INTRODUÇÃO:
O conhecimento acerca das plantas medicinais frequentemente representa o principal recurso terapêutico em muitas comunidades, e seu uso no tratamento de doenças remonta aos primórdios da humanidade. Atualmente, tanto nas regiões mais isoladas do país, quanto nos centros urbanos brasileiros, é comum encontrar plantas medicinais sendo vendidas em feiras, mercados populares e cultivadas em quintais residenciais.
A motivação para a forte adesão a esse gênero de medicamentos envolve influências culturais, cenários onde há escassez de médicos e realidades permeadas pela desigualdade socioeconômica, as quais inviabilizam o acesso a remédios e tratamentos convencionais. Desse modo, é possível depreender que a tradição brasileira, especialmente no sertão nordestino, apresenta um vasto conhecimento empírico referentes à utilização medicinal da flora. A sabedoria das comunidades sertanejas, porém, possui um cunho popular e carece de rigor científico, devendo ser sistematizada de forma técnico científica com o objetivo de padronizar, aprofundar, expandir e democratizar conhecimentos valiosos.
Além disso, existe uma forte defasagem histórica do sistema de saúde nas regiões interioranas, o que permeado pelo descaso do poder público cria um cenário de desigualdade e abandono que justifica a ascensão de curandeiros, rezadeiras e de sábios locais, tornando o uso de plantas a única fonte de conhecimento e cuidados médicos e acessível à essa população. Dessa forma, ilustra-se como a fitoterapia pode ser transformadora e decisiva para a sobrevivência de um povo, ilustrando a essencialidade da sua valorização e do seu estudo aprofundado.
Assim, diante da importância do cultivo e utilização de plantas medicinais para a população sertaneja, o objetivo do presente trabalho foi descrever as experiências do processo de implementação de uma farmácia viva na Faculdade de Educação e Ciências Integradas de Crateús (FAEC) da Universidade Estadual do Ceará (UECE) visando sistematizar o conhecimento popular de forma a torná-lo técnico-científico e promover uma utilização eficaz e segura dessas plantas medicinais no sertão de Crateús.
DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO:
Trata-se de um relato de experiência desenvolvido por discentes e docentes da UECE, a partir de vivências obtidas durante a estruturação e implementação de uma farmácia viva no campus da FAEC, através do Projeto Plantas que Curam. Esta iniciativa tem como finalidade identificar, cultivar, estudar e distribuir espécimes de plantas medicinais para a população do município de Crateús de forma segura, considerando as melhores formas de utilização, riscos e efeitos colaterais de cada fitoterápico.
A estruturação dos canteiros que compõem a farmácia viva se deu ao longo do mês de Abril de 2024, no município de Crateús caracterizado pelo seu clima tropical semiárido e predominância do bioma caatinga. O trabalho foi realizado pelos discentes que fazem parte do projeto, o professor orientador e alguns funcionários do campus.
RESULTADOS:
O projeto Plantas que Curam surgiu como uma atividade de Iniciação Científica que visa investigar o perfil socioeconômico do uso de plantas Medicinais em Crateús, Ceará, de início foram realizados encontros semanais de planejamento com a equipe de discentes bolsistas remunerados e voluntários junto ao orientador para traçar o plano de ação para estruturação dos canteiros. Posteriormente solicitou-se autorização da direção do campus da FAEC e da prefeitura do município de Crateús para implantação do projeto. Com a anuência das instituições supracitadas, deu-se início ao processo de mapeamento do local escolhido para plantio, seguido da limpeza e preparação do solo, de modo a eliminar espécies indesejadas, arar e adubar a terra visando tornar o solo propício ao cultivo.
Em um segundo momento foi iniciada a identificação, coleta e o plantio de diferentes espécies de plantas medicinais de grande relevância para a população local como: Alternathera brasiliana (Penicilina), Andropongon ceriferus (Capim-limão), Scoparia dulcis (Vassourinha), Pyllanthus niruri (Quebra-Pedra), Bryophyllum pinnatum (Folha-da-Fortuna), Turnera sabulata (Chanana), Cereus jamacaru (Mandacaru), Aloe vera (Babosa), Cymbopogon citratus (Boldo), Melissa officinalis (Cidreira), Chenopodium ambrosioides (Mastruz), Mentha spicata (Hortelã), Curcuma longa (Açafrão), Plectranthus barbatus (Malva), Hibiscus rosa-sineisis (Hibisco), Piperascens holmes (Vick), Heliotropium indicum (Cravo de urubu), Euphorbia hirta, Tridax procumber (Erva de Touro).
A manutenção dos canteiros foi realizada semanalmente, e as mudas para e doação foram produzidas periodicamente respeitando o tempo de crescimento de cada planta. Foram construídos três canteiros de alvenaria de 7,0 x 1,0 metros cada, resultando em uma área cultivada de 21 metros quadrados, contendo 30 exemplares de 18 espécies diferentes. Alguns desafios também se fizeram presentes na implantação dos canteiros, como a dificuldade de identificar algumas variantes em razão de grande semelhança, a escassez de pesquisas científicas sólidas sobre algumas espécies, e o manejo adequado que alguns exemplares delicados exigem.
Ademais, foram desenvolvidas atividades direcionadas especificamente à população do município de Crateús. Inicialmente, junto à comunidade da ocupação urbana Nossa Senhora de Fátima, foi realizada uma roda de conversa sobre plantas medicinais e seu uso, incluindo a implementação de uma horta medicinal. Posteriormente nossa equipe compôs uma feira de profissões promovida pela FAEC no intuito de apresentar os cursos da universidade e os projetos desenvolvidos para alunos do ensino médio objetivando incentivar seu ingresso no ensino superior, na qual foi realizada uma oficina sobre o uso e cultivo de plantas medicinais. Tais atividades promoveram uma estreita interação entre a comunidade acadêmica e a população de Crateús de modo a construir um vínculo permanente entre a universidade e a população no que se refere a construção de um conhecimento coletivo acerca da melhor forma de utilização de fitoterápicos.
As contribuições deste trabalho para a formação acadêmica foram significativas, proporcionando aos estudantes uma experiência prática enriquecedora. Participar ativamente do planejamento, cultivo e manutenção da horta medicinal não apenas fortaleceu suas habilidades técnicas em agricultura sustentável e botânica, mas também desenvolveu competências interpessoais essenciais, como trabalho em equipe e comunicação. Além disso, a contribuição na feira de profissões permitiu que compartilhassem suas descobertas e aprendizados com um público mais amplo, destacando a importância da pesquisa e da educação aplicada na resolução de desafios locais. Essa experiência integral preparou os graduandos para enfrentar questões complexas do mundo real, e também os motivou a se engajarem ativamente na promoção da saúde e na conservação ambiental em suas futuras carreiras.
CONCLUSÃO:
Ao desenvolver a implementação da horta medicinal na Faculdade de Educação e Ciências Integral de Crateús, o quadro de colaboradores expressou uma gratificante sensação de partilhar com a comunidade ao longo de todo o projeto. Esse trabalho colaborativo resultou na criação de uma farmácia viva promissora, de modo que o projeto não apenas demonstrou o potencial das plantas adaptadas ao clima semiárido de Crateús, mas também enfatizou o papel crucial da educação e da pesquisa na promoção da saúde e na preservação do conhecimento ancestral sobre o uso de plantas na medicina tradicional. A horta não se limitou a ser um espaço de aprendizado teórico, tornou-se um centro de partilha onde o conhecimento acadêmico estreitou laços entre a instituição acadêmica e os moradores locais.
Por fim, com a participação ativa da feira de profissões promovida pela FAEC, foi proporcionada uma oportunidade para apresentar não apenas os resultados do cultivo, mas também para educar e inspirar jovens do ensino médio sobre a importância da educação superior, do engajamento comunitário e promover uma compreensão mais profunda das práticas sustentáveis e da conservação da biodiversidade local. Essas iniciativas demonstraram o impacto positivo e duradouro que a educação baseada na comunidade pode ter no desenvolvimento integral das regiões semiáridas como Crateús.