As diretrizes nacionais do curso de Medicina determinam que o profissional egresso do curso deve manter uma postura ética, empática e de boa comunicação. Tal orientação é dada, uma vez que a Medicina é uma profissão relacional, ou seja, é atravessada pela íntima relação com o paciente. Entretanto, na última década, houve o aumento em mais de 300% em processos movidos a médicos por desumanização do atendimento no país.. Essa insatisfação crescente com a atividade médica é fruto da inabilidade comunicacional desses profissionais, já que a sensação de prazer e bem-estar ao cuidado em saúde estão associados à relação interpessoal estabelecida entre paciente e médico. Uma maneira de estimular a formação dessas competências e habilidades sociais é a efetiva participação em projetos de voluntariado, pois estas atividades estimulam o senso de organização e cooperação nos envolvidos. Assim, esse trabalho visa elucidar o desenvolvimento de atividades pedagógicas em um cursinho popular na fronteira oeste, e suas contribuições para o desenvolvimento de habilidades relacionais para futuros profissionais da saúde. Consiste no relato da experiência vivenciada pelo pesquisador, realizadas durante os meses de Março a Maio de 2024, como monitor e professor do cursinho pré-vestibular estabelecido no município de Uruguaiana-RS para atender alunos de escola pública, de forma gratuita. As atividades práticas foram realizadas no cursinho estabelecido no colégio Marechal Rondon, que conta com alunos de diversas escolas públicas do município, com faixa etária média entre 16 e 20 anos. Foram ministradas aulas de física, previamente elaboradas pelo pesquisador, nas quais houveram resolução de exercícios após aula expositiva para avaliar a retenção do conteúdo programático. Além disso, foram realizadas atividades de monitoria acerca de diversas matérias, nas quais houveram dúvidas sobre os exercícios, que foram sanadas mediante acompanhamento durante aulas de professores de outras disciplinas, das áreas cobradas no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) para a realização do exame ao final do ano de 2024. É evidente a importância da linguagem e paralinguagem dos profissionais no estabelecimento do contato entre médico e paciente, uma vez que, segundo o médico de família e comunidade Francisco Borrel Carrió, estas habilidades são importantes para o comprometimento do paciente com o plano terapêutico estabelecido. Sob esta ótica, as práticas realizadas no cursinho, como o estabelecimento de contato diário com alunos, professores e demais envolvidos no processo pedagógico, a exemplo da experiência no cursinho popular de Uruguaiana são de grande valia ao futuro profissional da área da saúde dadas as necessidades de monitoramento das tarefas acadêmicas desses vestibulandos. como monitor e professor. Para além, as atividades estabelecem um contato muito próximo com esses alunos, e exigem o repasse do conhecimento teórico e prático, contribuindo com a comunicação, refletindo sobre as formas de como essa mensagem é transmitida e de que forma esse conteúdo é recebido pelos estudantes (receptores). Tal fator lapida a capacidade comunicacional desse futuro profissional, pois uma vez que o voluntário se predispõe a ensinar, ele fará uso recorrente de diversas técnicas para se fazer compreendido, modalidade muito semelhante ao que deve ser desenvolvido em suas áreas de atuação, já que a proposição de um plano terapêutico requer que o profissional se faça ser entendido, tal qual o professor. Como exemplos de habilidades exploradas em sala de aula, foi significativo o estabelecimento de uma relação cordial com o alunato, por meio de sorrisos, elogios e brincadeiras, momentos nos quais foram estabelecidos um vínculo. Tal fundamento se faz necessário para manter a atenção necessária das pessoas, assim como se pede na ambiente hospitalar com o enfermo, para uma maior aproximação entre os atores da anamnese, já que uma conduta fria e técnica do médico afasta esse paciente. Ademais, cabe ressaltar a importância da adequação do nível de linguagem do professor, pois a exposição do conteúdo sem a preocupação em ser didático pode comprometer o processo pedagógico. Situação muito semelhante ao que costumeiramente se queixam diversos pacientes em atendimentos médicos, haja vista que a tecnicidade do conhecimento médico é um empecilho a mais para a correta compreensão do que se pede o profissional. Pois pode ocasionar a não adesão do usuário ao serviço de saúde, assim a prática docente é um momento de preparação ao acadêmico, para se fazer ser entendido, futuramente, como requerente de um plano terapêutico. Outro recurso fundamental explorado na atividade do cursinho foi o fato de lidar com respostas negativas dos vestibulandos, como momentos de fúria e desobediência, momentos críticos nos quais esses personagens negam-se a participar funcionalmente da aula/monitoria, o que reduziu o nível de cooperação com o pesquisador para o prosseguimento das atividades, como desatenção ou instantes de retirada da sala. Isso se faz valioso para a presente discussão, na medida em que o processo de estudo sobre mecanismos de defesa em reação a hospitalização, texto do médico psiquiatra Neury José Botega, demonstrou que uma habilidade imprescindível à boa atuação médica é a resolutividade do que ele denomina de processos de transferência dos pacientes. Nesses momentos os doentes apresentam alguma reatividade à figura do médico, por meio de uma projeção psicológica da imagem de uma pessoa do passado sobre o profissional, assim como pode ocorrer com a figura do docente. Logo, compreender isso e aprender a reconhecer esses processos de reação psicológica por meio da educação popular otimiza a prática médica nessas situações, como defendeu o ilustre doutor em saúde mental. Logo, conclui-se que devido à similaridade entre o processo de ensino pedagógico realizado em atividade voluntária de educação popular, pelo discente de medicina, é possível formar habilidades médicas funcionais ao exercício da profissão, uma vez que são mobilizados recursos similares para a atividade de docência. Dessa forma, a universidade se faz um grande potencializador dessas atividades, proporcionando e incentivando atividades de voluntariado como mecanismo de formação profissional. Como consequência, formar futuros profissionais que baseiam sua prática no humanismo, considerando a singularidade do seu público, e consigam refletir de forma crítica sua área de atuação. Esses são valores defendidos e amparados pelas diretrizes do Currículo Nacional do Curso de Medicina do Ministério da Educação (MEC). Nesse contexto, o presente trabalho se faz necessário para o debate quanto à utilidade do serviço de voluntariado em um cursinho popular para a formação do padrão profissional que o país necessita. Segundo o patrono da educação brasileira, Paulo Freire, “A educação não muda o mundo. Educação muda as pessoas. E as pessoas mudam o mundo”.