GRUPO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES - ESTRATÉGIA DE CONSTRUÇÃO DE VÍNCULO E PROMOÇÃO DE SAÚDE EM PARCERIA COM A ESCOLA

  • Author
  • Sharon da Silva Martins
  • Co-authors
  • Teresinha Heck Weiller , Elisa Rucks Megier , Carla Mario Brites , Bruna Cristiane Furtado Gomes
  • Abstract
  • Em geral, as crianças costumam ser levadas à unidade de saúde para acompanhamento de puericultura no primeiro ano de vida. Conforme crescem e o calendário vacinal preconiza doses mais espaçadas, os atendimentos tendem a ser pontuais, motivados por vacinação ou queixas possivelmente relacionadas a doenças. Dificilmente observamos crianças com dois anos ou mais realizando consultas de rotina e, com isso, um espaço importante de vínculo e de educação em saúde acaba se perdendo. O presente trabalho relata a experiência de realização de um grupo de saúde com crianças e adolescentes entre 8 e 13 anos, na escola, no contraturno de estudo, com objetivo de promover vínculo e educação em saúde.

    A equipe da Estratégia de Saúde da Família da Vila Lídia é referência em ações do Programa de Saúde na Escola para quatro escolas, sendo uma de educação infantil, duas de ensino fundamental incompleto e uma de ensino fundamental ao médio. Além de desenvolver ações previstas na política pública, o trabalho conjunto entre as equipes da unidade de Saúde da Família e das escolas propicia cuidado compartilhado, agilidade no encaminhamento de casos e situações que necessitam de intervenções, parceria na realização de feiras de saúde, reuniões e atividades coletivas atendendo a demandas locais. A proposta de realizar o grupo de saúde com as crianças e adolescentes emergiu concomitantemente da equipe da unidade da ESF Lídia, direção da escola Sérgio Lopes e veio ao encontro de um projeto realizado pela TV OVO, cujo objetivo era produzir um curta metragem sobre a vivência de meninas na expectativa e a experiência da menarca. Embora a equipe da ESF tivesse o desejo de realizar grupos sistemáticos em todas as escolas atendidas, o fato de ser uma equipe simples (médico, enfermeira, técnica de enfermagem, dentista, agentes comunitários de saúde, recepcionista e higienizadora) com uma população vultuosa e em situação de grande vulnerabilidade, torna inviável ações extramuros tão frequentes. Mesmo a unidade sendo campo de práticas para acadêmicos e residentes, a parceria ensino serviço garante aumento da força de trabalho de forma flutuante, potencializando ações pontuais sem, contudo, garantir atividades contínuas e de longo prazo. Optou-se, inicialmente,em trabalhar com alunos da escola Sérgio Lopes, por se localizar na microárea do território mais distante da unidade de saúde - os usuários caminham cerca de 40 minutos para acessar a ESF.

    Os grupos foram conduzidos pela enfermeira da ESF, com participação da Agente Comunitária de Saúde da área, de estagiários de graduação em enfermagem e residentes de Medicina Veterinária em alguns momentos. Nos encontros quinzenais,eram realizadas oficinas e rodas de conversa sobre o crescimento e o desenvolvimento humano, mudanças físicas e emocionais na adolescência, questões ambientais como dengue e cuidados com os animais de estimação, higiene corporal, alimentação saudável, saúde bucal, respeito e vínculo nas relações familiares e sociais, projetos de vida e sonhos para o futuro. Embora a menstruação seja um evento fisiológico feminino, considerou-se pertinente discutir as questões de puberdade e desenvolvimento incluindo meninos e meninas, de modo a desconstruir tabus e promover um ambiente de compreensão, apoio e respeito entre colegas. Foram utilizadas técnicas de desenho, pintura e atividades pedagógicas como jogo dos erros e relacionar colunas; simulação realística com meninas e meninos carregando uma mochila simbolizando uma barriga de gestante e discutindo impactos da gravidez na adolescência; manuseio de materiais como peça anatômica de plástico representando útero e ovários, absorventes, papel higiênico; discussão de situações problema. Foi explicado sobre o funcionamento da ESF e ofertado acolhimento das demandas que os alunos pudessem ter ou surgir. No final dos encontros sempre havia um lanche coletivo, fornecido pela escola ou pelos condutores do grupo.

    A experiência com o grupo foi enrriquecedora e significativa de muitas formas. Os estudantes puderam conhecer sua enfermeira de referência da unidade de saúde, o que possibilitou criar confiança para momentos de escuta sobre questões e dúvidas próprias e de suas famílias. Quando iam acompanhar algum familiar ou consultar na ESF, sempre procuravam cumprimentar e, com o tempo, alguns até abraçavam, pois estabeleceu-se uma relação de afeto. Começou-se um processo de desconstruir o medo que muitos tinham do serviço, o qual era associado a um lugar onde iam para tomar injeções e/ ou quando estavam doentes. Algumas mães passaram a acessar a unidade para pedir auxílio com sua saúde, devido a terem ouvido dos filhos que poderiam fazer isso - mantinham uma ideia de que deveriam procurar atendimento com o médico e somente se tivessem sinais ou sintomas específicos. Mesmo com o trabalho da Agente Comunitária de Saúde no acompanhamento e esclarecimento das famílias, certamente fez diferença as pessoas encontrarem no seu território uma das profissionais que iria lhes receber na unidade, lhes dando acerteza de que seriam ouvidas apesar de não haver um agendamento prévio.

    O convívio  e as expressões dos estudantes trouxeram muitas informações sobre seus modos de viver, pensar e sentir, o que é fundamental para o cuidado. Tivemos conhecimento de situações que não sabíamos sobre suas relações familiares e na escola, levando a conversas e abordagem de temas inicialmente não programados. Foi dado ciência sobre algumas especificidades aos outros membros da equipe, de modo a individualizar as intervenções e orientações realizadas. A aproximação através dos encontros frequentes permitiu criar um vínculo mais consistente, o que não aconteceria nos atendimentos corriqueiros na ESF. 

    Observar o acolhimento proporcionado pela escola, tanto conosco, colegas de rede de serviços, quanto com os estudantes, serviu de grande aprendizado e inspiração. Professores e funcionários envolvidos com sua comunidade, em um ambiente cuidadosamente preparado para ser acolhedor. Observamos crianças e adolescentes que vivem uma realidade muitas vezes difícil, mas passam horas de seu dia em um local onde recebem atenção, cuidado e conhecimentos, sendo estimulados a ter esperança e sonhar com um futuro melhor. Essa atitude positiva também nos inspira a cuidar melhor, sabendo que somos uma rede com responsabilidade pela nossa população.

    Finalmente, aprendemos a nos reinventar como profissionais do cuidado, reforçando a importância de sair de dentros dos consutórios, ir para o território e nos fazer presente nos diferentes espaços onde a vida da nossa comunidade acontece. Rememoramos o quanto o acolhimento, o vínculo, o compartilhamento de saberes e vivências através das atividades de grupo, enfim, as tecnologias leves são fundamentais e fazem diferença na construção de um cuidado de qualidade e promoção de uma condição de saúde melhor. 

  • Keywords
  • Estratégia de Saúde da Família, Programa Saúde na Escola, Promoção de Saúde, Saúde da Criança, Saúde do Adolescente,
  • Subject Area
  • EIXO 2 – Trabalho
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