O presente trabalho insere-se no tema das políticas de mudança climática no Brasil no nexo tecnológico, em especial nas relações de poder das estruturas digitais nos processos de subjetivação. O enquadramento conceitual-analítico é oriundo dos campos dos Estudos Sociais das Ciências e das Tecnologias — ESCT (ELLIOTT, 2022; URRY, 2016), em especial com a aproximação da Sociologia da Questão Climática (FLEURY; MIGUEL; TADDEI, 2019; SALMI; FLEURY, 2022a) e da Sociologia da Utopia Crítica (EL-OJEILI, 2020; LEVITAS, 2013; SALMI; FLEURY, 2022b).
O objeto empírico são as plataformas digitais. As plataformas pesquisadas são classificadas em dois tipos: 1) mídias sociais digitais e 2) plataformas de caráter científico lastreadas por inteligência artificial (IA) ou algoritmos de alta complexidade.
O recorte do presente estudo situa-se nas mídias sociais digitais acessadas por redes e coalizões que tem a pauta climática como objeto político (e.g. Observatório do Clima, Rede Clima, Rede Sul-Americana para as Migrações Ambientais).
A abordagem metodológica conta com netnografia e coleta de conteúdo textual e artístico-gráfico nas esferas digitais (KOZINETS, 2014; LUPTON, 2015). Instrumentos analíticos como VOSViewer e Graph Commons são utilizados para análises interpretativas críticas. Essas análises mobilizam categorias como utopia, ideologia e futuro em uma abordagem crítica mais próximo do realismo crítico e da teoria social crítica contemporânea (VANDENBERGHE, 2018, 2021).
Resultados: As seguintes mídias sociais digitais, em ordem de relevância, foram objetos de observação participante: Twitter (páginas institucionais), Whatsapp (grupos temáticos), Youtube (apresentações científicas) e Instagram (páginas institucionais). As plataformas foram definidas em relação às suas exposições nas mídias sociais digitais das redes e coalizões sob análise (e.g. Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), MapBiomas v.7.1 Brasil, MapBiomas Alerta, PrevisIA, JusAmazônia, Política por Inteiro).
Discussão: Análises preliminares sugerem que os processos de mediação ocorrem em diferentes camadas digitais, porém inter-relacionadas à camada dos agentes humanos. Os processos de subjetivação ocorre entre humanos e não humanos, em especial os agentes artificiais (ELLIOTT, 2022; SALMI, 2022). Ao contrário do argumento de que os seres humanos vivem sob um regime infocrático (HAN, 2022), nota-se que as relações de poder, apesar de estruturalmente planejadas pelos grupos de posição econômica privilegiada, são mediadas e moduladas parcialmente por agentes humanos, em especial os grupos científico e politico. Em relação aos grupos científicos que orbitam a dimensão política, esses são agentes que ao produzirem conteúdos científicos (e.g. Relatórios do IPCC, artigos científicos analisados por pares) e disponibilizarem seus resultados nas plataformas tornam-se agentes políticos. Esses agentes políticos por sua vez são, ou podem ser, mobilizados por uma pluralidade de outros grupos políticos, independentemente de usas filiações ideológicas ou utópicas em relação aos efeitos sociais da mudança climática no âmbito brasileiro. Já em relação aos grupos políticos, ou seja, as redes e coalizões climáticas, esses são indutores de novas subjetividades, todavia os processos de formação de infobolhas são uma realidade no ambiente digital brasileiro. Nesse ponto específico, o argumento de que a “autodoutrinação produz infobolhas autistas que dificultam a ação comunicativa” (HAN, 2022, p. 35) pode ser observada, porém, o tipo de criticidade de interação entre os sujeitos políticos humanos e os conteúdos encapsulados nessas infobolhas promove um processo de tensionamento desses processos autistas. O agente artificial é novo sujeito nessa gramática do poder e dos processos de subjetivação entre humanos e não humanos. A criação por humanos de plataformas operadas por algoritmos complexos e IA é o ponto de início desse processo de tensionamento entre os mecanismos ideologizantes e utópicos. Mecanismos ideológicos como autodoutrinação (HAN, 2022) ou modulação vigiada pelas estruturas digitais (DOWBOR, 2020) podem ser observados, porém, há outras práticas em ação nos espaços digitais pesquisados. Novos mecanismos utópicos emergem por meio de práticas que buscam integração entre dimensões onde antes eram impraticáveis do ponto de vista social, político e tecnológico.
Considerações finais. Ideias (utópicas) de plataformas que buscam prever um futuro sustentável por meio de dados de satélites (SEEG), de degradação florestal e da exploração predatória de madeira no bioma Amazônia (MapBiomas) com o monitoramento da produção de legislação (anti-)climática no Congresso Nacional (JusAmazônia) são exemplos de convergência entre as dimensões reflexivas e empíricas. Essa convergência sugere novas subjetivações entre humanos e agentes artificiais. Há novos horizontes utópicos climáticos no contexto brasileiro.
Comissão Organizadora
Maro Lara Martins
Comissão Científica