Introdução: Em maio de 2024, se estabeleceu uma crise climática sem precedentes no Rio Grande do Sul, que afetou a maioria dos municípios e sua capital Porto Alegre. O decreto municipal nº 22.647, de 2 de maio de 2024, declara estado de calamidade pública no município de Porto Alegre pelo evento adverso de chuvas intensas. A capital compõe o território de abrangência da 1ª Coordenadoria Regional de Saúde/Secretaria Estadual de Saúde, na 10° Região de Saúde e é responsável pela gestão de todos os serviços de saúde SUS sob o seu território, sejam eles próprios ou de prestadores públicos ou privados. Porto Alegre mantém-se em vigência de uma epidemia generalizada (prevalência acima de 1%) de HIV e ocupa há mais de dez anos, os primeiros lugares no ranking das capitais brasileiras em detecção de AIDS. Em 2022, registrou 1.028 casos novos de infecção pelo HIV (675 HIV e 375 AIDS); está em 1º lugar na taxa de detecção de gestante HIV (17 casos/mil nascidos vivos); 1º lugar em proporção de coinfecção TB-HIV (20,09% dos casos); e 5º na taxa de detecção de AIDS (47,9 casos por 100 mil hab.). Os indicadores apontam ainda a grave situação da população negra com 3 vezes mais casos de AIDS do que a população branca. No Brasil, a partir de 2016, iniciou-se um processo de retrocessos expressivos em vários campos das políticas públicas os quais resultaram no desmonte de conquistas e avanços alcançados após a redemocratização do país nos anos 1980. O Sistema Único de Saúde (SUS) passou a sofrer vários ataques, advindos de uma política neoliberal, conservadora e centrada, que remete ao conceito de necropolítica, no qual o estado decide quem pode viver e quem deve morrer. Aliado a esse contexto, o mundo foi assolado pela pandemia da Covid -19, com os primeiros casos em 2020 e estabilização somente em 2022. Em 2023, com a eleição de um novo governo, esse cenário passa a se transformar. Em relação a resposta da epidemia de HIV/Aids, são resgatadas iniciativas que valorizam a participação do controle social, da sociedade civil e das Organizações não governamentais (ONGs). A participação da sociedade civil em processos decisórios de políticas públicas está prevista em lei (Lei nº 8.142/90). Através da Portaria SVSA nº 104, de 21 de setembro de 2023 foi instituída a Comissão de Articulação com os Movimentos Sociais em HIV/Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis (CAMS). Alinhada com relatório “Comunidades Liderando”, lançado pelo UNAIDS em 2023, que estabelece o reconhecimento das lideranças sociais e seu apoio, principalmente a partir da implementação de fundos e estratégias de financiamento. Cabe ainda ressaltar a atuação das organizações não governamentais (ONGS) na resposta à epidemia do HIV/Aids. Essas historicamente, estiveram mais próximas das populações em situação de vulnerabilidade, e por isso, aptas a contribuir para a formulação de demandas e direcionamento de análises e estudos para subsidiar a construção de propostas mais eficazes. Em Porto Alegre, a Coordenação de Atenção às ISTs, Tuberculose, HIV/Aids e Hepatites Virais (CAIST), reconhece as ONGs como instâncias de informação, formação e controle social e que contribuem efetivamente para o avanço das políticas públicas voltadas para o combate à epidemia de HIV/Aids e ao Estigma e Discriminação. As ONGs com as quais temos parcerias foram afetadas diretamente por essa tragédia climática, pois o local onde tem a sua sede, no centro histórico de Porto Alegre, foi inundado pela enchente, bem como uma das Casas de Apoio que atuam com pessoas vivendo com HIV/Aids. Para agravar ainda mais a situação um Serviço de Atendimento Especializado (SAE) e um Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA), ambos referência para grande parte da população atendida, também foram alagadas. Objetivo: Descrever as ações realizadas em parceria com as ONGs a fim de garantir a manutenção do acesso aos insumos de prevenção ao HIV/Aids, continuidade da Profilaxia pré - exposição (PrEP), acesso a Profilaxia Pós - exposição (PEP) e aos medicamentos antirretrovirais visando reduzir os impactos relacionados, em um cenário de calamidade pública. Método: Estudo do tipo descritivo Resultados: Dados já apurados pelos órgãos oficiais demonstram que a população mais afetada pelas inundações também é a economicamente e socialmente mais vulnerável. Em diálogo com as ONGs, diante do cenário catastrófico, foi necessário cancelar temporariamente todas as atividades previstas para maio, seria lançado duas campanhas: uma direcionada a mulheres que vivem com HIV/Aids e outra voltada para a população LGBTQIA+.Com o intuito de agilizar a interlocução entre esta CAIST e as ONGs, e de garantir a articulação necessária para estabelecer o apoio necessário de forma adequada e resolutiva, frente ao cenário de crise, entre outras medidas, foi criado um grupo de WhatsApp como canal de comunicação contendo informações, atendimento a dúvidas e questionamentos, em tempo integral. Com apoio da Aids Healthcare Foundation (AHF) e o projeto “A Hora é Agora” (Fiocruz/Centros de Controle e Prevenção de Doenças) foi possível disponibilizar um motoboy para entrega de preservativos interno e externo e gel lubrificante aos locais de sociabilidade. Em relação as profissionais do sexo que preferiram não utilizar o serviço de motoboy por questões de sigilo, os insumos foram entregues diretamente as dirigentes da ONG e uma técnica da CAIST acompanhou a entrega em alguns espaços, reforçando quais serviços de saúde poderiam acessar durante o período de calamidade. As incertezas eram diretamente relacionadas aos agravos da CAIST, mas não somente, havia também outras inquietações quanto a doenças provocadas pela enchente como leptospirose, acesso a outros medicamentos tais como insulina, visto que muitas unidades de saúde também foram afetadas. Conclusão: A resposta ao HIV/Aids tem sido marcada por transformações nos discursos e nas estratégias de prevenção, tratamento e de assistência desde o início do seu surgimento. Mesmo com o enfraquecimento das ONGs ao longo dos tempos, se identifica a sua relevância, em especial em cenários de crise, sendo a sua capilaridade vital para chegar até as pessoas que vivem com HIV/Aids e outras populações expostas e vulnerabilizadas, que não acessam espontaneamente os serviços de saúde, afastados pelo estigma e discriminação. As enchentes no Rio Grande do Sul destacam a prioridade em garantir a continuidade do tratamento e prevenção do HIV/AIDS a todas as pessoas, mesmo em meio a situações de emergência em saúde pública com o protagonismo da sociedade civil. E para isso o SUS estabeleceu na sua criação a participação social como um dos seus princípios. Nas palavras de Sérgio Arouca, o SUS é um “projeto civilizatório” contendo em si os valores para toda a sociedade brasileira. Representa a busca da cidadania, a consolidação da democracia e a legitimação do direito à saúde e, por conseguinte, à defesa da própria vida dos cidadãos.