Apresentação: Registrou-se a criação do Centro de Medicina Indígena do Amazonas em seis de junho de dois mil e dezessete por iniciativa de Paulo Tukano, com o apoio de Pajés de diferentes etnias. Entidade esta que teve a sua criação fundamentada no confronto entre os saberes indígenas curativos versus o modelo biomédico ocidental no contexto metropolitano amazonense. Nesse contexto, é importante ressaltar a efetividade destes profissionais indígenas de saúde como referência aos comunitários locais em se tratando de questões inerentes ao processo saúde doença e afins, tendo suas técnicas de cura respeitadas e procuradas dentro das comunidades em que estão inseridos. Dessa forma, os profissionais versados em medicina indígena, sobretudo os Pajés e os Kumuã (plural de Kumu - homem indígena do Povo Tukano que possui o poder de evocar propriedades de cura e de proteção) são essenciais para as populações indígenas e não indígenas da cidade de Manaus, e além disso possuem o direito assegurado por políticas públicas de agir como mediadores da saúde. Este fato é contemplado na Política Nacional de Atenção à Saúde Indígena quando ela fala que a formação e a capacitação de indígenas como agentes de saúde é uma estratégia que visa favorecer a apropriação, pelos povos indígenas, de conhecimentos e recursos técnicos da medicina ocidental, não de modo a substituir, mas de somar ao acervo de terapias e outras práticas culturais próprias, tradicionais ou não. O presente relato tem o objetivo de discorrer sobre as práticas de cuidado em saúde desempenhadas na Amazônia e descrever um encontro entre três pesquisadores e um profissional de medicina indígena do Povo Tukano que ocorreu dentro do Centro de Medicina Indígena do Amazonas - Bahserikowi. Desenvolvimento: Pajés, kumuã, xamãs, médicos da terra, curadores, benzedores… Todos esses termos são utilizados atualmente para definir os mesmos profissionais: aqueles versados em medicina indígena. Relatou-se que a medicina indígena por muitos anos vem sendo associada à ideia de “tradicional” mas o fato é que ela não se estagnou no passado, como a essência deste termo traz, muito pelo contrário, hoje ela continua sendo praticada e seus conhecimentos continuam sendo repassados às novas gerações. Para tanto, a partir da colonização do território brasileiro pelos povos europeus ocorreu um processo de aculturamento em favor do teocentrismo. Tal processo contribuiu para o apagamento da cultura indígena e como forma de se esquivarem das perseguições aos povos originários, eles próprios e seus descendentes deram novos nomes a práticas já existentes. Ocorreu então o surgimento de práticas como “benzimento” como forma de camuflar o exercício do bahsese em termos eurocêntricos e teocêntricos. Dessa forma foi permitida a resistência desses povos através dos tempos. O bahsese é então uma prática de cuidado ancestral do Povo Tukano voltado às ciências metafísicas em que elementos como o canto, preces e defumação são utilizados em prol de um objetivo, que pode ser a cura de uma doença, a proteção de uma pessoa, uma benção necessitada, uma forma de retomar o “equilíbrio de energias” em uma pessoa etc. Resultados: Tivemos a oportunidade de visitar o Centro de Medicina Indígena Bahsekowri como parte da pesquisa. Acompanhado de minhas orientadoras fui encaminhado à sala de atendimentos - decorada com elementos ricos em cultura e que muito bem transmitem a força ancestral que aquele lugar possui, e que é preservada e celebrada pelos trabalhadores do Centro. Após nos cumprimentar, o Kumu perguntou sobre a nossa demanda e dissemos que gostaríamos de proteção. Ele pediu então que escrevêssemos nossos nomes em um papel, que entregamos a ele. Após isso ele pegou três garrafas de água que estavam próximas dele, minerais de 350ml. Ele então iniciou o ritual: acendeu um cigarro e com as águas e o papel com os nomes em mãos começou a sussurrar palavras que não conseguimos compreender por estarem em baixo volume e em um idioma diferente do português, que também não conseguimos reconhecer qual seria. O procedimento durou em torno de 30 minutos. Na segunda parte do ritual o kumu pediu que bebêssemos um pouco da água e devolvêssemos a garrafa. Assim fizemos. Na terceira parte do procedimento o Kumu nos perguntou se estávamos sentindo algum sintoma físico e ao respondermos que não ele continuou o procedimento, nos pediu que bebêssemos mais um pouco da água e seguiu sussurrando próximo ao papel e as águas. Após isso ele fez algumas revelações sobre as nossas vidas pessoais e proferiu alguns conselhos. Ao final, pediu que bebêssemos mais um pouco da água e ao chegar em casa passássemos o restante no corpo para nos conferir proteção. O procedimento me fez adquirir uma nova perspectiva sobre as formas de saber-fazer saúde dos povos indígenas - aqui em especial do Povo Tukano - que não se baseiam apenas em ausência de doença, mas sim em bem-viver. Este é um conceito que se baseia na existência de um equilíbrio entre todas os âmbitos da vida de uma pessoa: o ambiente em que vive, a relação do seu corpo com a natureza, com a comunidade e consigo mesmo.
Considerações finais: O título do resumo “Como aprender com as práticas de cuidado em saúde na Amazônia?” é provocativo, nossa intenção aqui é deixar pistas de como é possível esse diálogo entre as medicinas. À vista disso, é um dever social reconhecer a importância desta ciência para a saúde pública, bem como investir mais recursos em sua compreensão e reconhecer que ambas as ciências podem se complementar sem que uma se sobreponha a outra como mais importante ou como a “única” forma de cura digna de existir, como os processos coloniais sugeririam. À vista disso, tornam-se necessários mais debates sobre a competência cultural em relação aos povos indígenas, para que ao serem tratados nos serviços convencionais de saúde possam ter acesso aos meios de cura que utilizaram por toda a sua vida, sejam eles chás, bahsese, banhos, defumações, ou outros. Trata-se de revolucionar os serviços de saúde existentes a partir do olhar da decolonialidade, a fim de estimular a inclusão e respeito com todos que utilizam o Sistema Único de Saúde.