O perfil majorita?rio atual dos sujeitos sociais que ocupam as vagas das instituic?o?es de acolhimento no Brasil, a saber, jovens-mulheres-negras-pobres, reafirma o mito da democracia racial existente no pai?s, no qual todos sa?o iguais perante a lei, assim como revela a desigualdade entre classes sociais, ge?neros e intrage?nero de um pai?s que tem o topo da pira?mide econo?mica absolutamente formada por homens brancos e a base absolutamente composta por mulheres negras.
Mas, por que sa?o preenchidas por aquelas pessoas e na?o outras?
E? preciso evidenciar as diferenc?as sociais existentes entre homens e mulheres, e entre mulheres e mulheres, considerando os distintos graus de viole?ncia a que os diferentes sujeitos sociais sa?o expostos, e reconhecer o processo histo?rico que desumanizou a mulher negra ao longo dos anos.
Trata-se de desnaturalizar essas relac?o?es, buscando compreender de que maneira o racismo, potencializando o sexismo e a contradic?a?o de classe, gera feno?menos muito prejudiciais para as mulheres negras, os quais se manifestam em diferentes dimenso?es da vida, tais como: mercado de trabalho, sau?de, imagina?rio social, viole?ncia e violac?a?o de direitos, acesso ao poder, sexualidade, entre muitas outras, que as impede de progredir social e economicamente, e instala a condic?a?o que Sueli Carneiro chama de “asfixia social” para as mulheres negras.
Por conseguinte, vistas de forma separada, as categorias rac?a, ge?nero, classe social e faixa eta?ria na?o revelam claramente as vulnerabilidades existentes e especi?ficas de cada grupo de sujeitos sociais, ja? que na?o considera as suas diferentes necessidades e interesses. Entretanto, o entrecruzamento de ana?lise desses marcadores sociais produz flagrante que demonstra o confinamento de determinados grupos de indivi?duos nos patamares inferiores da sociedade brasileira, designados aos negros, de forma geral, e a?s mulheres negras, em particular, revelando a arbitrariedade existente nas relac?o?es.
Portanto, cabe recorrer ao uso do me?todo de ana?lise da sociedade denominado interseccionalidade, que combinado com a perspectiva cri?tico-diale?tica de exame da realidade, evidencia a condic?a?o de discriminac?a?o e desigualdade socioecono?mica a que sa?o submetidas grande parte da populac?a?o brasileira de negros e pobres.
Nesse sentido, e? sabido que a categoria interseccionalidade na?o possui uma definic?a?o u?nica, estando seu entendimento ainda hoje em disputa e o seu uso bastante heteroge?neo. Para as autoras Patri?cia Hill Collins e Sirma Bilge (2020), a interseccionalidade não é um simples “somato?rio de opresso?es”, mas procede de uma ‘pra?xis-cri?tica” em que categorias como rac?a, ge?nero, sexualidade, capacidade fi?sica, status de cidadania, etnia, nacionalidade e faixa eta?ria que da?o forma a feno?menos e problemas sociais a partir dos quais diferentes tipos opresso?es sa?o experienciadas de forma distinta pelos sujeitos sociais.
Assim, e? possi?vel identificar como a experie?ncia do acolhimento institucional tem sido historicamente destinada a grupos de pessoas que conjugam caracteri?sticas especi?ficas, sobretudo quanto a? faixa eta?ria, rac?a e classe social.
Na?o e? de se estranhar que dados da atualidade demonstrem a perpetuac?a?o de um perfil de sujeitos sociais expostos ao acolhimento e suas fami?lias.
Embora, na contemporaneidade, o Estatuto da Juventude (2013, art. 17-I), garanta ao jovem respeito a? diversidade e a? igualdade de direitos e de oportunidades, na?o podendo ser discriminado por motivo de “etnia, rac?a, cor da pele, cultura, origem, idade e sexo”, entre outros, a realidade de uma maioria de jovens-mulheres-negras-pobres acolhidas no pai?s reforc?a o desafio de se pensar como esses marcadores sociais interagem e refletem nas condic?o?es sobre as quais as mulheres racializadas frequentemente sa?o posicionadas em situac?o?es de discriminac?a?o e desigualdade de oportunidades frente aos homens e outras mulheres, em diferentes aspectos.
Para ale?m dos aspectos ja? tratados, ha? uma multiplicidade de resultados delete?rios para as mulheres negras quando combinamos analiticamente os marcadores sociais ge?nero, rac?a e classe social, que passam por um destaque nos i?ndices de feminici?dios, estupros e crimes sexuais contra meninas e adolescentes negras, corpos negros como mercadoria, precarizac?a?o e subalternidade, exclusa?o do trabalho protegido, viole?ncia obste?trica, imposic?a?o de padra?o este?tico voltado para o embranquecimento, entre tantos outros.
Assim, urge aprofundar estudos sobre essa tema?tica e, para ale?m disso, dotar as jovens-mulheres-negras-pobres em fase de preparac?a?o para o desligamento das instituic?o?es de acolhimento acerca do conhecimento dessas particularidades que cercam seus corpos, compreendendo que a realidade social dessas jovens negras e? agravada ainda por violac?o?es anteriores que compo?em um histo?rico de desprotec?a?o social.
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Maro Lara Martins
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