A pesquisa está sendo realizada sobre 5 médicos que compuseram uma comissão formada em 1908, dentro da Sociedade Brasileira de Neurologia, Psiquiatria e Medicina Legal, com o intuito de montar uma classificação das doenças mentais. Essa comissão era formada pelos seguintes médicos: Juliano Moreira, Afranio Peixoto, Carlos Eiras, Henrique Roxo e Antonio Austregesilo. Através das discussões encontradas nas atas das reuniões da SBNPML podemos perceber que existem mais de um tipo de entendimento sobre as doenças mentais, pois tanto na comissão quanto na SBNPML existia mais de uma área médica. Na comissão havia médicos generalistas, psiquiatra, médico legal e neurologista, a partir disso já podemos perceber que eram diferentes olhares sobre o mesmo objeto. (CERQUEIRA, 2014) (Venancio e Carvalhal, 2001)
Para se trabalhar com a ideia de diferentes modos de compreender as doenças mentais em uma única comissão, será utilizado os conceitos de estilos de pensamentos e coletivos de pensamentos que é trabalhado por Ludwik Fleck, para que a partir desses conceitos possamos compreender a formação do pensamento dentro dessa comissão que tinha como trabalho delimitar o entendimento sobre o que se teria como doença mental no Brasil do início do século XX. (FLECK, 2010)
Para se trabalhar essa hipótese, temos como fontes primárias as atas das reuniões da SBNPML e os artigos publicados pelos integrantes da comissão sobre doenças mentais e classificações delas, que estão contidas no Archivos Brasileiro de Neurologia, Psychiatria e Medicina Legal. Também teremos como fonte complementar, trabalhos sobre os 5 médicos da comissão, para que a partir desses trabalhos possamos compreender o lugar social que esses médicos ocupavam na sociedade do Brasil do início do século XX e atuações além da comissão. Essas informações ajudaram a compreender quais ferramentas que esses médicos utilizavam para construir o pensamento psiquiátrico brasileiro naquele momento. Desde ferramentas científicas como teorias psiquiátricas que vinham de fora do Brasil, até experiências sociais que não estavam vinculadas diretamente com a medicina, mas que poderiam influenciar nas perspectivas médicas, como foi o caso de Afranio Peixoto que além da medicina se preocupava com a área da educação sobre higiene. Também temos nesta comissão um médico que já possui uma “ carreira” médica estabelecida, o médico Carlos Eiras, que além de ser o Diretor proprietário da Casa de Saúde Dr. Eiras também possuia o “status” profissional sênior na SBNPML. Todas essas informações que estão além do limite da comissão, podem ter afetado a sua construção da classificação. Seja por ter uma base teórica diferente, ou atuar em uma área diferente da medicina ou um lugar social diferente, todas essas experiências podem afetar o modo como se construirá uma classificação das doenças mentais. Como podemos ver quando Fleck trabalha a construção do conceito de sífilis, ele apresenta que além de ser um problema médico, a sífilis também possui questões sociais que influenciaram a ela a ser pesquisada. Como Fleck relatou, no período que a sífilis foi pesquisada, a tuberculose também estava sendo um problema médico, até mesmo matando mais pessoas que a sífilis, porém a tuberculose não possuía os mesmos aspectos sociais que a sífilis. Com isso podemos perceber que os aspectos sociais podem influenciar tanto quanto um problema médico. (CERQUEIRA, 2014) (LIMA, 2006) (FLECK, 2010)
Logo, a pesquisa irá trabalhar com a ciência psiquiátrica dentro de um contexto social brasileiro que pode ter influenciado na formação desse pensamento científico, que muitas vezes é tratado apenas como reprodução de teorias médicas da europa, deixando de lado a participação do social para a formação dessa ciência.
Referências Bibliográficas
CERQUEIRA, Ede Conceição Bispo. A Sociedade Brasileira de Neurologia, Psiquiatria e Medicina Legal: Debates sobre ciência e assistência psiquiátrica (1907-1933). 2014. 234 f. Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da Saúde) - Fundação Oswaldo Cruz. Casa de Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, RJ, 2014.
FLECK, Ludwik. Gênese e desenvolvimento de um fato científico. Tradução G. Otte & M. C. de Oliveira. Belo Horizonte: Fabrefactum, 2010 [1935].
Lima, Otavio Pereira. Higiene e vestuário no início do século XX: algumas idéias de Afrânio Peixoto. 2006. 122 f. Dissertação (Mestrado em História da Ciência) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006.
VENANCIO, Ana Teresa A. e CARVALHAL, Lázara. “A classificação psiquiátrica de 1910: ciência e civilização para a sociedade brasileira”. In JACÓ-VILELA, Ana Maria et al. (Org.). Clio-Psyché ontem: fazeres e dizeres psi na história do Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará; FAPERJ, 2001.
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Maro Lara Martins
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