Um outro liberalismo

  • Autor
  • Miguel de Jesús Pereira Filho
  • Co-autores
  • Rafael Augusto Monteiro Serra , Emanuelle Monteiro Torres
  • Resumo
  • O presente trabalho tem como objeto a proposição de um debate entre Alberto Pasqualini (1901-1960), Nestor Duarte (1902-1970) e José Guilherme Merquior (1941-1991), resgatando suas contribuições intelectuais acerca do liberalismo, especificamente a vertente do liberalismo social. Na literatura clássica sobre o liberalismo no Brasil predomina uma visão de que tal doutrina caracterizou-se por uma relação com o autoritarismo que transita entre a adesão instrumental; uma impossibilidade; ou um embate em torno do princípio da autoridade sufocante face a liberdade formal. Seja como for, não há entre os clássicos a consideração de que o liberalismo, enquanto conjunto mais ou menos organizado de ideias, tenha enfrentado de maneira direta a questão social. À vista disso, este trabalho busca contribuir para o debate, a saber, a relação entre o liberalismo e a questão social no Brasil, a partir da contribuição de Pasqualini, Duarte e Merquior. 

    Principal teórico do pensamento trabalhista brasileiro, Pasqualini foi uma figura importante dentro do PTB. Ele foi responsável pela orientação programática partidária e guiou a agenda de reformas entre 1945-1964. Com efeito, embora a relação com a doutrina liberal seja vista por seus comentadores como periférica, argumenta-se que o trabalhismo defendido por Pasqualini pode ser considerado como tributário do socialismo inglês, uma vertente do liberalismo gestado durante principalmente o séc. XIX. Conforme argumentam Clement Attlee e Harold Laski, o trabalhismo, enquanto doutrina, não nasce como uma oposição ao liberalismo inglês, mas sim o atualiza, reivindicando uma filiação eletiva. Isto posto, o trabalho considera a produção intelectual de Alberto Pasqualini inserida conceitualmente no liberalismo social, ainda que formalmente o autor considere-se como trabalhista, ou defensor do “socialismo”. 

    Nestor Duarte, embora pouco considerado pela literatura clássica para além da crítica privatista na sua interpretação do Brasil, apresenta, no conjunto de sua obra jurídica e política uma defesa da democracia pluralista que se exerce pela pedagogia da experiência democrática, num embate com as vertentes autoritárias ou elitistas do ensaísmo dos anos 1930. Autodeclarado reformista social, pode ser compreendido como expoente do liberalismo social, seja por influência do “individualismo moral” durkheimiano e do republicanismo solidário; seja pelo novo-liberalismo britânico. Há, nos escritos do autor, uma confluência com os debates ocidentais de fins do século XIX e início do XX, em busca de dirimir os reflexos negativos do desenvolvimento, sem, contudo, abrir mão da liberdade e dos direitos individuais. Na verdade, para Duarte, liberdade e democracia se promovem mutuamente e estão imbricados na construção cultural civilizatória que consagrou a igualdade na ordem jurídica e constitucional.  Assim é que Duarte concebe o Estado democrático-plural como indutor, pela coordenação moral e integração jurídica, da liberdade e da ordem numa comunidade política. Por isso, a democracia, que para ele é procedimental e processo da cultura, é incentivo pedagógico para ensejar a consolidação da República no Brasil. 

     

    Por fim, José Guilherme Merquior teve, entre suas preocupações no debate público nacional, clarificar a posição liberal moderna. Essa posição é expressa numa complexa relação de equilíbrio entre liberdades civis e direitos sociais intermediada pela política democrática. Visto o Brasil distante disso que Raymond Aron chamou de síntese liberal-democrática, o liberal brasileiro, na posição adotada por Merquior, além de procurar reformar o Estado para conter seu ímpeto centralista patrimonial e transformá-lo em efetivo Estado de Direito, não podia prescindir de ter entre suas prioridades a chamada questão social. Nesse sentido, a querela contra o suposto Estado forte brasileiro não poderia ser motivada por um antiestatismo sistemático já que imobilizaria o Estado como um dos principais instrumentos de criação efetiva de liberdades. Ao contrário, o combate liberal deveria ser dirigido ao suposto Estado fraco brasileiro - fraco por ter dificuldades de colocar a sociedade sob a universalidade da lei e fraco pela sua incapacidade de prover serviços sociais satisfatórios à população ainda pouco integrada socialmente. A consciência liberal no Brasil, segundo Merquior, devia ser a de um liberalismo social, dialética entre o liberalismo clássico e a crítica socialista, capaz de assegurar, mesmo que imperfeitamente, direitos e liberdades ao cidadão. O regime democrático que emergia no período só poderia fincar raízes se o liberalismo ultrapassasse seu minimalismo para com o Estado e deixasse de confiar quase que exclusivamente no jogo do mercado. O quietismo da lei e a inabilidade da economia de mercado enquanto distribuidora de riqueza dificilmente atenderia aos impulsos democratizantes de sociedades com exigências sociais integrativas como a brasileira.

  • Palavras-chave
  • liberalismo; reforma social; intelectuais; Merquior; Pasqualini; Nestor Duarte
  • Área Temática
  • GT 12 - Pensamento político brasileiro e atuação intelectual na transição dos séculos XIX e XX
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  • Grupos de Trabalho (GTs)
  • Pensamento Social Brasileiro
  • Intelectuais, Cultura e Democracia
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