O primeiro final de semana de maio de 2024 marcou significativamente muitas vidas da cidade de Porto Alegre, algumas pela invasão abrupta da água nas ruas, nas praças e nas casas de muitas pessoas; outras pela comoção em meio ao caos generalizado que ia tomando conta da cidade e que já estava se instalando em várias regiões do estado do Rio Grande do Sul - RS. Estado que aprendeu, de uma forma muito dura e sofrida, os efeitos das políticas ambientais flexibilizadas e dos parcos investimentos na prevenção de eventos como este, que já haviam deixado seu rastro de destruição alguns meses antes. Talvez tenha olhado, com um certo estranhamento, o Rio Grande que compunha o seu nome e que expressava sua força naquele momento. A necessidade de organização de resgates, abrigos, fornecimento de alimentos, roupas, medicamentos para as pessoas desabrigadas, ilhadas e desamparadas se coloca com o avanço das enchentes e trabalhadores/ras voluntários/as tomaram iniciativas para ajudar as pessoas no enfrentamento desse momento em que imperava a falta de ordem, de controle e de diretrizes organizativas na pior crise climática, ambiental e humanitária da história de nosso país, ainda que não se possa comparar situações, dado a singularidade de cada uma delas. Exigiu de todos ações e reposicionamentos de territorialidades e afetos, gerando pânico e desespero coletivo entre perdas reais e simbólicas em grande escala. Além da experiência traumática através das imagens em tempo real transmitidas pela mídia digital, tivemos que lidar com a enxurrada de água e lama que inundou a capital e as cidades do interior, gerando ações em rede de cuidados aos atingidos/as. Tendo vivido estas situações, deste pontos de vista diferentes, mas sempre realizando trabalho voluntário, estamos propondo, nesta roda de conversa, compartilhar as experiências na atuação como voluntários/as, problematizando a noção de trabalho voluntário em momentos de crise e de desastres. Para tanto, compartilhamos narrativas de situações vivenciadas, pensando o lugar do voluntariado como lugar emblemático e tensionado pelo discurso assistencialista. A idéia de um trabalho de cuidado que se realiza em uma situação de emergência e em um contexto sócio-político neolibral, de Estado mínimo, mostra faces do cuidado que se articulam tanto à prestação de atenção necessária às pessoas quanto à emergência de lógicas individualizantes que criam salvadores e heróis, recriando alternativas colonialistas já tão criticadas nas abordagens do trabalho de cuidado. As narrativas mostram que a ausência de diretrizes orientadoras para a ação, advindas sobretudo do poder público, mostrou a riqueza de certas ações comunitárias de cuidados, bem como abriu espaço para a emergência destas práticas individualizantes e de cunho colonialista. A perspectiva teórica abordará conceitos da “descolonização da mentalidade” mediante autores como: Hooks (2020), Fanon (2010), Faustino (2019) e outros. Também, buscará refletir os efeitos destas experiências para o ensino engajado e crítico à atuação da Psicologia Social do Trabalho para pensar o trabalho de cuidado nestas situações.