade, culminando na perda do emprego e instabilidade financeira contribuindo ainda mais para a marginalização do indivíduo. O descrédito e a exclusão também ocorrem nas relações íntimas com familiares e amigos. Frequentemente, o portador da síndrome não consegue participar dos eventos familiares e sociais, o que muitas vezes é incompreendido ou percebido de maneira distorcida pelo círculo social da pessoa, aumentando o isolamento social e emocional. Considerações finais: O portador de fibromialgia tem sua vida profundamente afetada pelas múltiplas faces da invisibilização de sua condição, já que suas necessidades e desafios diários não são adequadamente reconhecidos, compreendidos e apoiados. O indivíduo acaba em uma situação ainda mais vulnerável devido ao seu apagamento seja enquanto pessoa, ao ser excluído do convívio social, seja enquanto paciente, ao ter suas dores invalidadas. O isolamento social e emocional geram impactos severos na qualidade de vida, limitando a capacidade dos portadores de manterem relações pessoais e profissionais, e contribuindo para a piora dos sintomas psicológicos como depressão e ansiedade. Para combater a invisibilização da fibromialgia, é importante o desenvolvimento da conscientização através de políticas públicas que promovam campanhas que informem e eduquem a sociedade em geral. Treinamentos específicos para profissionais de saúde, sob a ótica do cuidado integral em saúde e a promoção de empatia e suporte social são essenciais. Além disso, é primordial a implementação de políticas específicas e a elaboração, e consolidação, de leis que garantam direitos e a dignidade dos portadores de fibromialgia proporcionando um ambiente de trabalho inclusivo, com adaptações apropriadas, um tratamento integral e uma qualidade de vida digna.