PEC 9/2023: mais uma anistia ao descumprimento às cotas de gênero na política

  • Autor
  • Caroline Bianca Graeff
  • Resumo
  •  

     A desigualdade de gênero nos múltiplos âmbitos da vida social tem sido encarada por diversas frentes. Uma batalha em especial vem sendo repetidamente perdida, com poucas alterações práticas na estrutura patriarcal enfrentada. Ela consiste na pauta de gênero no ambiente político partidário.

    As mulheres que superam as barreiras iniciais, as quais buscam restringir a sua participação ao ambiente privado, e procuram participar da vida pública concorrendo em um processo eleitoral, encaram um novo universo de dificuldades. As candidaturas não recebem o mesmo suporte das masculinas pelos partidos políticos, incluindo o desigual aporte financeiro e a falta de divulgação e espaço midiático.

    Alguns momentos da construção de uma política de gênero no processo eleitoral brasileiro merecem destaque. Em 2009, foi estabelecido a obrigatoriedade de cada partido ou coligação preencher o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada gênero (Lei nº 12.034/2009). Dessa forma, a reserva de vagas que antes não era imperativa, passou a ser obrigatória.

    No ano de 2018, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.617, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a aplicação de recursos financeiros do Fundo Partidário de forma proporcional às campanhas de candidaturas femininas.

    Ainda em 2018, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), na Consulta n. 0600252-18.2018.6.00.0000, esclareceu também a obrigatoriedade da destinação de no mínimo 30% dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, bem como do tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV à participação feminina.

    Este contexto legal envolve a pauta da discussão mobilizada no Congresso para a votação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº. 9/2023, de iniciativa do Deputado Paulo Magalhães do PSD/BA, visando anistiar os partidos políticos que não cumpriram a legislação.

    O presente trabalho tem como objetivo discutir as conseqüências da aprovação da proposta em votação no Congresso Nacional. Como objetivos específicos, o estudo busca (1) compreender a evolução da política de cotas de gênero para as eleições no Brasil e (2) apresentar uma análise da ineficácia social da norma e a consequente sub-representatividade feminina no parlamento, através de dados estatísticos disponibilizados pelo TSE.

    A metodologia compreende a revisão crítica da bibliografia, das normas e das decisões judiciais sobre o tema, incorporando de forma subsidiária os dados disponibilizados pela Justiça Eleitoral sobre as eleições brasileiras no portal TSE Mulheres.

    Os resultados do estudo apresentam o pouco progresso que efetivamente é encontrado no cenário político e as constantes anistias aos descumpridores das normas. Caso aprovada a PEC, será a quarta vez que regras referentes às cotas de gênero na política são afastadas para absolver os partidos que descumpriram a lei (NOGUEIRA; MARUCI; ASTROLABIO, 2022).

    Apesar de atualmente a bancada feminina no Congresso ser a maior da história, há apenas 91 parlamentares eleitas na Câmara dos Deputados (18%) e 4 Senadoras (15%). Isso, mesmo o Brasil possuindo 53% do eleitorado feminino (TSE MULHERES, [S.d.]). No que se refere às Câmaras Municipais, no ano de 2020, somente 16% dos vereadores eleitos foram mulheres (TSE MULHERES, [S.d.]). Os dados retratam a dura realidade do ambiente político, que é marcado por violações constantes às mulheres.

    A compreensão de que não é possível alcançar um Estado verdadeiramente democrático enquanto for mantida a sub-representação de gênero e, acrescenta-se, de raça, nos cargos políticos, é de suma importância. A pluralidade social brasileira não espelhada no parlamento impossibilita o desenvolvimento de políticas públicas adequadas, calando parte substancial da sociedade que não encontra voz para exercer a plenitude de sua cidadania. Os lentos passos dados até então não satisfazem a necessidade de mudança e a PEC 9/23 é mais um capítulo das reiteradas absolvições aos que descumprem a legislação.

    A discussão acerca da igualdade de gênero no universo político partidário necessita ser intensificada, sobretudo para não permitir anacronismos e retrocessos nas poucas conquistas já alcançadas. Ao contrário, é necessário avançar no debate para discutir a previsão de paridade a partir da reserva de cadeiras no parlamento ou do implemento de um sistema de listas fechadas que propicie a efetiva colocação de mulheres nos espaços de poder político.

     

    Referências simplificadas

    TSE MULHERES. Estatísticas Eleitorais. [S.d.]. Disponível em: TSE Mulheres - Justiça Eleitoral (justicaeleitoral.jus.br) Acesso em 10 de jul. 2023.

     

    NOGUEIRA, Mariana; MARUCI, Hannah; ASTROLABIO, Laura. Cartilha Incidência Política. 2022. Disponível em: CARTILHA-2.pdf (atendadascandidatas.org). Acesso em; 05 de jul. 2023.

     

  • Palavras-chave
  • Cotas de gênero; proposta de emenda à Constituição; anistia; desigualdade de gênero
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