Por diversas vezes, nos anos de 1950 e 1960, o sociólogo Alberto Guerreiro Ramos disse estar empenhado na construção de uma “teoria da sociedade brasileira”. No entanto, devido às contingências da vida política do país que ocasionaram mudanças em sua agenda de pesquisa, ele nunca sistematizou esta teoria, que já estava implícita em seus trabalhos. O objetivo deste trabalho é identificar nos textos desse sociólogo, escritos entre 1955 e 1964, os contornos gerais dessa teoria, a partir de uma comparação com a concepção de racionalidade e de crítica da modernidade desenvolvidas por Max Weber. Nossa hipótese, é que a teoria do sociólogo brasileiro se constitui em um diagnóstico do presente, construído a partir do gesto weberiano de reconstituir as principais linhas de racionalidade de uma sociedade. Diversos intérpretes de Max Weber apontam que este autor procurou compreender a modernidade a partir do descompasso criado por um grande avanço das formas de racionalidade funcionais ou instrumentais e um pequeno desenvolvimento das racionalidades substantivas apoiadas em valores éticos. Guerreiro Ramos foi um dos primeiros sociólogos a recepcionar a teoria de Weber no Brasil, em meados de 1946. Desse período até o final de sua vida, Ramos reconheceu que Max Weber foi o pensador das ciências sociais com quem manteve maior interlocução. Defendemos que os diagnósticos da realidade brasileira produzidos por Ramos partiram do mencionado gesto weberiano de tentar compreender os choques de racionalidades existentes em um período histórico. Para sustentar essa hipótese, como caminho de pesquisa, usamos da sociologia do conhecimento, nosso método consiste em ler os principais textos de Guerreiro Ramos, escritos no período referido, buscando compreender tanto a estrutura interna dos conceitos e argumentos contidos nessas obras, bem como os nexos que essa estrutura possuía com debate sociológico clássico e com o “espírito do tempo”, ou seja, com o seu contexto imediato de produção. Nesse sentido, buscamos mostrar a recepção da teoria weberiana e sua ressignificação num contexto periférico por Guerreiro Ramos como meio de produzir diagnósticos sobre uma sociedade em acelerado processo de transformação econômica que produzia descompassos com a estrutura política e cultural do país. Os resultados de pesquisa mostram que em, ao menos três momentos, a teoria dos descompassos de racionalidade serviu para Guerreiro Ramos explicar a sociedade brasileira: a) na segunda metade dos anos 50, quando desenvolveu o conceito de “redução sociológica”, um tipo de racionalidade científica que permitiria que a cultura do país acompanhasse o processo de desenvolvimento econômico; b) no início dos anos 1960, quando o autor tenta compreender a crise institucional que vivia o país, a partir da ideia de descompasso entre o sistema partidário e as forças sociais; c) ainda no início de 1960, quando busca compreender as crises da modernidade a partir do descompasso entre a racionalidade substantiva e a racionalidade instrumental ou funcional.
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Maro Lara Martins
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