APRESENTAÇÃO
Os programas de “cuidados integrados” são considerados como a base fundamental da reforma dos cuidados em saúde. Trata-se de um conceito complexo e de um vasto campo de estudo em desenvolvimento. Assim, na literatura de língua inglesa, os termos “collaborative care” (cuidado colaborativo) “shared care’ (cuidado compartilhado), e “integrated care” (cuidado integrado), são usados de forma equivalente para discorrer sobre níveis de integração entre os serviços de saúde ou uma mesma intervenção. Nesse contexto o “cuidado integrado” pode ser entendido como uma abordagem centrada no paciente e um princípio organizador da prestação de serviços em saúde, com objetivo de reduzir custos, evitar a fragmentação dos serviços e melhorar a coordenação entre os setores de saúde. No Brasil, o Matriciamento é o modelo de Colaboração Interprofissional com objetivo e conteúdo semelhante ao Cuidado Colaborativo em Saúde Mental. O Matriciamento é um suporte especializado para as equipes de referência e tem como finalidade promover a aproximação dos serviços especializados em Saúde Mental da Atenção Primária .
Nessa perspectiva, estudos indicam os benefícios dos cuidados integrados em saúde mental como, melhora na qualidade de vida dos pacientes, uso adequado de medicamento e melhores resultados no tratamento da depressão e ansiedade. Contudo, a implantação e o desenvolvimento desses serviços ainda apresentam desafios tais como, barreiras conceituais, em que a hierarquia foi apontada como obstáculo principal a colaboração, cujos médicos e profissionais com mais status e autonomia têm menos restrições e parecem participar mais dos processos decisivos. Além disso, percebe-se que há falhas na formação de equipes e no treinamento interprofissional.
Diante disso, vale ressaltar que embora a literatura apresente dados robustos que comprovem a base de evidências do cuidado, é importante conhecer a percepção dos profissionais sobre a implantação e desenvolvimento dos modelos integrados de saúde mental, tendo em vista que as informações obtidas poderão favorecer o desenvolvimento de novas estratégias que possam mitigar as possíveis barreiras e agregar valor ao serviço colaborativo.
OBJETIVO
Descrever a percepção dos profissionais de saúde sobre os desafios dos cuidados integrados em saúde mental.
DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO
Método
O presente estudo apresenta resultados parciais da Revisão Sistemática de Literatura e Metassíntese Qualitativa, cujo Protocolo foi delineado conforme os padrões metodológicos estabelecidos pela diretriz Enhancing Transparency in Reporting the Synthesis of Qualitative Research (ENTREQ) e publicado na Plataforma Próspero (CR42022331807).
Para organizar o problema de pesquisa optou-se pela estratégia PICo, sendo o “P” para Paciente, o “I” Fenômeno de interesse e o “Co” para contexto e, utilizou-se a seguinte pergunta norteadora: qual a percepção dos profissionais de saúde sobre os desafios dos cuidados integrados em saúde mental?
As estratégias de busca foram elaboradas de acordo com cada base de dados e seguiram a recomendação do PRISMA-Search Reporting Extension. As bases de dados pesquisadas foram: Medline; Embase; CINAHL; LILAC ?s; PSYCINFO; SocINDEX with Full Text; Scopus e Web of Science. As buscas foram realizadas em novembro de 2023, com os descritores, “shared care” OR “collaborative care” OR “integrated care” OR “interprofessional team”; beliefs OR knowledge OR atitude OR professional health mental health OR mental diseases "qualitative research" OR qualitative OR themes. Todo o processo de triagem das citações foi realizado no software Rayyan Systematic Review versão 3.
Os critérios de elegibilidade adotados nessa revisão são os estudos empíricos em que foram coletados e analisados dados qualitativos sobre os fenômenos de interesse e que incluem os seguintes desenhos: fenomenologia, teoria fundamentada, etnografia e descrição qualitativa. Estudos com até seis anos de publicação e em diferentes países. Quanto aos participantes, são: médicos, enfermeiros, psicólogos; assistentes sociais e agentes comunitários de saúde que atuam em equipes interdisciplinares em saúde mental. Quanto ao fenômeno de interesse, o termo utilizado foi cuidados integrados em saúde mental. Já o contexto, trata-se de indivíduos que atuam como profissionais de saúde em equipes interdisciplinares em Saúde Mental de Serviços Colaborativos de Saúde Mental.
Este estudo seguiu cinco etapas:
Primeira Etapa - Formulação da Pergunta Norteadora;
Segunda Etapa - Pesquisa abrangente na literatura com estratégias de buscas elaboradas de acordo com as especificidades de cada base de dados, seguindo a recomendação do PRISMA-Search Reporting Extension.
Terceira Etapa – Dois pesquisadores (IF e AC) fez a leitura exaustiva dos títulos e eliminou as duplicatas.
Quarta Etapa - Foram sorteados cinco estudos de diferentes países para compor a amostra, dois pesquisadores (IF e AC) fizeram a leitura na íntegra, analisaram e em consenso decidiram a inclusão.
Quinta Etapa - Após leitura e análise criteriosa dos estudos, foram extraídas as informações sobre ambiente, número de participantes, desenho, técnicas dos estudos e os temas emergentes.
RESULTADOS
Até o momento, identificamos 1400 estudos publicados entre os anos de 1990 a 2024. Selecionamos 228 que ainda estão sendo analisados de maneira criteriosa e independente por dois pesquisadores. Para essa revisão foram selecionados cinco estudos publicados nos anos de 2019; 2020; 2022 (sendo dois estudos) e 2024, nos idiomas Inglês e Português. As técnicas mais utilizadas foram Grupos focais e Entrevistas individuais semiestruturadas e em profundidade. Os participantes são Médicos Especialistas, Clínicos Gerais, Psicólogos, Enfermeiros, Técnicos de Enfermagem, Agentes Comunitários e Assistentes Sociais. Quanto ao número de participantes de cada estudo, identificamos (15) profissionais da ESF no estudo realizado no Brasil. No estudo da África do Sul participaram (19) profissionais de cinco clínicas e cinco centros de saúde. No estudo de Pequim participaram (07) trabalhadores, sendo (03) de um hospital e (04) de um centro de saúde. Participaram (24) trabalhadores de um centro comunitário de saúde mental no estudo da Noruega. E no estudo realizado na Suécia participaram (29) profissionais de vinte e três centros de saúde.
A análise dos dados mostrou que no estudo Chinês os desafios identificados foram carência de treinamento dos profissionais pelos especialistas, falta de confiança dos usuários no serviço primário, deficiência na qualificação dos profissionais de saúde, ausência de sistemas apropriados para o encaminhamento de pacientes entre diferentes níveis de hospitais. Já no estudo Norueguês, os participantes identificaram que o financiamento dos cuidados de saúde em nível estrutural foi o maior desafio, além da dificuldade na sua organização. Em conformidade com a Noruega, na África do Sul, os trabalhadores apontaram a escassez de recursos (profissionais e de medicamentos psiquiátricos), necessidade de formação e capacitação dos profissionais de saúde, além de ausência de apoio do setor administrativo, da família e de envolvimento com a equipe multidisciplinar.
No estudo realizado na Suécia, os profissionais perceberam que a falta de clareza na definição dos papéis dos gestores de cuidados em saúde é um desafio relevante. Por fim, no estudo desenvolvido no Brasil sobre Matriciamento, os participantes identificaram que ainda prevalece a fragmentação dos serviços, carência de aprimoramento do discurso teórico com a prática e melhorias no manejo clínico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da análise dos dados obtidos no presente estudo, foi possível perceber que, embora a amostra tenha sido pequena, a heterogeneidade dos desenhos dos estudos, bem como dos participantes de diferentes países e culturas, foram fundamentais para compreender a percepção dos profissionais sobre os diversos desafios que atravessam o desenvolvimento dos cuidados integrados em saúde mental.
Conclui-se que a falta de qualificação profissional e a indefinição dos papéis de cada profissional na equipe de saúde, são desafios que ainda corroboram com a prevalência de um modelo de cuidado de saúde fragmentado.