Este trabalho pretende analisar os diálogos que foram estabelecidos entre alguns dos principais expoentes do Modernismo, concentrados no eixo Rio-São Paulo, e do Regionalismo Tradicionalista, encabeçado por Gilberto Freyre em Recife. O objetivo é verificar quais influências ocorreram entre os dois movimentos socioculturais que tiveram início na década de 1920, mas que continuaram a se desdobrar pela década de 1930. De modo mais específico, o propósito é compreender parte do caminho que levou Gilberto Freyre à publicação do Manifesto Regionalista em 1952. Este texto, que é considerado a principal síntese do movimento Regionalista e Tradicionalista, que teve lugar em Recife, costuma ser vinculado ao congresso que ocorreu na capital pernambucana em 1926. Entretanto, os registros históricos permitem concluir que Freyre não proferiu nenhuma palestra como o Manifesto naquele ano, e este trabalho busca evidenciar como muitos dos temas presentes no texto publicado em 1952 não estavam em discussão na década de 1920 - ao menos não nos termos colocados por Freyre. Nesse sentido, buscarei evidenciar como alguns temas centrais nos debates intelectuais do período, como identidade nacional e identidade regional, cultura popular, modernidade e tradição, foram se desenrolando no embate e no diálogo entre modernistas e regionalistas até alcançar as formulações estabelecidas na década de 1930, sintetizadas por Freyre no Manifesto publicado em 1952.
O objeto principal de análise são artigos publicados em jornais da década de 1920, especialmente de jornais pernambucanos, que discutiam os projetos do modernismo e do regionalismo tradicionalista, e o confronto destes artigos com o Manifesto Regionalista. Nos jornais, nomes como José Lins do Rego e Moraes Coutinho, simpáticos às ideias regionalistas, bem como o próprio Gilberto Freyre, e Joaquim Inojosa, opositor do sociólogo pernambucano e importante defensor do modernismo no Nordeste ainda nos anos 1920, despontam em contribuições para as reflexões do período. O intuito é desvendar como os dois movimentos deixaram de ser entendidos como opostos e passaram a dialogar, seja pelas ideias divulgadas nos jornais ou pelas cartas trocadas entre os intelectuais, seja pela aproximação deles - como foi o caso de José Lins do Rego ao se mudar para o Rio de Janeiro na década de 1930. Sobre este último caso, cabe ressaltar que, na literatura, o que convencionou-se chamar de Segunda Geração do Modernismo foi formada justamente por autores nordestinos que tinham no regionalismo uma característica central, ainda que nem sempre tratava-se do Regionalismo Tradicionalista orientado por Freyre. De toda forma, isso evidencia as aproximações e as similaridades das propostas Modernista e Regionalista.
Deste modo, a centralidade dos antagonismos entre moderno e tradicional, nacional e regional deu lugar, na década de 1930, a esforços mais amplos de interpretação do Brasil. Haja vista a publicação de obras como Casa-Grande & Senzala e Sobrados e Mucambos, ilustrativas da emergência de novas questões que ocuparam o imaginário intelectual do período - especialmente o processo de constituição do Brasil enquanto país moderno. Contudo, tais esforços não podem ser plenamente compreendidos sem sua vinculação com as discussões traçadas na década anteior, até porque o tema da região e da tradição, por mais que não fosse o fio condutor, continuou a permear as obras dos intelectuais nos anos 1930, sobretudo nos escritos de Gilberto Freyre.
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