A tecnologia digital associada à ascensão da inteligência artificial instituiu um fenômeno de mecanização de decisões em geral. Em virtude do seu constante aperfeiçoamento, essa técnica passou a ser implementada nos espaços públicos com o intuito de aumentar o controle social, vigiar a população e, assim, promover segurança pública, combatendo a criminalidade através de softwares de reconhecimento facial.
Entretanto, apesar dessa tese disseminada entre os entes estaduais federativos do Brasil justificar a prática, além de não regulamentada, não é fiscalizada por órgãos externos (SANTANA; RIBEIRO, 2019, p. 17). Isto é, não há qualquer estudo prévio ou legislação apropriada que coordene ou limite sua utilização.
Segundo a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), os dados biométricos são considerados dados sensíveis que, legalmente, exigem autorização prévia de seu titular ou responsável. Todavia, de maneira majoritária, os sistemas de reconhecimento facial não atendem às exigências legais previstas, seja na LGPD ou na Constituição Federal.
O exemplo acima demonstra que há controvérsias sobre a legalidade ou legitimidade do uso desse tipo de tecnologia para fins específicos na sociedade e na legislação brasileira atual, ainda que demonstre ser um mecanismo com alto potencial de violação de direitos fundamentais que, ainda, não possui regulamentação própria e, eis a problemática de pesquisa.
Assim, pouco se fala a respeito dos riscos que seu uso ocasiona no tocante a infração aos direitos fundamentais à privacidade, à liberdade de expressão, à proteção de dados, sem adentrar ainda para as violações derivadas do poder incriminador do Estado, qual seja, a liberdade de ir e vir quando a tecnologia se mostra falha e imprecisa, geralmente com indivíduos de classe, gênero e raça específicos, influenciada pelo “cross racial effect”, conforme mostram estudos (CNJ, 2021).
Em outros termos, este instrumento opera-se sem que haja informações explícitas, prévias e adequadas ao cidadão objeto de monitoramento, apesar de considerada pelo Estado como uma solução para a segurança pública, mostra-se uma contribuição ao aumento das desigualdades históricas, já que não possui exatidão especificadamente com indivíduos de cor.
De acordo com Pablo Nunes (2019, p. 68-69), a partir do monitoramento de casos de prisão nos estados da Bahia, do Rio de Janeiro, de Santa Catarina e da Paraíba, em se tratando daqueles que havia informações sobre raça e cor, 90,5% das pessoas eram negras e 9,5% eram brancas, em uma incontestável seletividade penal, bem presente em várias estatísticas prisionais brasileira.
Neste viés, expõe-se que o respectivo dispositivo consiste num mecanismo de vigilância, cujo alvo principal, tem sido materializado pela população negra, considerando-a como suspeita desde o momento que identificada pelo Estado, vez que o algoritmo pelo o qual é desenvolvido, nada mais representa do que uma reafirmação do racismo pré-existente na sociedade, divergindo-se de seu intuito de assegurar segurança e, somente, normatizando a repressão de grupos já amplamente atingidos por uma política de encarceramento em massa, onde a renderização voluntária tem se tornado um fato inescapável (ZUBOFF, p. 307).
O racismo brasileiro contemporâneo está fora da linguagem jurídica do Estado e presente em práticas, valores e preconceitos cotidianos. Os dados apresentados no uso da tecnologia de reconhecimento facial são representativos dessa característica do racismo brasileiro, logo, parte dos objetivos desse trabalho é averiguar se há uma sensibilidade sobre essa característica nos Projetos de Lei apresentados.
Portanto, o presente trabalho, o qual consiste em um projeto de pesquisa de iniciação científica em andamento, pretende avaliar os Projetos de Lei protocolados no Congresso Nacional a partir das experiências de alguns estados e municípios, buscamos quais as preocupações dos legisladores, de um lado e, por outro, as problemáticas derivadas da implementação do reconhecimento facial em algumas localidades.
Diante disso, por meio da abordagem qualitativa de pesquisa (GIL, 2002), pretende-se observar e interpretar os Projetos de Lei (PL) apresentados no Congresso Nacional até o ano de 2022, com o objetivo de averiguar a situação regulatória – ou a falta desta – da utilização do reconhecimento facial para a promoção de segurança pública, e com isso, averiguar os possíveis riscos de sua instauração, como o impacto negativo em grupos minoritários, mormente em grupos racializados, e a restrição de direitos fundamentais.
Recorre-se neste projeto a análise documental de pesquisa (GIL, 2002) para levantamento de material referencial sobre o mesmo. Assim dizendo, os dados utilizados, seja de natureza direta, enquanto Leis, Projetos de Lei ou Portarias, ou de natureza indireta, como relatórios, livros, artigos etc., serão abordados a fim de demonstrar o que se fala sobre o assunto no ordenamento jurídico nacional.
Comissão Organizadora
Maro Lara Martins
Comissão Científica