A Reificação em Honneth e a Interseccionalidade de Crenshaw: uma proposta de articulação teórica para os estudos sobre migração e refúgio.

  • Autor
  • Aline Chima Komino
  • Resumo
  •  

    No decorrer da história a sociedade presenciou (e ainda presencia) inúmeras situações de crueldade inexplicáveis. O que leva um ser humano a assassinar um outro ser humano a sangue frio? Como explicar esse aumento dos discursos de ódio que infelizmente cresceram nos últimos anos? Nos últimos anos também temos acompanhado a crise humanitária de pessoas em situação de deslocamento. Inúmeras pessoas arriscando suas vidas atravessando fronteiras e mares na esperança de ter condições melhores de vida. De acordo com a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), até o final do ano de 2022, constatou-se que em torno de 108,4 milhões de pessoas encontravam-se em situação de deslocamento forçado por conta de guerras, perseguições, violências e outras violações dos direitos humanos (ACNUR, 2023). Entretanto, a fuga infelizmente não é a única barreira que essas pessoas encontram, além do preconceito, muitas vezes, por estarem em uma situação de vulnerabilidade, acabam sendo exploradas pelo mercado de trabalho no país de destino, muitas vezes se estando em situações análogas à escravidão.

    Diversas áreas como a sociologia, antropologia, política social, administração, direito, geografia e outras, já procuram estudar sobre a temática do refúgio e da imigração na contemporaneidade, entretanto, este ensaio propõe uma articulação teórica para analisar o fenômeno da migração e do refúgio através dos estudos de Axel Honneth e de Kimberlé Crenshaw. Acredita-se que articular a teoria do reconhecimento e o resgate conceitual da reificação realizado por Honneth e os estudos interseccionais propiciam uma análise que abarca a complexidade do tema, observando-o com suas especificidades em um nível microssocial que considera as diferentes experiências e histórias que perpassam o refúgio e a migração.

    Aos olhos de Marx, o capitalismo criaria na sociedade relações impessoais, levando a um “fetichismo de mercadoria”, uma espécie de reificação, objetificação do ser humano, onde as relações seriam vistas de forma instrumentalizada. Entretanto, Honneth (2018) realiza uma reconceitualização do termo, tomando como princípio de que em uma sociedade imersa nesse processo, a reificação ultrapassaria as fronteiras da dimensão econômica e estaria presente em todas as formas de relações social (HONNETH, 2018). Não podemos negar que a lógica do mercado ainda é central nesse processo, entretanto, ela acaba se inserindo na estrutura da sociedade, de forma que a reificação se torna uma práxis habitual. Nesse processo de reificação é importante considerar o contexto em que ela se insere para compreender as nuances de cada práxis reificadora. Assim, a interseccionalidade se apresenta como uma abordagem que pode tornar a análise mais completa, contemplando toda sua complexidade ao tomar como consideração os eixos de opressão e as avenidas identitárias que perpassam o indivíduo.

    O termo interseccionalidade foi trabalho principalmente por Kimberlé Crenshaw para mostrar como as mulheres negras eram apagadas e invisibilizadas tanto no movimento feminista quanto no movimento negro. Crenshaw (1991) parte do princípio que a experiência da mulher negra se difere das outras por vivenciar uma intersecção dos eixos de opressão racial e de gênero “Because of their intersectional identity as both women and of color within discourses that are shaped to respond to one or the other, women of color are marginalized within both” CRENSHAW, 1991, p.1244). Crenshaw (1991) também considerou que os sujeitos sofrem múltiplos sistemas de subordinação, indo além da raça e do gênero. Para compreender melhor, a autora utiliza a metáfora de trânsito, com eixos de poder que são como avenidas que se entrecruzam e estruturam a sociedade, criando intersecções complexas.

    A análise é complexa, não se trata somente de uma hierarquização da opressão sofrida, não se trata de uma somatória, negra + mulher + trabalhadora + refugiada, por exemplo. A interseccionalidade busca analisar as condições estruturais que perpassam os corpos e compreender a matriz de opressão em que ele está inserido (AKOTIRENE, 2021). Defende-se que assim como a reificação pode mostrar como a subjetividade e a individualidade da pessoa refugiado ou migrante acaba sendo esquecida, a interseccionalidade traz essa análise que propicia uma análise que não homogeneíza as experiências, histórias e vivências de cada refugiado ou migrante.

    Destarte, este ensaio está estruturado da seguinte maneira: primeiro aprofunda-se os conceitos teóricos da reificação e da interseccionalidade; em seguida disserta-se sobre o refúgio e migração, apresentando também como a articulação teórica proposta pode aprofundar e contribuir com a discussão; por fim sugere-se pesquisas e estudos que podem ser conduzidos no Brasil.

     

  • Palavras-chave
  • reificação; interseccionalidade, refúgio, migração.
  • Área Temática
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