Dos raivosos incompreendidos
Dos que nasceram pra liberdade
Se pedir um feat, vai sair “fudido” (BACO EXU DO BLUES, 2018).
Para o Grupo de Trabalho: “Estabelecidos e outsiders do pensamento social brasileiro”, farei a apresentação de um dos capítulos da minha dissertação no qual os dados produzidos me levaram a explorar como o rap, um gênero musical de forte identidade com a juventude negra e periférica, não se limita apenas a essa categorização, mas pode ser também denominado como um movimento social juvenil estabelecendo um conjunto de valores que contesta as práticas racistas e preconceituosas da sociedade. Ou seja, estabelecidos como outsiders do pensamento social brasileiro.
Na realização dessa pesquisa, por meio de recortes executados nas músicas de três rappers (Baco Exu do Blues, Cristal e Djonga) sobre a temática de raça e racismo, foram efetuados diálogos em dinâmicas (Grupos Focais e Entrevistas Individuais), que revelaram como o rap se torna um verdadeiro parceiro, professor e conselheiro para jovens periféricos que se identificam com esse gênero em relação a uma prática antirracista. Através dos dados produzidos, cheguei na concepção de que o rap possui um posicionamento crítico da realidade e pode ser visto como um modo de existência, linguagem e, acima de tudo, produtor de conhecimento.
Me pautarei inicialmente em torno de uma fala produzida por um/a dos/as entrevistados/as ao externar que: “o rap serve como uma forma didática, [...] uma parada pra gente aprender! Então, eu pego a menção que o cara colocou a referência se é de um negro, se é de um texto, se é de uma parada que já aconteceu [...] e passo a refletir sobre a música”.
Experiências como essa destacada acima permitiram que o texto fosse construído a partir dos relatos dos sujeitos e de como são experienciadas as questões de raça e racismo em cada um/a dos/as participantes. Diante disso, observa-se que o rap se manifesta como uma identidade, uma forma de ser no dia a dia, que incorpora valores, experiências e perspectivas singulares através de sua decodificação ao reafirmar visões de mundo e posições políticas, dentro das quais os indivíduos desenvolvem sua práxis.
Sendo assim, através dos depoimentos e dos recortes musicais utilizados nas dinâmicas, destaco como rappers têm o papel de expor, criticar e se manifestar sobre as mazelas da sociedade, o que, de certo modo, os situam em um patamar de intelectuais, conforme apresentado por Edward Said (2005).
Nesse sentido, argumento que o gênero musical rap possui uma dimensão de conhecimento originada nas margens da sociedade. Ele se expressa como uma forma de (re)existência e linguagem que oferece uma voz poderosa e inspiradora para uma juventude cheia de esperança que busca romper as amarras impostas pelo sistema socioeconômico e cultural dominante.
No entanto, devido à sua origem negra e periférica, o rap enfrenta dificuldades em obter reconhecimento e aceitação por parte do status quo, culminando num verdadeiro epistemicídio que, no caso específico dos saberes de origem africana, Sueli Carneiro (2005) afirma que ele se configura pela negação aos negros da condição de sujeitos de conhecimento, por meio da desvalorização, negação ou ocultamento das contribuições do continente africano e da diáspora africana ao patrimônio cultural da humanidade. Desse modo, o conflito torna-se uma consequência inevitável para essa situação.
Portanto, a partir do retorno que obtive nas dinâmicas realizadas para a produção de dados, o propósito desse capítulo foi de demonstrar que rappers não apenas se dedicam à prática de seu gênero musical e conjunto de valores, mas também podem ser considerados/as intelectuais e produtores de conhecimento sobre o pensamento social brasileiro e de fortalecimento da negritude como uma poderosa ferramenta antirracista. Eles/as tornam-se porta-vozes que denunciam a dura realidade de uma população marginalizada e vulnerável diante das condições de vida que enfrentam. Desempenhando o papel de intelectuais, os/as rappers agem com base em princípios universais de justiça com uma responsabilidade ligada ao propósito de denunciar e combater corajosamente as problemáticas sociais do mundo. Por meio de sua arte e da cultura hip-hop na qual estão inseridos/as, eles/as abrem espaços para o protagonismo dos oprimidos que estão aprisionados em um sistema estruturalmente racista e preconceituoso, que mantém resquícios da colonização na contemporaneidade.
Comissão Organizadora
Maro Lara Martins
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