O conceito eugenia foi cunhado em finais do século XIX pelo antropólogo, matemático e estatístico inglês Francis Galton. Influenciado pela teoria da evolução, desenvolvida pelo seu primo Charles Darwin no livro A origem das espécies, publicado em 1859, Galton concebeu a eugenia enquanto “a ciência que lida com todas as influências que melhoram as qualidades inatas de uma raça; também aquelas que lhes desenvolvam ao máximo suas vantagens” (Galton, 1904: 82 – tradução livre). Tratava-se, nesse sentido, de uma ciência experimental, que visava ao aperfeiçoamento das raças através da seleção artificial. Em suma, a eugenia configurava-se enquanto o estudo dos fatores que, sob o controle genético e social, pudessem melhorar ou prejudicar as qualidades raciais das gerações futuras, tanto física quanto moral e mentalmente.
No Brasil, a eugenia também foi logo abraçada por médicos, políticos e intelectuais, que encontraram nela uma forma de entendimento para o “atraso” do país. Atrelada aos programas de saneamento e higienização dos espaços, dos corpos e das mentes dos indivíduos, a eugenia serviu como modelo de legitimação das políticas públicas de controle da população desenvolvidas no Brasil na Primeira República. Serviu não somente para um controle racial, mas também moral e social da população, como parte do projeto de construção e defesa da nacionalidade brasileira.
O médico paulista Renato Kehl foi, sem dúvidas, o principal difusor das ideias de Galton no Brasil. O esforço de Kehl no estudo e difusão das ideias de Galton no Brasil, começou em 1912, após o Primeiro Congresso de Eugenia que ocorreu na cidade de Londres. Seu interesse repousava sobre o problema do “melhoramento” das raças, afirmando que apenas uma política sanitária e eugênica, dirigida por especialistas no assunto, seria capaz de melhorar a situação econômica, política e social do país. Kehl pretendia sensibilizar médicos, políticos e intelectuais para a questão da regeneração da raça e do fortalecimento do nacionalismo e patriotismo brasileiro por meio da Eugenia. No início foi difícil obter a participação de um número considerável de pessoas interessadas nas doutrinas de Galton. A maioria dos médicos brasileiros, naquele tempo, nunca tinha ouvido falar da Eugenia, ou quando ouviam, julgavam funcionar bem no campo das ideias, mas de difícil aplicação na prática. Embora a doutrina galtoniana estivesse circulando com toda força em vários países europeus e nos Estados Unidos, até o ano de 1916, não surgiu nenhum trabalho significativo sobre o tema no Brasil. De acordo com Kehl A doutrina teria, talvez, sido mal compreendida e muito pouco do que se passava no estrangeiro se tornava conhecido, porque o maior esforço era feito em países onde se falava o inglês e o alemão.
No dia 13 de abril de 1917, Renato Kehl proferiu no salão da Associação Cristã de Moços de São Paulo, a primeira conferência sobre Eugenia no Brasil. Nesta conferência, publicada integralmente no Jornal do Commercio, edição de São Paulo, no dia 19 do mesmo mês, Kehl falou sobre a hereditariedade como fundamento da doutrina de Galton, discorrendo também sobre os fatores disgênicos das raças, bem como da doutrina populacional de Malthus. Ao final da conferência, ele fez um apelo aos estudiosos para a divulgação e prática das ideias e preceitos eugênicos no nosso país, para a melhoria progressiva da nacionalidade brasileira”. Depois dessa conferência Kehl buscou apoio para fundar uma associação eugênica na qual pudessem se juntar médicos, advogados e outros interessados no estudo e difusão de assunto.
Kehl sustentava que a imigração intensa e heterogênea, sem uma seleção e controle adequado dos imigrantes; a luta pela sobrivência em um mundo amplamente competitivo, o urbanismo e industrialismo embora tenham significado desenvolvimento e progresso para muitos países, também foi seguida, por outro lado, pela hipertrofia da economia, contribuindo para o desequilíbrio mental e moral da população, especialmente dos indivíduos que não conseguiram se adaptar às novas condições. Para ele o problema era a enorme quantidade de indivíduos não capazes de se adaptar às mudanças e transformações impostas pelo ritmo do capitalismo industrial. Desse modo, defende a criação de leis que buscassem coibir a procriação dos indivíduos julgados incapazes, incentivando, em contrapartida, a multiplicação daqueles considerados úteis para o aperfeiçoamento da sociedade.
Este trabalho tem como objetivo principal compreender o papel exercido por Renato Kehl na divulgação das ideias eugenistas no Brasil, através de uma análise cuidadosa dos seus textos, discursos e saberes sobre a temática. Além disso, buscará estabelecer relações entre as suas ideias eugenistas com o pensamento higienista e sanitarista tão em voga na época, bem como racismo científico sustentado por essas doutrinas pseudocientíficas.
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Maro Lara Martins
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