Em 1922, Afonso Henriques de Lima Barreto publica seu último romance, Clara dos Anjos, meses antes de seu falecimento. O romance narra uma história de sedução e abandono vivenciada por Clara dos Anjos, uma jovem mestiça de origem humilde. Descrita pelo autor como “uma natureza amorfa, pastosa, que precisava de mãos fortes que a modelassem e fixassem” (BARRETO, 2012, p. 100), a protagonista é alienada em relação à sua condição racial, cuja trajetória de vida é marcada pela exclusão social e racismo, problemáticas centrais em diversas obras de Lima Barreto. O objetivo do trabalho consiste em analisar no romance Clara dos Anjos a emergência de uma crítica à construção social branquitude como um marcador simbólico de distinção social diante das aspirações democráticas do Brasil na Primeira República. A hipótese apresentada é que se pode aferir uma originalidade e pioneirismo em Lima Barreto ao desvelar o racismo e ao problematizar a branquitude como uma ideologia, ou seja, como um constructo capaz de produzir ideias acerca da realidade social. A metodologia utilizada é a análise literária, realizada a partir da perspectiva empregada por Antônio Cândido, que consiste em demonstrar, de forma dialética, as particularidades da obra literária em que os elementos caracterizados como externos – os fatores sociais – tornam-se internos, ou seja, desempenham papel fundamental na estrutura narrativa, convertendo-se em expressão estética. Consoante a esta perspectiva adota-se também como referencial Sevsenko (1999) que vislumbra a literatura como missão e Bosi (1994) ao caracterizar a obra de Lima Barreto como romance social, em que as condições da vida particular do ator entrelaçam-se com a denúncia social presente em sua obra. Busca-se compreender a obra literária enquanto objeto de investigação sociológica sob dois aspectos indissociáveis: a literatura como um fenômeno social de produção, comercialização e consumo, como também, o referencial de uma época, que permite levantar reflexões acerca das contradições raciais e sociais do contexto histórico vivenciado por Lima Barreto. Por fim, pretende-se abordar a importância de analisar relações étnico-raciais como um fenômeno relacional, compreendido na sua esfera simbólica, atrelada a contextos sociais e políticos específicos.
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