Apresentação: O avanço tecnológico e o desenvolvimento científico proporcionaram melhoria na qualidade de vida e nas possibilidades terapêuticas. Por outro lado, trouxe também desafios éticos e bioéticos relacionados ao cuidado com a natureza e a vida dada as novas possibilidades de manipulação celular e do ser humano. Há, pois, um conflito entre o progresso tecno científico e o amadurecimento das reflexões éticas e bioéticas inscritas nesses processos. Nesse sentido, é imperativo aos processos formativos integrarem reflexões éticas e bioéticas que superem as tradicionais abordagens limitadas ao ensino deontológico e restrito aos códigos de ética de cada profissão de saúde. Para tanto, faz-se necessário inovar nas abordagens metodológicas de ensino de modo a permitir uma aprendizagem significativa e suficiente capaz de induzir mudanças nas práticas dos profissionais de saúde. Nesse sentido, o uso da arte no processo de ensino aprendizagem tem sido reconhecimento como importante recurso pedagógico haja vista sua potencialidade em qualificar a relação do estudante tanto com o professor, com os colegas quanto com seu aprendizado. Dentre as possibilidades artísticas, destaca-se o uso de filmes como recurso tecnológico e artístico que permite reflexões sobre a realidade objetiva e subjetiva da sociedade. Os filmes possibilitam o uso de uma ferramenta de ensino em diferentes campos de conhecimento, abrangendo desde a saúde, ética e educação. No campo da bioética os filmes podem provocar emoções como indignação, empatia, tristeza, acalento e possibilitar a contextualização de conflitos morais úteis ao processo pedagógico. Por esta razão, considerou-se tal recurso como adequado ao perfil de estudantes da disciplina de ética e bioética do mestrado profissional em Ciências da Saúde de uma Universidade Federal no interior de Minas Gerais. Por tanto, o objetivo do estudo é relatar a experiência do uso de filmes como disparadores reflexivos para o ensino na disciplina “Bioética e Ética em Pesquisa” do Programa de Pós-graduação em Ciência da Saúde” de uma Universidade Federal do interior de Minas Gerais. Descrição das atividades: Trata-se de um relato de experiência sobre a utilização de filmes na disciplina “Bioética e Ética em Pesquisa” do Programa de Pós-graduação em Ciência da Saúde” de uma Universidade Federal do interior de Minas Gerais, como disparadores reflexivos para o ensino. A atividade foi realizada em abril de 2024. Participam da disciplina 22 profissionais de saúde e de áreas afins que cursam o mestrado. Cada estudante foi sorteado para assistir um dos filmes, tendo um certo período para vê-lo, já que são profissionais e demandam de tempo para realizar as atividades propostas, e apresentar sobre o mesmo e suas reflexões considerando as correntes da bioética, em dia e hora previamente agendados. A atividade durou quatro horas e foi realizada em sala de aula. Todos os alunos que participam da disciplina realizaram a atividade. Resultados: Para reflexão sobre ética em pesquisas com seres humanos foram trabalhados três filmes, sendo: “Cobaias” que aborda os aspectos éticos envolvidos em um projeto de experimentos para verificar os efeitos da sífilis em pacientes sem tratamento, denominado estudo de Tuskegee, realizado nos Estados Unidos, de 1932 a 1972; “A vida imortal de Henrietta Lacks” que evidencia confrontos éticos por realização de experimentos sem consentimento e sem autonomia dos indivíduos e de suas famílias; e, “Jardineiro Fiel” que perpassa sobre conflitos éticos frente a utilização de serem humanos na avaliação de eficiência de fármacos novos, com nula preocupação com a população, principalmente aquela vulnerável, desrespeitando o consentimento e a ética. Para pensar acerca da bioética do início da vida e aborto o filme “Call Jane” foi escolhido por retratar abortos clandestinos realizados nos Estados Unidos por mulheres geralmente provindas de populações vulneráveis. Para o debate sobre a bioética do fim da vida e eutanásia foram escolhidos dois filmes, sendo: “Você não conhece Jack” por retratar um médico que realizava eutanásia e suicídio assistido em pacientes terminais, pregando uma morte com dignidade e “Mar adentro” que perpassa discursos pró eutanásia apesar de todos aqueles discordantes mobilizados pelo senso comum e o campo religioso. Para se pensar sobre o processo de deliberação moral utilizaram-se três filmes, o primeiro “Nise o coração da loucura” que representa a discordância de Nise da Silveira dos procedimentos utilizados nos internados em um hospital psiquiátrico, como eletrochoque, o segundo chamado “O zoológico de Varsóvia” que aborda episódios dramáticos da segunda guerra mundial retratando um casal que arrisca a vida para ajudar judeus em um zoológico alemão e o terceiro, sendo o “Holocausto Brasileiro” que retrata a história de um hospital psiquiátrico que existiu no Brasil, através de relatos de pessoas que foram internadas, torturadas, violentadas e mortas dentro dele. Por último, o filme “Crip Camp” foi escolhido para pensar a autonomia, por problematizar as pessoas com deficiência em diversos planos de existência e a busca por um mundo com mais igualdade. Dessa forma, os filmes serviram como disparadores de reflexão potentes permitindo aos estudantes fazerem deslocamentos entre suas experiências pessoais, crenças, valores morais, as realidades retratadas nos filmes e os pressupostos teóricos das correntes da bioética. A aula foi dinâmica superando o modo tradicional de ensino baseado em explanação exclusiva do professor e o consumo passivo das informações pelos estudantes. Os filmes, também, possibilitaram aos estudantes se sensibilizarem com as realidades retratadas e alguns se emocionaram em ato ao falar sobre os mesmos. As discussões acerca dos temas foram estimulantes e criadoras de concepções balizadas no estudo da bioética e a realidade vivenciada pelos profissionais de saúde participantes da disciplina, suas experiências e vivências. Considerações finais: A utilização dos filmes como recurso pedagógico, aliando tecnologia e vida cotidiana que as produções cinematográficas trazem, permitiu a construção de um processo reflexivo sobre as temáticas de ética, pesquisa com seres humanos, aborto, eutanásia, autonomia e deliberação moral, de modo a superar as abordagens maniqueístas que tendem a polarizar a análise dos temas, desconsiderando a complexidade nelas inscrita, incrementando discussões necessárias ao desenvolvimento da fundamentação da bioética. Importa destacar, por tanto, que articular sentidos ao conhecimento favorece o processo de aprendizado pois mobiliza os afetos além da cognição, auxiliando no desenvolvimento de consciência crítica e formação e concretização de pensamento.
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