Introdução: O pouco entendimento acerca do espectro autista, a hegemonia da racionalidade biomédica no processo diagnóstico, as disputas em torno do status nosológico do autismo e os estigmas sociais são entraves substanciais para a obtenção do laudo médico e, consequentemente, para o acesso a políticas públicas de saúde direcionadas para as pessoas com deficiência (PcD). Destarte, verifica-se a importância de uma perspectiva interdisciplinar e anticapacitista, durante a formação médica, para qualificação e capacitação na produção do diagnóstico do autismo enquanto uma deficiência e uma neurodivergência. Objetivos: Este trabalho objetiva expor as problemáticas de saúde pública ocasionadas pela predominância da concepção biomédica hegemônica nos itinerários diagnósticos durante a formação médica brasileira. Ademais, busca-se ofertar novas perspectivas baseadas na Medicina Centrada na Pessoa e nos Estudos da Deficiência, visando o desenvolvimento de competências para o diagnóstico do autismo. Métodos: A pesquisa foi iniciada por meio de uma revisão bibliográfica usando a combinação dos descritores: autismo, gênero, deficiência e diagnóstico tardio. A partir disso, realizou-se o processo de pré-seleção sociodemográfica, através de um formulário, a fim de caracterizar a população estudada, sendo esta etapa sucedida por 15 entrevistas autobiográficas com mulheres pretas ou pardas e autistas. Por fim, cada pesquisador participante teve a tarefa de assistir todas as entrevistas e escrever diários de campo registrando suas impressões acerca dos relatos, bem como analisando as informações coletadas a fim de obter uma interpretação crítica dos dados adquiridos. Resultados: A partir dos relatos de diagnósticos tardios, evidenciou-se a limitação na formação dos médicos para detecção de sinais e sintomas atípicos em seus pacientes, principalmente quando estes diferenciam-se do estereótipo do homem branco com altas habilidades ou do autismo não-verbal com estereotipias bem marcadas e difundidas pela mídia. Além disso, destaca-se que a privação de um laudo médico preciso resultou no não acesso às políticas públicas de saúde, dado que o laudo é um pré-requisito para a obtenção de grande parte dos direitos da PcD. Dessa forma, verifica-se que o ensino seletivo de diagnósticos centralizados no modelo biomédico, fornece uma capacitação insuficiente para identificação qualificada desta condição. Logo, constata-se que essa conjuntura se deve ao caráter “clínico” do diagnóstico e ao desconhecimento de modelos alternativos que ofereçam perspectivas mais inclusivas para a identificação de pessoas autistas, haja vista que a maioria dos discentes de medicina são instruídos atualmente a partir do viés da biomedicina sem que haja uma postura crítica à respeito desse sistema ou a apresentação de diagnósticos baseados no paradigma da neurodiversidade. Por fim, infere-se a importância de que perspectivas baseadas na Medicina Centrada na Pessoa e nos Estudos da Deficiência sejam lecionadas durante a formação médica, pois elas qualificam a produção dos laudos médicos e promovem o acesso aos direitos da PcD, uma vez que a legislação brasileira emprega o modelo social da diferença. Conclusões: Portanto, observa-se que o modelo biomédico é insuficiente para consumação de um processo diagnóstico inclusivo e constata-se a necessidade de que outros paradigmas sejam ensinados durante a formação médica, visando solucionar o atual problema de saúde pública.