Se tem duas coisas com as quais uma pessoa nascida e criada em Bangu tem vínculo de proximidade são o trem e a fábrica. Não precisa ser usuário dele nem ter parentes ex-operários, mas certamente qualquer banguense sabe onde está a linha férrea e é afetado por ela de alguma forma, bem como já ouviu histórias da extinta Fábrica Bangu, talvez até tenha feito algum trabalho na escola sobre ela. Logo, trem e memória fabril são temas particulares desse tradicional bairro da Zona Oeste do Rio de Janeiro. No entanto, eles não dizem respeito apenas a Bangu, mas são próprios do conjunto suburbano carioca que, apesar da sua heterogeneidade, é atravessado por aspectos identitários funcionais e históricos comuns. É baseado na presença dos temas trem e memória fabril na experiência de paisagem do autor nos subúrbios como orgulhoso morador de Bangu que este trabalho se constrói segundo três movimentos fundamentais. Primeiro: o entendimento da complexidade dos subúrbios cariocas enquanto fenômenos, mais que lugares. Segundo: o reconhecimento do trem e da fábrica como aspectos da modernidade intrínsecos a essa complexidade. Terceiro: a investigação de relações de sociabilidade por resistência e de laços de identidade pela memória que incorporam e ressignificam os elementos da morfologia urbana muros do trem e chaminés nos campos físico e emocional dos subúrbios cariocas. Quanto aos aparatos metodológicos, decidiu-se que o Caminho Imperial, histórico eixo que liga extremos da cidade, é uma referência espacial oportuna por onde operar o estudo desses elementos urbano-simbólicos. Esse estudo é amparado em fotografias de autoria de Lígia Magalhães resultantes de derivas com o autor e em depoimentos retirados de entrevistas que estão organizados de modo a dialogar com os conteúdos técnico, histórico e teórico. Os depoimentos são de moradores e ex-operários suburbanos de bairros vinculados ao Caminho Imperial que tratam de suas experiências cotidianas relacionadas ao trem e seus muros e das lembranças das desativadas fábricas e suas chaminés. Dessa forma, o trabalho contribui para revelar a potência dos suburbanos de elaborar mais do que meios de estar nos subúrbios, mas de ser subúrbios, através do que os comove, os inquieta, recordam e os engloba em um corpo urbano unificado. Conclui-se que muros do trem e chaminés são mais do que constituidores da paisagem concreta, mas causas de onde partem complexas relações políticas e de memória dos corpos com os subúrbios cariocas. Essas relações subjetivas e dinâmicas também fazem paisagem.
Referências
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