Desde a emancipação do Paraná com relação à São Paulo, em 1853, as elites locais se viram preocupadas com constantes tensões e disputas territoriais. Se, por um lado, os limites territoriais da Província do Paraná estavam respaldados na cartografia existente sobre a Província de São Paulo de períodos anteriores à emancipação, por outro lado, a ausência de uma cartografia própria causou sérias consequências.
Em virtude disso, no decorrer da segunda metade do século XIX, vários mapas e documentos foram criados com objetivo de definir os contornos das regiões que seriam parte do território paranaense. Os intelectuais locais participaram dessas tensões políticas elaborando essa documentação e criando narrativas capazes de legitimar suas argumentações, sustentando, assim, um segmento político já consolidado no Estado.
Um dos momentos em que essas disputas se tornaram mais protuberantes nos meios políticos e intelectuais do Paraná, conforme argumentou Szesz (1997), se deu entre as últimas décadas do século XIX e a primeira década do século XX.
Em meio a essas disputas, o Estado do Paraná organizou uma comissão de distintos responsáveis por defender juridicamente o território paranaense e suas fronteiras. Uma das estratégias amplamente utilizadas foi o emprego de intelectuais locais na produção de argumentos em prol da causa paranaense. Desta comissão, teve destaque o historiador Romário Martins, que produziu centenas de documentos, dezenas de mapas e uma série de textos sobre a história da formação do território paranaense, de forma a contestar as decisões da Justiça Federal a favor de Santa Catarina e a defender o Paraná por meio de sua história.
Recorrer ao passado e a uma memória social coletiva foi, portanto, a solução encontrada para defender que o Paraná tinha, assim como os demais estados da nação brasileira, fronteiras bem definidas e um passado glorioso de conquistas, com seus heróis locais, seus mitos fundadores e seus marcos históricos.
A questão de territórios se tornou central na produção de vários intelectuais do período. Pesquisas e publicações sobre a História do Paraná e suas regiões, a produção de mapas, análises cartográficas, listagem de rios, enfim, se tornaram recorrentes nas narrativas produzidas pelos paranaenses letrados.
Aqui, nos dedicamos a pensar a produção historiográfica de três personagens que tiveram destaque nas décadas iniciais do século XX. Indivíduos que se aproximaram, seja pelo método empregado em suas pesquisas, seja por questões conceituais, pela mobilização temática, por pensar a identidade paranaense ou pelo fato de terem agido na produção de narrativas históricas capazes de gerar uma coesão social a respeito das fronteiras paranaenses. São eles: Romário Martins (1874 - 1948), Ermelino de Leão (1871 - 1932) e David Carneiro (1904 - 1990).
O primeiro, considerado “pae da historiografia paranaense” por David Carneiro, foi um dos fundadores do Movimento Paranista e de algumas das principais instituições de fomento à pesquisa em história no Paraná, como o IHGPR e a APL, além de ter ocupado o cargo de diretor do Museu Paranaense por mais de duas décadas. Obteve notoriedade ao produzir o trabalho intitulado História do Paraná (1899), utilizado em larga escala nas argumentações para a resolução da questão de fronteiras com Santa Catarina.
Ermelino de Leão, seguindo o exemplo de Martins, produziu, em 1926, o Diccionário Histórico e Geográfico do Paraná, documento este que foi mobilizado para legitimar as fronteiras físicas do Estado. Dentre suas produções, esta teve particular êxito aos olhos dos paranaenses por corroborar as delimitações territoriais de Romário Martins por meio de documentações que remetem à conquista do território pelos portugueses.
Já David Carneiro, o mais novo dos três historiadores, produziu, em 1952, o livro História da história do Paraná, onde elencou aqueles que considerava serem os historiadores paranaenses do “período áureo da historiografia local”. Nesta obra, Carneiro colocou claramente os requisitos necessários para que se considerasse, em sua compreensão, quem era merecedor da alcunha de historiador paranaense.
Propomos, dessa forma, analisar as aproximações entre esses três intelectuais-historiadores, indagando sobre como se moveram nos ambientes intelectuais da capital paranaense, quais os encontros metodológicos, filosóficos e historiográficos em suas obras, como se relacionaram, enfim, de forma a culminar na elaboração de uma geração de historiadores, por parte de Carneiro. A partir disso, pretendemos caminhar no sentido de construir uma prosopografia desses intelectuais-historiadores, discorrendo e problematizando seus escritos a partir de três obras em específico - além de outras fontes auxiliares que se fizerem necessárias -. História do Paraná (1899), de Romário Martins, Diccionário histórico e geográfico do Paraná (1926), de Ermelino de Leão, e História da história do Paraná (1952), de David Carneiro.
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Maro Lara Martins
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