“E eu não sou uma intelectual?”: trajetória e contribuições de Carolina Maria de Jesus à intelectualidade brasileira

  • Autor
  • Carla Maria dos Santos Silva
  • Resumo
  • Mulheres negras são um grupo importante na constituição histórica da sociedade brasileira, mas elas são, comumente, destinadas aos trabalhos braçais de menor remuneração (CARNEIRO, 2011). Esta é uma condição histórica ao considerarmos o processo de escravização em que mulheres negras africanas foram retiradas à força de seus territórios, sofreram processos sucessivos de desumanização de seus corpos, foram comercializadas e violadas com trabalhos compulsórios, castigos e abusos sexuais (DAVIS, 2016;1981). Formas de violência e subalternização são atualizadas no presente desse grupo social no pós-abolição, conforme Kabengele Munanga (2006) identifica em uma série de mecanismos que institucionalizaram a desigualdade racial na estrutura política de vários países, inclusive no Brasil, como as políticas segregacionistas e os genocídios na tentativa de extermínio da população negra.

    Na década de 1980, Lélia Gonzalez já analisava essa condição ao estudar a imagem da pessoa negra pelo senso comum construído por uma determinada lógica de dominação dos brancos, que tem como objetivo domesticar a população negra. Segundo a autora, pelo imaginário social dominante no Brasil, os negros estão na lata de lixo da sociedade, sendo uma lógica da dominação que passa pelo "papo do racismo" em que se concebe natural esta posição social inferiorizada, como o discurso da incapacidade intelectual, propagando perspectivas negativas sobre o ser negro, nos meios culturais de comunicação, como jornais, literatura e rádio (GONZALEZ, 1984).

    Com base nos estudos de Lélia Gonzalez e Sueli Carneiro, entendemos como o lugar social da mulher negra, não somente no imaginário social, mas também nas condições sociais de um projeto nacional, parecem atualizar uma lógica colonial e escravista no século XX e nos dias de hoje. Em se tratando de um corpo social destinado ao serviço braçal, pensar a intelectualidade da pessoa negra, e em específico da mulher negra, é praticamente incabível no imaginário social no final do séc. XIX e durante todo o séc. XX. 

    Entretanto, apesar deste projeto nacional, pessoas negras têm um legado de  contribuições literárias e intelectuais, ainda que haja um silenciamento de suas produções ou o enquadramento de suas obras na chave da exceção ou da novidade, em especial no caso da mulher negra como autora de literatura (MIRANDA, 2019). A artista e intelectual Carolina Maria de Jesus (1914 - 1977) é um exemplo, na segunda metade do século XX, de mulher negra de origem popular que, ao se alfabetizar, busca publicar seus poemas e textos reflexivos a fim de divulgar suas ideias, ser reconhecida como escritora e pensadora de sua época. Cabe destacar que as revistas e o jornal eram espaços de publicação literária (DANTAS, 2007), sendo, também, o lugar de divulgação e financiamento de uma escrita que não passou pelo letramento acadêmico.

    No entanto, o projeto de nação não parte dessas/es pensadoras/es negras/os circunscritos na imprensa e literatura, e sim de outros autores consagrados no campo intelectual brasileiro (BOURDIEU, 1983). Pois, ao ser desenvolvida nas disputas e consolidação de hierarquias, os agentes do campo intelectual em instituições de reconhecimento disputam como autoridade produtores legítimos de se pensar o Brasil (ARAUJO; ALVES;CRUZ, 2009). 

    Neste sentido, conforme aponta Miranda (2019), a mulher negra sempre esteve à margem do cânone por não espelhar o sujeito enunciador privilegiado na literatura brasileira (homem branco). Apesar da larga produção sobre suas experiências históricas e das reflexões críticas construídas por intelectuais negras, ainda é irrisório o interesse por seus escritos como uma tecnologia que elabora imaginários capazes de pensar os problemas sociais e contribuir com o campo intelectual.

     

    A pesquisa em andamento “E não sou eu uma intelectual? trajetória e contribuições de Carolina Maria de Jesus à intelectualidade brasileira” busca justamente tensionar a imagem social da mulher negra à margem do cânone e valorizar suas contribuições como intelectuais ao refletir sobre a trajetória e o processo de erudição de Carolina Maria de Jesus, a apropriação de seu trabalho por outros artistas e intelectuais negros e a sua inserção como objeto de pesquisas acadêmicas. Busca-se na mesa temática, então, apresentar parte da pesquisa focalizada na compilação e análise documental dos cadernos escritos pela artista e a relação dela com o Movimento Negro na segunda metade do século XX. Utilizando o conceito escrevivência desenvolvido pela doutora e crítica literária Conceição Evaristo como chave de leitura pretende-se em novos parâmetros de leitura documental considerar não apenas o conteúdo nos documentos, mas também a estética e os detalhes do processo de elaboração erudita e criativa da artista e as condições de produção, aspectos fundamentais para reconhecer suas interpretações do Brasil e intelectualidade.

  • Palavras-chave
  • Carolina Maria de Jesus, Escritora negra, Intelectual negra, Escrevivência, História Social
  • Área Temática
  • GT 13 - Pensamento Social Brasileiro e Historiografia: problemas, aproximações, possibilidades
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  • Pensamento Social Brasileiro
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