Apresentação:
O território brasileiro é ocupado por cerca de 890 mil indígenas, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), distribuídos em mais de 500 territórios indígenas, compostos por mais de 300 grupos étnicos. Sendo um povo com particularidades epidemiológicas e demográficas complexas, que devem ser consideradas no momento do planejamento da atenção primária e no cuidado no processo saúde/doença, para, assim, se ofertar um serviço que tenha atenção diferencial e integral, atendendo suas individualidades e respeitando seus saberes tradicionais.
O direito à saúde indígena começou a sua conquista somente em 1988 com a Constituição Federal, que deu plena cidadania de direito a eles. Até então, a atenção à saúde dos povos originários era feita de forma avulsa por diferentes setores e órgãos, com medidas paliativas que não alcançavam diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), como a integralidade, equidade e controle social. Em 1999, foi promulgada a Lei nº 9.836, "Lei Arouca", para garantir o direito ao acesso universal e integral à saúde aos povos originários, por meio da criação do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena e inserido na Lei Orgânica do SUS. Três anos depois, foi instituída a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (Pnaspi), que impulsionou a importância da adoção de um modelo complementar e individualizado de organização dos serviços e que assegure aos povos originários o exercício da cidadania plena.
Nesse contexto, surge o Projeto "Buhkurã Ekatiri Mahsã", termo indígena que em tradução livre significa "idosos felizes". O projeto é realizado na comunidade Parque das Tribos, localizada na zona rural da cidade de Manaus, no estado do Amazonas, sendo coordenado pelo fisioterapeuta Paulo André Chaves, vinculado à Unidade de Saúde da Família (USF) Parque das Tribos e fundado em abril de 2023. As atividades tem como objetivo expandir a atenção à saúde dos idosos que fazem parte do programa Hiperdia, por meio da estimulação do convívio social, fazendo com que os idosos participantes criem laços comunitários e saiam do isolamento; da estimulação da prática de atividades físicas; da demonstração da importância do cuidado da saúde mental; da capilarização da assistência integrativa em saúde para com os participantes.
Desenvolvimento:
O crescimento da população idosa é um acontecimento mundial, e se reflete na população indígena. Para o envelhecimento ativo e saudável, é imprescindível a atuação dos profissionais de saúde na realização de ações que abranjam o bem-estar físico, social e mental. Em face do exposto, o Projeto "Buhkurã Ekatiri Mahsã, visa integrar a população indígena para promover, de forma multidisciplinar, cuidados dos idosos indígenas. O projeto possui atualmente, 50 idosos cadastrados, tem atuação nas comunidades do Parque das Tribos, Cristo Rei e Cidade das Luzes e conta com a participação de profissionais: fisioterapeuta, médico, assistente social, agente comunitário de saúde, e ainda, universitários de cursos da área da saúde.
Os participantes são compostos, principalmente, pelas etnias Sateré, Tikuna, Witono, Mora, Apurinã, Munduruku, Dessana, Tukana, Tariana, Pira-Tapuya, Wanana, entre outras 13 etnias. O foco principal do projeto é sobre o Hiperdia (Hipertensão e Diabetes), com atividades semanais, nas quais ocorrem aferição e registro das pressões arteriais e diálogo sobre o uso das medicações e estilo de vida, o que possibilita um acompanhamento continuado e monitoramento do tratamento.
Os encontros promovem ações de saúde e bem-estar, tendo: consultas, orientações para velhice bem-sucedida, práticas de exercícios físicos em grupo liderados e direcionado. Ademais, no âmbito cultural, celebram rituais das etnias participantes, desempenham passeios para pontos turísticos de Manaus como: Largo São Sebastião/Teatro Amazonas, Praia da Ponta Negra, e Zoológico do CIGS. Abrangem ainda temas sociais e de saúde por meio das rodas de conversas e palestras. Pode-se citar, dentre os temas abordados: violência contra o idoso, prevenção de quedas, benefícios da alimentação saudável e prática de atividades físicas, como também a prevenção de doenças e de suas complicações.
O projeto atua como uma extensão do cuidado da atenção básica na comunidade, promove facilitação da ausculta das demandas e comunicação com os profissionais da Unidade Básica de Saúde. Possibilita maior resolutividade e assistência para os idosos indígenas. Além de incentivar e promover práticas de saúde física e mental, atividades sociais e culturais. Contemplando de forma complexa esse grupo e contribuindo para o envelhecimento com qualidade de vida dessa população idosa.
Resultados:
O projeto, por promover atividade física para os participantes, os incentivou a saírem do sedentarismo, levando a perda de peso ponderal e diminuição da circunferência abdominal, o que impacta diretamente na diminuição do risco cardiovascular dos indivíduos envolvidos, pois é capaz de melhorar os níveis de pressão arterial, glicemia capilar, e colesterol sanguíneo. Além disso, também fortalece o sistema músculo esquelético, cria uma maior consciência corporal e equilíbrio, o que por sua vez pode ajudar a melhorar problemas de mobilidade e diminuir o risco de quedas nos idosos.
O exercício físico, principalmente em grupo, também exerceu um papel importante no âmbito da saúde mental dos praticantes, melhorando a qualidade do sono, promovendo a sensação de bem-estar, assim como combatendo o isolamento social. No quesito socialização, o projeto foi capaz de promover um senso maior de comunidade, criação de laços mais profundos entre os moradores da região e melhora do vínculo entre os profissionais de saúde e pacientes, como também a aproximação deles para com a USF.
Outra consequência positiva foi que os momentos em grupo proporcionaram uma oportunidade para educação em saúde, e por isso foi possível realizar “rodas de conversa” abordando temas pertinentes como prevenção do câncer de mama, colo do útero e próstata, violência contra o idoso, importância da vacina na terceira idade, entre outros.
Também é importante ressaltar que as atividades promoveram o reforço da identidade étnica indígena da comunidade, pois autoridades religiosas locais foram convidadas a participar, e em algumas ocasiões contaram com a celebração de rituais das etnias participantes.
Considerações finais:
Diante do exposto, é notório que ações promovidas como o Projeto Buhkurã Ekatiri Mahsã são de fundamental importância para o desenvolvimento do exercício da cidadania dos povos originários idosos dentro da sociedade brasileira e de suas individualidades, bem como para a execução da atenção à saúde primária de maneira integral, uma vez que leva saúde a esse setor social de forma mais interdisciplinar e educativa.
Ademais, as atividades propostas dentro do projeto se mostram necessárias ao acolher os pacientes para além dos muros das instituições de saúde, deixando de tratar o paciente indígena somente com medidas assistencialistas e medicamentosas, mas também com atividades multidisciplinares e sociais criando um ambiente seguro de acolhimento, encontros e discussões. Além disso, tem sua relevância por atingir a população de idosos, que é marginalizada frequentemente pela sociedade, sendo indígena ou não, e que será o futuro da nação brasileira, visto o envelhecimento populacional rápido e intenso que ocorre atualmente no país.
Por fim, o projeto leva a essa população uma extensão do Sistema Único de Saúde prevista nas nuances da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas e traz à vista da sociedade a deliberação do direito à saúde dos povos originários e dos idosos.