O artigo apresenta os contornos figuracionais do Supremo Tribunal Federal (STF), no período de 2018 a 2022, com destaque para as composições institucionais e os agentes políticos em disputa na reestruturação da democracia no Brasil, a partir dos marcos teóricos estabelecidos acerca de “figuração”, “estado de exceção”, “legitimação”, “performance”, “drama”, “trauma”, “judicialização” e “ativismo judicial”, em especial, por Agamben (2010; 2015; 2021), Alexander (2000; 2003; 2016), Elias (1956; 1993; 1994a; 1994b; 1995; 1997; 1998; 2000; 2001a; 2001b; 2006; 2008), Engelmann (2006; 2016; 2017), Fontainha et al. (2016; 2017), Kant de Lima (1995), Oliveira (2004; 2012), Vianna et al. (1999; 2014), Vieira (1993; 1994; 2008; 2018) e Weber (1999), dentre outros.
A primeira sessão do artigo traça um painel de interesse histórico, propedêutico para os fins da pesquisa de fundo na tese de doutorado, ao aprofundar a análise dos elementos que estabelecem os contornos institucionais e as práticas da ditadura brasileira, no período de 1964 a 1985, e a cristalização da violência na sociedade, em face dos mecanismos concernentes aos constructos de estado de exceção e de exceções permanentes, formulados por Giorgio Agamben (2015; 2021), com destaque para a discussão do papel do Exército brasileiro no cenário político, orientado à manutenção do status quo, numa clara perspectiva de tutela da sociedade civil e aparelhamento da burocracia estatal, na linha de Serra, Souza & Valério (2021, pp. 10-11).
A segunda sessão visa abordar os meios pelos quais o estado de exceção se instala e se imiscui no Estado de Direito, sobremaneira nos países de economia periférica, mas não somente, a fim de ocasionar a erosão dos regimes democráticos da contemporaneidade e sobredeterminar o crescente exercício da biopolítica nas sociedades (Agamben, 2010, p. 130).
A terceira sessão objetiva apresentar os aspectos normativos, culturais e informacionais que determinaram o êxito inicial da Operação Lava Jato, um emblemático caso jurídico que exacerbou os limites do lawfare (Martins; Martins & Valim, 2019), as ensejadas lutas por poder simbólico, o apoio do poder econômico aos agentes jurídico-políticos que a protagonizaram e os fenômenos desencadeados de moralização e de judicialização da política, cujas dinâmicas de interação social e correlação de poder se relacionam com marcos teóricos característicos da Sociologia Cultural e da Sociologia Política, como pânico moral, corrupção política, controle social e espetacularização da justiça, com apoio teórico de autores como Cohen (1972), Debord (1997), Garapon (1999), Moodie (1990), Rodriguez (2016) e Thompson (2002).
A partir da quarta sessão, até a conclusão do artigo, objetiva-se tratar da judicialização da vida social e política na contemporaneidade, com ênfase nas articulações entre Estado e democracia na América Latina e, em especial, na atuação do STF nas dinâmicas de judicialização da política, politização da justiça, bem como da juridicização e da criminalização da política, em meio às constantes alegações de ativismo judicial e falta de legitimação sociopolítica para as tomadas de decisão da Corte Suprema do Judiciário brasileiro.
A pesquisa é orientada pela preocupação de investigar as circunstâncias pelas quais, para além da delimitação do fenômeno da legitimação sociopolítica do STF e dos atores envolvidos, aspectos da insurgência de novas crenças, costumes, normas, códigos, discursos, ideologias, sistemas sociais e econômicos possam retroalimentar as dinâmicas de judicialização da vida social, ativismo judicial e potenciais disrupturas na democracia brasileira. Para se alcançar esse propósito, observa-se a recente politização de escândalos de corrupção política, as mobilizações do pânico moral, do controle social e da espetacularização da justiça, a partir da literatura de referência e de fontes de mídias profissionais e alternativas.
Na esteira da mobilização do método genealógico, a pesquisa busca situar as condições histórico-políticas de aparecimento dos fenômenos de interesse para a investigação, a fim de estabelecer a posteriori como se caracteriza a discursividade, consubstanciada materialmente em declarações, documentação em meios físicos e digitais, posicionamentos institucionais, entrevistas e demais fontes qualitativas.
As considerações finais apresentam as frequentes manifestações de disruptura nos processos democráticos das sociedades contemporâneas, além de problematizar a própria noção de “crise”, haja vista que os hodiernos sistemas políticos não mais operam sem os sobressaltos inerentes às contradições do modo de produção econômico neoliberal que os orienta, nem se permite ostentar uma coerência normativa intrínseca que obste a recorrência de exceções permanentes, as quais romperam o clássico paradigma dual que opunha Estado Democrático de Direito e estado de exceção.