O cosmopolitismo na crítica cultural latino-americana

  • Autor
  • Maria Caroline Marmerolli Tresoldi
  • Co-autores
  • Alice de Oliveira Ewbank
  • Resumo
  • A proposta desta comunicação é recuperar alguns trabalhos da crítica literária e cultural praticada na América Latina nos quais identificamos uma abordagem teórica cosmopolita, entendendo o cosmopolitismo como um “tipo de relação descentrada de convivência com o mundial a partir da diferença local, que implica movimentos e aberturas em várias direções”, como postulam André Botelho e Maurício Hoelz.

    Como se sabe, na virada dos anos de 1960 para 1970, o debate sobre a dependência latino-americana ocupou as agendas de pesquisa de inúmeros cientistas sociais e economistas da região. Também na crítica literária e cultural se discutia a questão da originalidade e da cópia, do universalismo e do localismo, que coloca e atualiza o problema da dependência. Em meio a esses debates foi se constituindo uma “crítica latino-americana” que passou a propor interpretações sobre a particularidade de nossa produção literária e cultural frente ao padrão estrangeiro (europeu e norte-americano), ancoradas em uma visão de conjunto da região. Surgiram, assim, novas propostas teóricas e metodológicas para os estudos literários, além de uma série de projetos editoriais e coletivos que acionaram o dispositivo “Latinoamérica”.

    Dois nomes que estiveram no centro deste debate e possuem uma abordagem cosmopolita são os de Ángel Rama (1926-1983) e de Antonio Cornejo Polar (1936-1997). No caso do primeiro, uma de suas principais contribuições intelectuais é recuperar a noção de transculturação do antropólogo cubano Fernando Ortiz para interpretar as literaturas latino-americanas. Além disso, Rama também foi responsável pelo famoso empreendimento editorial em torno da Biblioteca Ayacucho, que buscou divulgar a produção literária e intelectual latino-americana a partir de 1974. No caso de Cornejo Polar, ele utiliza de modo criativo e provocador o conceito de heterogeneidade para qualificar as literaturas peruana, andina e latino-americana. Além do mais, participou da criação da Revista de Crítica Literaria Latinoamericana, que apareceu em 1975 procurando reunir colaborações que visassem construir uma teoria adequada aos recortes culturais latino-americanos. Trata-se de dois autores que pertencem ao cânone da crítica latino-americana e, não à toa, as categorias de transculturação e heterogeneidade ainda são amplamente discutidas e colocadas à prova para analisar os processos literários do continente.

    Mas não são apenas esses críticos que possuem uma abordagem cosmopolita, expressa nas ideias e categorias que eles utilizam para interpelar as literaturas latino-americanas. Essa abordagem também aparece nas formulações de Beatriz Sarlo (1942 -) e de Silviano Santiago (1936 -), dois nomes também importantes da crítica literária e cultural praticada no continente. Ainda que Sarlo e Santiago não assumam diretamente um programa de “crítica latino-americana” como Rama e Cornejo Polar, as ideias e categorias que eles mobilizam, como orillas e cultura de mescla, no caso da argentina, e entre-lugar e cosmopolitismo do pobre, no caso do brasileiro, possuem um interesse analítico que ultrapassa o perímetro mais restrito de seus respectivos contextos nacionais. Suas formulações teóricas, em verdade, dialogam com questões caras ao debate latino-americano, como os problemas da diferença histórico-cultural, das desigualdades geopolíticas e das tensões entre produção cultural periférica e metropolitana.

    Considerando a relevância teórica dos trabalhos dos quatro críticos, procuraremos recuperar suas interpretações e discutir, de modo mais específico, as categorias que eles acionam, como transculturação, heterogeneidade, orillas/cultura de mescla, entre-lugar/cosmopolitismo do pobre. Com isso, buscaremos problematizar como cada autor desenvolve uma visada cosmopolita que, voltada para entender a diferença latino-americana, permite debater problemas globais a partir da diferença local. 

    De um ponto de vista teórico e político mais amplo, consideramos que em um contexto tão anticosmopolita, de tanta intolerância e de exacerbação de nacionalismos autoritários como o que vivemos no cenário global, torna-se um desafio avançar nas propostas de um cosmopolitismo de caráter ético, crítico e dialógico, do qual falam autores como K. A. Appiah e Walter Mignolo. E a América Latina tem uma tradição intelectual que, se nem sempre debateu diretamente o problema do cosmopolitismo, possui uma abordagem que expressa seus fundamentos, colocando ênfase na dimensão híbrida das culturas e gerando novos entendimentos relevantes para habitarmos em um mundo com e a partir das diferenças.

  • Palavras-chave
  • Crítica cultural, América Latina, Cosmopolitismo, Ángel Rama, Antonio Cornejo Polar, Beatriz Sarlo, Silviano Santiago
  • Área Temática
  • GT 7 - História, cultura e sociedade: diálogos entre Brasil e América Latina
Voltar
  • Grupos de Trabalho (GTs)
  • Pensamento Social Brasileiro
  • Intelectuais, Cultura e Democracia
  • GT 1 - Correspondências intelectuais entre o pensamento social brasileiro e a teoria crítica da sociedade: entre o legado teórico e as contribuições para compreensão de problemas contemporâneos
  • GT 2 - Cinema e Quadrinhos como categorias de análise acerca do Pensamento Social Brasileiro
  • GT 3 - Cultura religiosa e autoritarismo afetivo: perspectivas teóricas e metodológicas para o pensamento social do Brasil contemporâneo
  • GT 4 - Democracia, emoções e futebol
  • GT 5 - Elites, Poder e Instituições Democráticas
  • GT 6 - Estabelecidos e Outsiders do Pensamento Social Brasileiro
  • GT 7 - História, cultura e sociedade: diálogos entre Brasil e América Latina
  • GT 8 - Interseccionalidade e Reconhecimento
  • GT 9 - O modernismo brasileiro e a tradição de pensamento social brasileiro
  • GT 10 - O pensamento (neo)conservador brasileiro
  • GT 11 - O Pensamento Social Brasileiro versus a formação docente
  • GT 12 - Pensamento político brasileiro e atuação intelectual na transição dos séculos XIX e XX
  • GT 13 - Pensamento Social Brasileiro e Historiografia: problemas, aproximações, possibilidades
  • GT 14 - Pensamento Social Brasileiro: intelectuais e a produção sobre relações raciais
  • GT 15 - “Questão social”, luta de classes e dominação burguesa no Brasil
  • GT 16 - Sociedade, movimentos sociais e a Democracia no Brasil
  • GT 17 - Tecnopolíticas e Sociologia Digital
  • GT 18 - Apresentações Coordenadas

Comissão Organizadora

Maro Lara Martins

Comissão Científica