Maquinária legislativa: fabricação de autismo

  • Author
  • Monica Rocha
  • Abstract
  • No texto A História de uma Lei a autora Berenice Piana (2012) narra as angústias e sofrimentos que passou junto ao seu filho e familiares à procura de tratamento e diagnóstico. Nesse percurso teve a oportunidade de encontrar outros familiares com as mesmas dificuldades e que não teriam acesso à oportunidade que conseguira para o tratamento de seu filho. Logo se formou uma rede de conexão – encontros com outros familiares, acontecimentos e articulações, a qual possibilitou uma audiência para a Comissão de Direitos Humanos do Senado, requerida pelo Senador Pain. (PIANA,2012). A história se faz mais nos detalhes do que nas datas que encadeiam os fatos.  Se assim não o fosse, ela se bastaria com o labor do historiador ao montar os fatos em um ordenamento temporal capaz de localizar um suposto ponto de partida ou origem de uma paisagem, do fato histórico. O texto de Piana nos deu pistas da historiografia da história da Lei, e o primeiro marcador do plano de problematização que foi se constituindo no mapa de relações de todas as Leis no âmbito do Rio de Janeiro, no período de 2012 a 2014, como pretendemos demonstra nesse trabalho. Pretendemos apresenta os dispositivos legais, sendo oito do ente estadual, e cinco do ente municipal em relação à política nacional. Chegamos ao termo Máquina Legislativa por indução do método genealógico a partir das ofertas dos estudos foucaultianos, quando nos deparamos com uma intensa mobilização da sociedade civil em torno da autismo e com inúmeros dispositivos legais a respeito da Política Nacional do TEA. A máquina legislativa é o ponto chave do campo de análise sobre o autismo. A Política do TEA - Lei Federal 12.764 / 2012, aborda as seguintes temáticas em seus artigos, a saber: No art 1º define a síndrome do autismo descrevendo o tripé do diagnóstico: dificuldade de interação social, na comunicação e padrões repetitivos e restritivos de comportamento e, ainda, reconhece que a pessoa portadora da Síndrome do autismo é considerada deficiente para todos os efeitos legais. No Art 2º estão elencadas nos seus incisos as diretrizes de intersetorialidade, participação da comunidade na formulação de políticas públicas que venham a responder as necessidades apontadas pela comunidade envolvida com o TEA, familiares, profissionais, pesquisadores, etc... Ressalta a necessidade de atenção integral à pessoa portadora de TEA, “objetivando o diagnóstico precoce, o atendimento multiprofissional e o acesso a medicamentos e nutrientes”. Garante também atendimento multiprofissional, bem como o estímulo à inserção da pessoa com transtorno do espectro autista ao mercado de trabalho. Nesse mesmo artigo, ainda destaca a importante de formação e capacitação dos profissionais, bem como a pais e responsáveis. Não menos importante, ressalta a responsabilidade do poder público quanto à informação pública relativa ao transtorno e suas implicações. O artigo 3º trata dos direitos da pessoa portadora de TEA, como vida digna, proteção a qualquer forma de abuso e acesso à educação. Quanto ao acesso à ações e serviços de saúde, elenca os seguintes termos nas alíneas do inciso III: a) o diagnóstico precoce, ainda que não definitivo; b) o atendimento multiprofissional; c) a nutrição adequada e a terapia nutricional; d) medicamentos; e) informações que auxiliem no diagnóstico e no tratamento. Os artigos 4º e 5º tratam respectivamente da proteção a tratamentos desumanos e privação de liberdade, e assegura a participação das pessoas portadoras de TEA em planos privados de assistência à saúde. O art. 7º traz a seguinte previsão expressa, verbis: “O gestor escolar, ou autoridade competente, que recusar a matrícula de aluno com transtorno do espectro autista, ou qualquer outro tipo de deficiência, será punido com multa de 3 (três) a 20 (vinte) salários-mínimos”. Por fim, o art. 8º determina o início de sua vigência a partir da data da publicação,  em 27 de dezembro de 2012. 

    Lei Federal 12764/2012

    Leis Estaduais

    Leis Municipais

    § 2º A pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais. ( artigo 1º)

    Lei 6924/14

    4709/07

    VI - a responsabilidade do poder público quanto à informação pública relativa ao transtorno e suas implicações; (2º art)

    Lei 5389/12

    VII - o incentivo à formação e à capacitação de profissionais especializados no atendimento à pessoa com transtorno do espectro autista, bem como a pais e responsáveis;(2º)

    Lei 5573/13

    VIII - o estímulo à pesquisa científica, com prioridade para estudos epidemiológicos tendentes a dimensionar a magnitude e as características do problema relativo ao transtorno do espectro autista no País.(2º)

    Lei 5573/13

    Parágrafo único. Para cumprimento das diretrizes de que trata este artigo, o poder público poderá firmar contrato de direito público ou convênio com pessoas jurídicas de direito privado.(2º)

    Lei 5749/14

    III - o acesso a ações e serviços de saúde, com vistas à atenção integral às suas necessidades de saúde, incluindo:(3º artigo)

    Lei 6807/14

    Lei 5749/14

    a) o diagnóstico precoce, ainda que não definitivo;(3º III)

    Lei 5573/13

    b) o atendimento multiprofissional;

    (3ºartig III)

    Lei 6169/12

    Lei 6749/14

    d) os medicamentos; (3ºartig III)

    Lei 5749/14

    e) informações que auxiliem no diagnóstico e no tratamento; (3ºartig III)

    Lei 6801/14 

    LEI 5645/10

    Lei 5389/12

    Lei 5657/13

    a) à educação e ao ensino profissionalizante; (3ºartig IV)

    Lei 6708/14

    Lei 6807/14

    Lei 5749/14

    Art. 7º O gestor escolar, ou autoridade competente, que recusar a matrícula de aluno com transtorno do espectro autista, ou qualquer outro tipo de deficiência, será punido com multa de 3 (três) a 20 (vinte) salários-mínimos.

    Lei 6708/14

    Leis Estaduais

    O conjunto das seis leis estaduais elencadas no mapa, versam sobre os seguintes aspectos: reconhecimento do autismo como deficiência – 6924/14; acesso  saúde e educação – 6708/14, 6807/14; conscientização do autismo – 6801/14, 6708/14 ; e acesso aos os centros de reabilitação – 6169/12, 6749/14.  Algumas dessas leis

    Leis Municipais

    As leis municipais que figuram em nosso mapa formam um conjunto composto por cinco dispositivos, que versam sobre as seguintes temáticas, a saber: reconhecimento do autismo como deficiência – 4709/07; identificação e detecção do autismo – 5389/12, 5573/13; diretrizes de inclusão - 5749/13, conscientização do autismo – 5657/13.

     

    Quisemos demonstrar que a articulação desses dispositivos  é um forte componente do fenômeno contemporâneo de medicalização da infância. Como efeito tem-se por um lado a judicialização das demandas e direitos prescritos nos dispositivos, e por outro a  exaustão da capacidade do SUS em responder a tais  demandas. Esse cenário ganha mais um vetor de força que se instaura a partir da intervenção de técnicas e métodos de controle de comportamento. Uma vez o sistema público não respondendo a inúmeras demandas, emerge nos quatro cantos do município do Rio de Janeiro inúmeras clínicas populares para tratamento de crianças autistas.   Vale ressaltar que a ideia de prevenção produz a doença – o diagnóstico precoce, ainda que incerto é garantido em forma de lei, disso decorre a concepção inatista do desenvolvimento como um todo e em particular a linguagem.  A ideia de espectro parece ser oportuna, na medida em que passa incluir qualquer sinal do desenvolvimento inerente ao devir criança na variação dos seus mais vastos padrões desenvolvimento em sintomas de autismo. Afinal ele pode ser incerto, tal como será o nosso futuro em uma sociedade controlada pela medicamentalização. A vida da criança é o tesouro do capitalístico.

     

     

     

  • Keywords
  • autismo, legislação, medicamentalização
  • Subject Area
  • EIXO 4 – Controle Social e Participação Popular
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