Durante o período pandêmico, o distanciamento social, preconizado mundialmente como medida de segurança contra a transmissão e contágio, era a principal arma da população. Se apresentava, neste momento, a metáfora do cenário de guerra em que havia um inimigo oculto, imprevisível e potente: o vírus. A mídia serviu como fonte importante de interlocução com os desdobramentos dessa guerra, pois, a partir dela, emergiam informações que se relacionavam com certa compreensão de como o restante do mundo se preparava para o enfrentamento da pandemia. Dessa forma, países, instituições, enfermeiros e outros profissionais passaram a ser envolvidos metaforicamente num “combate sem quartel” da humanidade contra uma ameaça global. Nesse sentido, esta pesquisa, ao analisar a produção de regimes de verdade sobre o sofrimento de mulheres trabalhadoras de Enfermagem veiculadas na mídia no contexto pandêmico do Brasil a partir de teorizações sobre discurso, governamentalidade, biopoder, resistência e contraconduta em articulação com o conceito de necropolítica, cunhou um percurso metodológico próprio, chamado de Tessitura Analítica de Mídia (TAM), inspirada em alguns elementos da análise de mídia. Os resultados apresentam o que foi nomeado como uma trilogia que, atravessada pelo histórico da pandemia brasileira, nos apresenta as seguintes discursividades midiáticas: 1) Corpos que cuidam: sobre a missão do cuidado e o sofrimento pandêmico, aponta que o neoliberalismo produz condições nas quais ativamente extrai produtividade do sofrimento, dispondo uma individualização da culpa e da solução do sofrimento; 2) Corpos-escudo: sobre o sofrer e o morrer em tempos pandêmicos, apresenta os acontecimentos da pandemia em uma linha do tempo e, diante disso, conclui que naturalizou-se o sofrimento dessas trabalhadoras de tal forma que seus corpos, ao servirem de escudo na linha de frente de uma guerra, em combate contra o vírus, invisibilizou sua precaridade e as colocou como heroínas e também as dispôs em sacrifício; e, 3) Corpos em luta: sobre resistências e lutas (para além) da pandemia, que apresenta a potência e a necessidade das lutas coletivas como potentes práticas estratégicas para reconfigurar as condições de trabalho da Enfermagem. Espera-se que tais análises contribuam para o campo teórico-metodológico da Enfermagem e sobre como ser-agir na profissão. E, assim, ampliem, a partir de constructos e dispositivos pedagógicos, as possibilidades de se pensar o cuidado, a partir de uma perspectiva interseccional de gênero, raça e classe social, considerando que problematizar questões importantes, inclui a compreensão do sofrimento enquanto produto da racionalidade neoliberal com marcas necropolíticas.