O REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO (RDD) E SUA (IN)COMPATIBILIDADE COM PARÂMETROS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS

  • Autor
  • Guilherme Dias Valverde
  • Co-autores
  • CHRISTIANE CRUVINEL QUEIROZ
  • Resumo
  • O REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO (RDD) E SUA (IN)COMPATIBILIDADE COM PARÂMETROS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS

     

    Guilherme Dias Valverde

    E-mail:guilhermediasvalverde.22@gmail.com

    Graduando em Direito pela Unicesumar- Polo Ponta Grossa – Paraná, Brasil.

     

    Christiane Cruvinel Queiroz

     Professora orientadora

    E-mail: christiane.queiroz@unicesumar.edu

    Doutora em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa – Paraná, Brasil.

     

     

    Resumo: O trabalho analisa a aplicação do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) no sistema penitenciário brasileiro, discutindo sua aplicação e compatibilidade com parâmetros internacionais de proteção às pessoas privadas de liberdade. Parte-se da constatação de que, embora concebido como medida excepcional, o Regime Disciplinar Diferenciado tem sido aplicado de forma ampliada e prolongada, caracterizando um processo de banalização da exceção. O estudo examina sua relação com as Regras de Mandela (Organização das Nações Unidas – ONU, 2015) e os Princípios e Boas Práticas da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH, 2008), apontando o descompasso normativo entre os padrões internacionais e a legislação nacional. Também são discutidos os impactos do soft law no ordenamento jurídico brasileiro, com destaque para a utilização desses parâmetros pelo Supremo Tribunal Federal (STF), Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Conclui-se que o RDD, em sua configuração atual, apresenta graves incompatibilidades com a Constituição Federal e com tratados internacionais, demandando revisão estrutural.

     

    Palavras-chave: Regime Disciplinar Diferenciado, Direitos Humanos, Regras de Mandela, CIDH, Soft Law.

     

     

    Introdução

     

                A criação do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), em 2003, foi justificada como resposta estatal à violência e à criminalidade organizada, sendo previsto no art. 52 da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984), com redação dada pela Lei nº 10.792/2003 (Brasil, 2003). Trata-se de um regime de isolamento mais severo dentro do sistema penitenciário, cujo uso tem suscitado intensos debates jurídicos, especialmente quanto a sua compatibilidade com princípios constitucionais e tratados internacionais de direitos humanos.

    A pesquisa busca investigar até que ponto o RDD, em sua configuração normativa e aplicação prática, preserva ou viola os princípios constitucionais e tratados internacionais de proteção da dignidade humana?

    Trata-se de pesquisa qualitativa, de caráter exploratório, com recorte delimitado à análise da compatibilidade do RDD com parâmetros nacionais e internacionais de direitos humanos. O marco teórico ancora-se em autores como Nucci (2022) e Avena (2023), que discutem a natureza jurídica e os limites da medida. A relevância social do trabalho está em apontar soluções interpretativas e legislativas que busquem equilibrar a segurança pública com a proteção dos direitos fundamentais das pessoas privadas de liberdade.

     

    Objetivos

     

                Este trabalho tem por objetivo analisar a aplicação do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), com foco na compatibilidade com as Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos, denominada Regras de Mandela (ONU, 2015) e com os Princípios e Boas Práticas para a Proteção das Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas (CIDH, 2008), dado o caráter soft law no ordenamento jurídico brasileiro e seu impacto nas políticas penitenciárias.

     

    Métodos e técnicas de pesquisa

     

                 O estudo de cunho qualitativo e caráter exploratório, apoiado no método dedutivo para abordar o tema do RDD e sua convencionalidade ou não com os direitos humanos das pessoas presas, sustentou-se na pesquisa bibliográfica e documental indireta de legislação nacional, tratados internacionais de direitos humanos, decisões judiciais e doutrina especializada.

     

    Resultados e discussão

     

                O Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) foi inserido na Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984) pela Lei nº 10.792/2003, sendo sua aplicação condicionada a decisão judicial fundamentada, após manifestação do Ministério Público e da defesa. Prevê o isolamento do preso por até 22 horas diárias, pelo prazo de 360 dias, prorrogável em hipóteses específicas.

    No campo doutrinário, há consenso de que o RDD não constitui modalidade de cumprimento de pena, como os regimes fechado, semiaberto ou aberto. Para Nucci (2022), trata-se de uma sanção disciplinar excepcional, cabível diante da prática de falta grave ou de fundadas suspeitas de envolvimento do apenado em organizações criminosas, quadrilhas ou bandos. Avena (2023), por sua vez, também o concebe como um regime disciplinar, mas ressalta que deve ser entendido como medida restritiva adicional no âmbito da execução penal, e não como regime autônomo de pena.

    Na realidade prática, contudo, observa-se a banalização de um instituto concebido como excepcional. Medidas que deveriam ser temporárias acabam sendo prorrogadas indefinidamente, transformando o isolamento em regra de cumprimento da pena. Essa prática deturpa os objetivos normativos do RDD e acentua o risco de violação a direitos fundamentais. Nesse sentido, Campos (2013) e Brito (2011) advertem que tal uso indiscriminado afronta não apenas a Constituição Federal, mas também tratados internacionais de proteção aos direitos humanos.

     

    (In)Compatibilidade do RDD com parâmetros internacionais e o caráter soft law

     

                As Regras de Mandela, aprovadas pela Assembleia Geral da ONU em 2015, constituem diretrizes internacionais para o tratamento de pessoas privadas de liberdade, estabelecendo padrões mínimos de proteção à dignidade humana. Entre suas disposições, destacam-se as que proíbem o isolamento por mais de 15 dias consecutivos, vedam a utilização indefinida desse regime e determinam a necessidade de contato humano significativo.

                De forma convergente, os Princípios e Boas Práticas para a Proteção das Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas, adotados pela CIDH em 2008, consistem em orientações regionais voltadas à proteção dos direitos das pessoas encarceradas. Tais princípios reforçam que o isolamento somente pode ser aplicado de forma breve, excepcional e nunca degradante.

                O contraste é evidente: enquanto os padrões internacionais limitam o isolamento a 15 dias, o RDD brasileiro admite prazos de até 2 anos, prorrogáveis, o que caracteriza violação à proporcionalidade, à integridade psíquica e à dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, autores como Reishoffer e Bicalho (2023) argumentam que o RDD reflete a adoção de políticas penitenciárias de exceção que segregam e neutralizam determinados apenados, consolidando uma lógica punitiva de “máximo confinamento e mínima concessão de direitos”. Além disso, Guimarães e Mocho (2022) defendem, numa análise sob a perspectiva da dignidade humana, que o RDD, em sua forma, atinge limites inconstitucionais, ao sujeitar presos a tratamento potencialmente degradante e violador de direitos fundamentais.

                Embora as Regras de Mandela e os Princípios da CIDH sejam instrumentos de cunho soft law, ou seja, normas de caráter não vinculante formalmente no ordenamento internacional, possuem reconhecida autoridade moral e interpretativa, sendo capazes de influenciar a elaboração de políticas públicas e a atuação jurisdicional (Piovesan, 2021).

                No Brasil, sua influência tem se tornado cada vez mais expressiva. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 104.045/SP (Brasil, 2010), citou as Regras de Mandela ao analisar a compatibilidade do regime de isolamento com os direitos fundamentais. Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça, no HC 598.051/SP (Brasil, 2020), também utilizou esses parâmetros internacionais como reforço argumentativo para limitar práticas de isolamento excessivo.

                O Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução nº 307/2019 (CNJ, 2019), recomenda a observância das Regras de Mandela como diretriz para a gestão penitenciária, orientando políticas voltadas à proteção da dignidade das pessoas privadas de liberdade.

                Dessa forma, embora não possuam caráter vinculante, tais normas funcionam como referenciais interpretativos e instrumentos de orientação normativa, influenciando políticas públicas e decisões judiciais, e garantindo maior consonância entre o direito interno e os padrões internacionais de proteção aos direitos humanos.

     

    Conclusão

     

    A pesquisa revela que o Regime Disciplinar Diferenciado, embora concebido como medida excepcional, tem sido aplicado de maneira ampla e prolongada, transformando-se em regra e não em exceção. Essa prática contraria princípios constitucionais como a dignidade da pessoa humana, a proporcionalidade e a vedação a penas cruéis, além de estar em descompasso com parâmetros internacionais consolidados pelas Regras de Mandela e pelos Princípios da CIDH.

                O fortalecimento do papel soft law no Brasil, evidenciado pelo uso dessas normas como referência interpretativa e integrativa pelos Tribunais Superiores e CNJ, indica a necessidade de revisão legislativa e de maior controle judicial da aplicação do RDD, a fim de assegurar conformidade com os direitos fundamentais e com os compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro.

                Evidencia-se, ainda, a necessidade de continuidade da investigação, especialmente com o aprofundamento em dados empíricos sobre a aplicação concreta do regime no Brasil, a fim de verificar seus impactos efetivos sobre o sistema penitenciário e sobre a proteção dos direitos fundamentais.

     

    Referências

    AVENA, Norberto. Manual de Processo Penal. 15. ed. Rio de Janeiro: Método, 2023.

     

    BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Lei de Execução Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm. Acesso em: 01 set. 2025.

     

    BRASIL. Lei nº 10.792, de 1º de dezembro de 2003. Altera a Lei de Execução Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.792.htm. Acesso em: 01 set. 2025.

    BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 307, de 31 de março de 2019. Dispõe sobre a Política Institucional do Poder Judiciário para a promoção da aplicação das Regras de Mandela no Brasil. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/atos-normativos?documento=2865. Acesso em: 01 set. 2025.

     

    CIDH. Princípios e Boas Práticas para a Proteção das Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas. 2008. Disponível em: https://www.oas.org. Acesso em: 01 set. 2025.

     

    GUIMARÃES, Roney Tito Sampaio Rodrigues; MOCHO, Fernanda Cristina Pereira. O Regime Disciplinar Diferenciado: uma análise sob a perspectiva da dignidade humana. Revista Dissertar, v. 1, n. 1, p. 40-55, 2022. Disponível em: https://revistadissertar.adesa.com.br/index.php/revistadissertar/article/view/25. Acesso em: 01 set. 2025.

     

    NUCCI, Guilherme de Souza. Execução Penal. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022.

     

    ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS - ONU. Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos (Regras de Mandela). 2015. Disponível em: https://www.unodc.org. Acesso em: 01 set. 2025.

     

    PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2021.

     

    REISHOFFER, Jefferson Cruz; BICALHO, Pedro Paulo Gastalho. Regime disciplinar diferenciado: lógica penal neoliberal de exceção, encarceramento e criminalização da pobreza. Polis e Psique, v. 3, n. 2, p. 180-199, 2023. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/PolisePsique/article/view/43094. Acesso em: 01 set. 2025.

     

    SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – STJ. Habeas Corpus 598.051/SP. Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª Turma, j. 09 jun. 2020.

     

    SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – STF. Habeas Corpus 104.045/SP. Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, j. 10 ago. 2010.

     

     

     

  • Palavras-chave
  • Regime Disciplinar Diferenciado, Direitos Humanos, Regras de Mandela, CIDH, Soft Law.
  • Modalidade
  • Comunicação oral
  • Área Temática
  • Direito
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