Nos anos 2000 desenvolveu-se entre os movimentos feministas e o Estado um vasto processo de interação socioestatal que impulsionou a institucionalização das demandas das agendas feministas no Brasil. Estudos apontam que, desde a reabertura democrática até o Impeachment de 2016, houve um processo de mudanças no padrão de interação Estado-movimento. Por um lado, observou-se a estratégia de ação dos movimentos sociais brasileiros, que visando incidir sobre políticas públicas, passaram a atuar na burocracia estatal (via instituições participativas e ativismo institucional, dentre outros). Por outro lado, assistiu-se a abertura de canais de participação e transformação do processo de implantação de políticas públicas por parte do Estado. No entanto, este processo resta pouco teorizado, do ponto de vista das consequências políticas e biográficas nos movimentos feministas brasileiros, também são recentes as pesquisas que se debruçam sobre as políticas públicas do governo federal, e na relação entre essas instâncias estatais-participativas e os movimentos de mulheres e feministas.
Partindo de uma abordagem dos pontos de vista subjetivos, pretende-se trabalhar com a interpretação que as interlocutoras têm sobre a sua prática enquanto mulheres ativistas e gestoras no Estado com uma compreensão comparativa e interpretativa dos dados. Propõem-se como estratégia de pesquisa a utilização da metodologia qualitativa, e a combinação de duas fontes de dados: análise documental e análise de trajetória com entrevista semiestruturada com atrizes-chave. Neste plano metodológico as conclusões do estudo se basearão na triangulação dos dados das diversas fontes.
De acordo com o proposto por Banaszak (2005, 2010), o conceito de ativismo institucional (insider), permite analisar as intersecções entre Estado e movimentos sociais, e o papel que desempenham para influenciar as políticas públicas. Abers e Tatagiba (2014) numa análise sobre as feministas atuantes no Estado, engajadas no que elas chamam de “institutional activism” conseguiram olhar para que tipo de trabalho os ativistas institucionais fazem e que diferença faz com que esses atores estejam conectados a redes de movimentos sociais.
Um dos achados da minha própria pesquisa de mestrado, que analisou as interações socioestatais entre os movimentos feministas e a burocracia estadual no Espírito Santo no período de 2003 a 2016, foi que houve um contundente crescimento no processo de interação socioestatal, revelando avanços significativos em relação a implantação de políticas públicas para as mulheres e uma ampliação dos acessos ao Estado com potencial para influenciar na política. Outra contribuição importante foi observar que o ativismo institucional pode ser lido como um repertório de ação, e que as atrizes ativistas institucionais, atuaram fora e dentro do Estado, um trabalho caracterizado por restrições políticas e operacionais que envolveu uma grande quantidade de soluções criativas de problemas em torno de microquestões no dia-a-dia.
No entanto, as narrativas sobre frustrações são acompanhadas por afirmações que ajudaram a explicar por que essas mulheres continuaram investindo na burocracia como espaço de ativismo. Para muitas, o lado positivo se assenta no poder de intervir em políticas públicas em grande escala, para fazer a agenda de políticas para mulheres avançar, mesmo que não na velocidade ou intensidade que elas esperavam. A análise das trajetórias dessas ativistas evidenciou a profunda imbricação entre os movimentos e o Estado o que nos permitiu afirmar que não há como sustentar que sejam esferas absolutamente separadas ou dicotômicas.
Neste trabalho apresento como está a pesquisa de doutoramento em andamento, contendo as reflexões teóricas elaboradas sobre a contribuição da literatura de movimentos sociais e teoria feminista para investigar o processo de interação dinâmica e relacional entre movimentos sociais feministas e o Estado brasileiro no período de 2003 a 2016 e qual foi o papel das ativistas institucionais na implantação de políticas públicas para as mulheres em âmbito federal.
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Maro Lara Martins
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