De acordo com Mintz (1964), após a abolição formal do tráfico de pessoas africanas por meio do Oceano Atlântico, as questões envolvendo esses povos são vistas como “resolvidas”, mesmo que elas não estivessem. Forma-se, no seio do pensamento sociológico estadunidense um mito de que o povo negro vivendo no chamado “Novo Mundo” não possuía um passado anterior ao processo de escravização. Assim, a contribuição do antropólogo judeu estadunidense Melville Jean Herskovits seria a de dissipar tal mito, o que ele fará a partir da ideia de sobrevivências, isto é, a partir da ideia de que utilizando uma espécie de régua seria possível indicar até que ponto os descendentes de pressoas escravizadas retiveram em seu comportamento aquilo que o autor chamará de africanismos. Desse modo, Herskovits pode ser entendido como aquele que recoloca a 'questão racial' no centro do debate acadêmico, a partir da construção de um conceito que mobilizou diversos intelectuais brasileiros, isto é, a ideia de sobrevivências ou retenções. Essa teorização de Herskovits teve grande circulação entre os intelectuais brasileiros, especialmente devido às correspondências trocadas entre ele e Arthur Ramos e também devido ao trabalho de Donald Pierson, que teve fecundo contato com Herskovits tanto na Universidade de Chicago, quanto na Universidade de Fisk.
Nossa questão de pesquisa consiste em compreender de qual maneira os intelectuais negros lidaram com essa noção de sobrevivência africana para explicar as experiências dos povos da diáspora. Para ensaiar respostas a esta questão abordaremos a produção sociológica de Alberto Guerreiro Ramos entre os anos de 1948 e 1955.
Nosso objetivo é compreender como Ramos recebeu o mencionado conceito, como o instrumentalizou e o tensionou em sua obra escrita enquanto militava no Teatro Experimental do Negro. Além disso, verificaremos em que medida Ramos conseguiu ir além do paradigma culturalista no qual o conceito de sobrevivências foi forjado.
Como método, utilizaremos a sociologia do conhecimento para compreender qual o lugar do conceito de sobrevivência na estrutura do pensamento de Guerreiro Ramos e quais as interconexões que esse conceito mantinha com o contexto histórico nacional e internacional. Assim, mostraremos como o conceito de sobrevivência adentra o pensamento de Guerreiro Ramos por meio dos trabalhos da Escola de Chicago, especialmente pela obra de Donald Pierson, “Pretos e brancos na Bahia” [1942]. Posteriormente, Ramos teve contato com as obras de Herskovits, que influenciaram sua maneira de compreender as relações raciais no Brasil. No entanto, no início dos anos 1950, devido à sua militância no TEN e a seu contato com a sociologia alemã, Ramos reposicionou seu pensamento em direção a uma sociologia histórica, alterando seu modo de compreender as relações raciais no Brasil.
Nossos resultados apontam que, num momento inicial, o conceito de sobrevivências foi instrumentalizado de maneira tensionada para Ramos pensar as relações raciais no Brasil, porém, posteriormente, essa categoria vai perdendo sua força explicativa em favor de novos conceitos criados por ele, por exemplo, negro-tema e negro-vida, construídos num momento de profundas transformações da realidade econômica e social brasileira.
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Maro Lara Martins
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