“Sertão: estes seus vazios. O senhor vá, alguma coisa encontra”. Com este convite-alerta, Guimarães Rosa constitui em Grande Sertão: Veredas um mapa alegórico do qual o Brasil surge da memória e histórias contadas por Riobaldo. Por suas histórias, nos rastros de sua experiência, emerge o processo de modernização e da experiência política brasileira. Tomo aqui a personagem Diadorim como alegoria, para pensar os impasses e tensões da modernização brasileira e a formação social brasileira; e com isto, discutir as relações entre experiência, memória e história no âmbito de nossa formação social e política recente.
O trabalho de memória de Riobaldo não é um ato solitário de um demiurgo, tampouco a recordação intimista de uma perda. Rioblado está narrando o Brasil a partir da sua memória de Diadorim. Diadorim seria, então, um médium de reflexão de sua experiência. Diadorim é mais que uma lembrança, ou o acesso a esta narrativa. Diadorim é em si a possibilidade da partilha da experênica em dupla acepção de partilha: aquilo que aproxima e aquilo que distancia. Figura peculiar, como uma trânsfuga, uma miragem... uma neblina, como chama Riobaldo, Diadorim é fundamental nesta narrativa, não por foi personagem dos grandes atos de inauguração, mas justamente porque pelas Veredas do Sertão, constitui a possibilidade de se pensar e viver no Sertão.
Neblina e loucura. Em sua narrativa, trabalho da memória, Rioblado aproxima Diadorim da loucura, de um desassosego, relembra em tom de quase delírio as muitas situações partilhadas e em especial, os inícios partilhados. Figura iniciática, é com Diadorim que Riobaldo faz sua primeira travessia do Velho Chico; ouve o canto dos pássaros; atravessa o Liso do Susuarrão e lá encontra os seres desfigurados pela miséria no fundo do fundo Sertão. A desmedida – a experiência da loucura provocada pela neblina – é justamente porque o mundo se abre à possibilidades de intervenção, ao pensar seus sentidos e a legitimidade da experiência vivida, o “descanso na loucura” que a amizade-amor por Diadorim permitiu vislumbrar. O delírio encarnado em Diadorim, nesta perepectiva, é a forma de dar sentido à perda de sentido que o mundo significa tanto diante do novo, do “incomeçado”, quanto desta perda, deste atordoamento, deste ‘sem sentido’ em longa duração que muitas vezes é verbalizada na narrativa de Riobaldo, e tomada como imagem de incompletude da formação política brasileira.
Diadorim, rastro da subjetivação política dos “invisíveis”, das camadas populares no Brasil, revela a disputa dos sentidos da própria existência da comunidade política e dos sentidos de nossa formação. Abre assim a possibilidade de repensar as relaççoes entre história, experiência, memória e literatura. É esta vereda que buscamos trilhar neste texto.
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Maro Lara Martins
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