O recorte é o resultado da minha pesquisa de dissertação "O pensamento sexual brasileiro: a sexualidade melancólica na formação social brasileira que se ancorou nas leituras da obra Retrato do Brasil: ensaio sobre a tristeza brasileira de Paulo Prado, lançada em 1928. Neste livro, o autor procura construir uma história da interpretação da formação do povo brasileiro a partir de dois sentimentos que ele denomina de vícios: a luxúria e a cobiça. Com esta visão, o historiador conflui estes aspectos para uma disposição melancólica que refletem na maneira de agir e ser do brasileiro desde as primeiras décadas da colonização. A escolha da luxúria para o desenvolvimento da pesquisa partiu do meu "incômodo" ao identificar poucos estudos que se debruçam em como a sexualidade pode ser importante para pensar o Brasil em sua formação sociocultural. Em diálogo com este objetivo, a obra de Prado foi trazida para esta investigação, pois pensava a construção da sociedade brasileira a partir desta prática. Ao retratar a questão da sexualidade, Prado propõe uma interpretação sobre esta prática e conclui que no caso brasileiro ela é de fundo melancólico e carregado por um erotismo e ambição sem controle e como consequência, se formaria uma nação fadada ao fracasso. O livro busca um diálogo com as diversas correntes teóricas do início do século XX, em torno da raça e identidade cultural e nacional, entre uma delas, o encontro das três raças que foi imprescindível para o autor na compreensão do papel destes tipos raciais e a mestiçagem. Para ele, o africano, o indígena e o português são raças tristes e possuidoras de características negativas. A raça africana seria passível e infantil, o povo indígena de caráter ingênuo e lascivo e o português ambicioso e depravado eroticamente, ou seja, são características que contribuem para uma não predisposição de se construir uma nação civilizatória.
Em seus quatro capítulos e Post-Scriptum, Retrato apresenta uma série de conformações sobre os excessos sexuais e de ambição presentes desde os primeiros séculos da formação brasileira. A sexualidade sem freios é defendida no primeiro capítulo A Luxúria, em que é nada mais um resultado da confluência do clima paradisíaco, a solidão e a liberdade do português em contato com a animalidade sensual das mulheres negras e indígenas. No capítulo seguinte, a Cobiça, como o próprio título sugere, na qual os colonos construiriam laços sociais pautados na lógica do enriquecimento fácil. Para Prado, este tipo de ambição seria o clímax e declínio da colônia brasileira. Em A Tristeza e o Romantismo, são mostradas como estes excessos levaram um povo a serem acometidos por uma melancolia, de modo que não conseguiriam desenvolver a precoce nação brasileira. Nestes últimos capítulos, o autor focaliza em eventos históricos de Brasil e Portugal e critica a maneira como as ideias liberais e o romantismo chegaram no Brasil. Para ele, estas “filosofias” em comunhão com a melancolia apática do brasileiro são as responsáveis pelo atraso nacional brasileiro. O remédio para este mal é apresentado no Post-Scriptum, que além de refletir sobre seu papel de historiador, Prado sugere guerra ou revolução para sanar os problemas sociais e políticos do país.
A família Prado era uma das mais ilustres e influentes da sociedade paulista e tinham atuação nos setores econômicos, políticos e culturais do estado, predominando na agroindústria do café, em cargos políticos e na direção de revistas e jornais. Logo após se formar em Direito, Paulo Prado embarca em uma viagem pela Europa e instalado em Paris, aproxima-se de um grupo de intelectuais portugueses e brasileiros, denominado Geração de 70. Este círculo partilhava de um sentimento em que prevalecia a renúncia de aspirações românticas e um pessimismo político sobre os rumos que Brasil e Portugal trilhavam no final do século XIX. Retornando ao Brasil, empreendeu uma série de atividades no comércio de café até que na década de 20, se aproxima de alguns artistas inquietos com o status quo das artes se tornando o principal mecenas da Semana de Arte de 1922, protagonizando um novo movimento que não seria somente artístico, mas político, o Modernismo. No livro é externalizada a preferência por essa corrente e que esta poderia acontecer somente em solo paulista. Imbuído desta premissa e com a sua visão racial, Prado conclui que a miscigenação que ocorreu em São Paulo foi positiva porque é oriunda do cruzamento do branco europeu independente e anárquico com o indígena de sentido apurado, nômade e sensível, na qual ambos formariam uma raça forte e frondosa, a mameluca.
Enfim, para este painel, destacarei algumas análises que estão presentes na dissertação e ressaltar em como a teoria melancólica proposto pelo autor foi importante para a recepção das ideias do Romantismo. E, como o Modernismo aliado ao pensamento sobre a sexualidade e a miscigenação paulista sustentariam as teses de Retrato e um projeto político das elites cafeicultoras.
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Maro Lara Martins
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