As Umbandas, sendo uma religiosidade que carrega saberes afro-diaspóricos e indígenas, apresentam práticas religiosas como oferendas as Orixás, entidades e encantadas em alguns dos seus rituais, seja em forma de agradecimento ou pedido. Essas oferendas, dependendo da sua intenção, são colocadas em espaços públicos como encruzilhadas, cemitérios, cachoeiras, praias, cavernas, etc. Suas giras também podem ocorrer nesses espaços, podendo esses locais serem primordiais para rituais relacionados a iniciação, encerramento das atividades naquele ano, festividades, etc (PINTO, 2019).Assim, é possível notar a importância desses espaços para algumas práticas religiosas umbandistas, ainda mais que sua cosmologia está diretamente associada com esses lugares, sendo pontos de forças e contato com as divindades ao qual cultuam (SIMAS, 2022). Desta forma, entendendo que algumas oferendas e rituais podem ocorrerem em espaços públicos e podendo ser considerados como a própria Orixá, evidência o caráter híbrido e singular que esses locais podem carregar para as diversas pessoas que o acessam e o circulam. Neste sentido, podemos observar os espaços públicos como aqueles que se transformam em vários “mundos”, não sendo algo puro, fechado, mas que se transmuta de acordo com as direções que as pessoas tomam para se relacionar com os mesmos; e nesses diversos caminhos que são formados há o encontro na encruza que fomenta a mistura das diversas identidades (SIERRA; MESQUITA, 2009). Diante deste aspecto, buscaremos compreender as relações estabelecidas entre as umbandistas e essas práticas religiosas que ocorrem nos espaços públicos, caminhando para conhecer os sentimentos e as concepções que essas têm diante desses rituais que ocorrem fora dos terreiros. Considerando que há vários atravessamentos sociais que influênciam nessa relação, ainda mais no que tange ao racismo religioso presente em nossa sociedade, pois o processo de colonização exercido em terras brasileiras fomentou modos racistas nas formas de se relacionar com religiosidades de tradições afro-indígenas, devido ao racismo ser a força central da colonização. Assim, manteve modos de perseguições contra esses coletivos, em prol da manutenção do sistema colonial, sendo renovados na colonialidade (NOGUEIRA, 2020). Considerando as barbaridades sofridas pelos povos de terreiros, aqui optamos em utilizar o termo racismo religioso ao invés de intolerância religiosa devido a não dá conta das violências sofridas pelas mesmas e dos motivos que a culminam. Navegamos assim, na contramão do termo intolerância por apresentar um caráter liberal e ter alicerces no cristianismo, sendo ele também uma forma de mascarar o racismo a moda brasileira, ou seja, silenciar e invisibilizar as questões raciais. Esse movimento de não nomear as atrocidades germinadas pelo racismo é uma das suas ferramentas para promover o seu funcionamento, com isso, é importante que nomeamos o que de fato se é, do que se manifesta, e no caso das violências contra os povos de terreiros é racismo religioso (ALMEIDA, 2021).
Neste aspecto, o racismo religioso pode ser entendido como o movimento de criminalização, marginalização, embranquecimento, perseguição e de violência contra religiosidades de tradições afro e indígenas (OLIVEIRA, 2017). Utilizaremos tal termo como uma forma de reconhecer a resistência do povo de terreiro na colonialidade, considerando também que no movimento de silenciar, violentar e inviabilizar esses coletivos acaba que suas identidades são atingidas e é revelado o caráter mascarado do racismo brasileiro (ALMEIDA, 2021). Frente a esses aspectos, para adentrarmos nas dinâmicas estabelecidas entre as umbandistas e suas práticas religiosas que ocorrem em espaços públicos, utilizaremos das entrevistas semiestruturadas com dez pessoas iniciadas em terreiros de Umbandas localizados em Campos dos Goytacazes. Almejando adentrar em suas vivências religiosas quando colocadas em relação ao espaço público, onde é possível qualquer pessoa observar, participar ou discriminar o que ocorre naquela localidade. Cabe dizer, que apesar de uma parte considerável da população campista não ser branca, consequentemente influenciando para que culturas afro-diaspóricas e indígenas se faça presente na cultura da cidade, há um movimento forte de silenciamento e de violência contra as religiões de tradição afro-indígena, seja pela polícia ou por traficantes. Alguns dados apontam que dos 200 terreiros de matriz afro-indígenas ameaçados no estado do Rio de Janeiro, 40 se localiza em Campos dos Goytacazes, tendo em 2018 duas lideranças religiosas sendo assassinadas por traficantes locais (AMORIM, 2019). Diante disso, nesta pesquisa que ainda está em desenvolvimento, cabe observamos como é a relação de umbandistas campistas iniciados frente as práticas religiosas exercidas em público. Podendo conhecer quais são seus sentimentos, concepções e os atravessamentos que permeiam a sua pratica religiosa nesses espaços.