Subjacente ao intenso debate sobre a “revolução brasileira” que perpassou as discussões da esquerda a partir de meados do século XX, o que se convencionou chamar de “imagem do Brasil” – ou, mais precisamente, a caracterização da forma peculiar pela qual se processou a nossa formação histórica – foi retratada das maneiras mais diversas em autores que se debruçaram sobre o tema. Muita tinta já foi usada na reprodução e análise da polêmica, das mais fundamentais, dado que com base na visão que se tinha do país, do modo de produção aqui vigente, das características da sua formação sócio-histórica, é que se armava, pelo menos em tese, uma estratégia de intervenção na vida sociopolítica nacional. No interior da busca pela compreensão da realidade nacional, com maior ou menor destaque para as especificidades, a Europa (e em menor medida os Estados Unidos) foi um modelo, para uns, um espelho, para outros. A Europa, terra dos clássicos do marxismo, fornecia material teórico de excelente qualidade para compreender o mundo – mas poderíamos manejar sem maiores consequências os mesmos conceitos e categorias para nos bater com o entendimento do Brasil, último país do mundo a abolir formalmente a escravidão, majoritariamente agrícola até meados do século XX, que não conheceu nenhuma revolução popular e em que o Estado aparecia com enorme força e atuação econômica direta, além de dominar de forma excludente? Na tentativa de responder a tais questões é que se recorreu, entre muitas outras, à noção de via prussiana para caracterizar o processo de objetivação do capitalismo no Brasil. Essa tematização se mostrou bastante fértil, em especial, no pensamento do intelectual baiano Carlos Nelson Coutinho (1943-2012), um dos pioneiros no debate sobre o assunto e aquele no qual essa noção foi, possivelmente, mais fecunda, e certamente mais marcante na intelectualidade. No autor, o tema foi complementado pelas/intercambiado com as noções de “revolução passiva” (A. Gramsci) e “modernização conservadora” (Barrington Moore) e esteve relacionado, a partir dos final dos anos 1970, à formulação de uma estratégia de “guerra de posições” (longo combate prático e teórico em busca da hegemonia) e de valorização da democracia como valor universal. Houve, no entanto, quem apontasse que – inobstante as similaridades – o conceito de via prussiana não dava conta de explicar o caráter específico da formação social brasileira. Dentre os críticos, destaca-se J. Chasin (1937-1998), dado que apresentou uma análise comparativa, inicialmente, para em seguida mostrar os limites do conceito de via prussiana e apresentar inclusive uma alternativa, a noção de via colonial de objetivação do capitalismo. Chasin entendia a política como expressão das contradições e irresoluções sociais, a democracia como forma de dominação burguesa possível em apenas alguns locais e épocas e a burguesia brasileira como essencialmente autocrática. Este trabalho tem como objetivo arrolar os caracteres centrais da noção de via prussiana segundo os dois autores, contrapondo, ao mesmo tempo, a crítica efetuada por Chasin. Neste mister, trataremos rapidamente dos fundamentos teóricos que subjazem às diferenças de pensamento dos dois autores marxistas, ambos introdutores do pensamento lukacsiano no país, mas que se distanciam tanto em determinadas abordagens. Serão também apresentados alguns elementos característicos da via colonial de objetivação do capitalismo, de corte chasiniano, para possibilitar melhor entendimento das críticas feitas por ele à utilização da noção de “via prussiana” para a compreensão – e, portanto, a formulação de estratégias de atuação em torno – da realidade brasileira. Neste sentido, mencionaremos também, ainda que apenas rapidamente, as soluções propostas por ambos para o enfrentamento dos dilemas que identificaram na realidade nacional.
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Maro Lara Martins
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