Introdução. Este trabalho visa preencher uma lacuna sobre o tema de filantropia em arranjos científicos, em particular sobre a filantropia climática em arranjos tecnoeconômicos no Brasil. Aproximamos conceitos das Sociologias das Ciências e das Tecnologias (SCT), das Mudanças Climáticas e do Imaginário. Atualmente as produções das Ciências Sociais são incipientes em relação à questão das ciências e das tecnologias (David et al., 2022) e à questão climática (Salmi; Fleury, 2022) no Brasil. No que tange à questão de filantropia, o tema ainda é incipiente.
Questão e Objetivos: Ponto de partida: Como grupos econômicos e científicos constroem futuros climáticos imaginados a partir de arranjos tecnoeconômicos? Nosso objetivo geral foi a compreensão dos modos de construção de futuros imaginados coletivamente. Objetivos específicos: 1) Identificar os financiadores climáticos e as corporações de tecnologia digital; 2) Identificar os países de origem de ambos; 3) Compreender as relações entre as forças econômicas e científicas nesse tipo de arranjo. 4) Compreender os modos de construção de futuros climáticos imaginados.
Objeto empírico: O Programa AmazonFACE é um arranjo tecnocientífico localizado próximo à Manaus que visa compreender os efeitos do aumento deliberado dos gases de efeito estufa na Floresta Amazônica. Essa plataforma científica é composta por um conjunto de cientistas de diferentes campos disciplinares, entre eles, cientistas sociais. Em termos materiais, trata-se de um dos maiores laboratórios ao ar livre do planeta e conta com uma série infraestruturas como torres metálicas gigantescas e um conjunto diverso de instrumentação analógica e digital.
Estratégia metodológica. Foi realizado o levantamento (i) dos financiadores do Programa AmazonFACE entre 2014-2024; (ii) dos fornecedores de equipamentos (e.g. sensores de medição de velocidade e direção do vento, analisador de volumes de gás carbônico, medidor de umidade digital, anemômetro sônico tridimensional). Foram mobilizados a análise de redes sociais (ARS) (Espinoza, 2005; Wasserman; Faust, 1994) e a análise crítica de narrativa (ACN) (Salmi; Fleury; Dowbor, 2023). Partirmos do tipo ideal weberiano do filantropo climático e do agente artificial (Elliott, 2019, 2022). Foram utilizados como instrumentos: gephi e Graph Commons. Partimos de duas premissas: (1) a relação entre as dimensões epistêmica e econômica no âmbito das disputas políticas dos processos de significação das mudanças climáticas no âmbito da era da informação (Brulle, 2019; Costa, 2023; Rivoir, 2022) e (2) futuros imaginados como imaginários climáticos (Lockie, 2023; Milkoreit, 2017). Em relação à primeira premissa (1), entendemos a relação entre (i) o produzir conhecimento da ciência (por meio do entrelaçamento com a tecnologia digital, i.e., agente artificial, esse com agenciamento no arranjo tecnoeconômico) e (ii) o agir político-econômico das/nas políticas (de mudanças) climáticas se dá por meio de mediações e negociações entre os diferentes agentes humanos e não humanos. A segunda premissa (2) é que arranjos tecnoeconômicos são máquinas de produzir futuros climáticos imaginados.
Resultados e Discussão: A análise dos filantropos e empresas de tecnologia digital de ponta no Programa AmazonFACE apresentou 80 nós e 91 conexões. Nesse arranjo, há 26 corporações, 19 narrativas sobre futuros climáticos imaginados e 5 países (sede dos financiadores e das corporações). A partir da premissa de que o Programa AmazonFACE é uma máquina de (i) produzir futuros — nos termos da SCT (Rheinberger, 1992) e também de (ii) produzir futuros imaginados mediados coletivamente (Beckert; Suckert, 2021; Southerton; Halford, 2025; Urry, 2016), podemos compreender como os diferentes agentes, humanos e não humanos (digitais), mediam e estabelecem novas facetas desse imaginário tecnoeconômico por meio de práticas sociodigitais (Southerton; Halford, 2025), mas não só. Além dessas práticas sociodigitais, há práticas economicamente orientadas que possuem uma função social que é estruturante-estruturadora do arranjo tecnoeconômico (AmazonFACE).
A análise de redes e de narrativas revelou as conexões entre (1) os grupos economicamente dominantes (corporações e países exclusivamente do Norte global), (2) o produzir ciência (grupo brasileiro) e (3) o produzir futuros climáticos imaginados (arranjo). Os sociólogos Tavory e Eliasoph (Tavory; Eliasoph, 2013) argumentam que os futuros imaginados são construídos de modo coordenados quando se trata de arranjos sociais planejados, todavia, a rede analisada mostra o inverso. Desloca-se a função de construção de futuros alternativos (a pesquisa e os resultados do Programa em si). Não há a construção de futuros-outros. Há um reforço do imaginário vigente e dominante: regime capitalista neoliberal extrativista — nos termos do velho regime climático latouriano. A mobilização massiva de tecnologias digitais de ponta pelos cientistas do Programa reproduz a cadeia produtiva de geração de valor capitalista e do imaginário coletivo “sustentável” sob a égide de uma oligarquia do Norte global. Narrativas como “"We fast-track your digital innovations [...] at the intersection of climate and data" com uma "Science that makes an impact" para "delivering future carbon savings" pauta esse modo de construção de futuro imaginado. Avança-se em relação ao extrativismo informacional na América Latina (Artopoulos, 2020). Reforça-se a digitalização da vida (Altieri, 2022; Rivoir, 2022).
Considerações preliminares. A relação entre capital e emancipação social está longe de não ser controversa, porém este estudo sobre os arranjos tecnoeconômicos fomentados por uma filantropia climática, como observado no caso AmazonFACE, revelou que há a produção de futuros climáticos imaginados para além da digitalização da vida. Cabe ressaltar que a construção de futuros climáticos imaginados passa a ser operada por arranjos tecnoeconômicos, ainda hegemônico e ancorados em processos de digitalização da vida e de sentidos — um tipo de utopia digital. Todavia, ao fim e ao cabo, observamos que as novas formas de produção de imaginários climáticos aliada às novas práticas sociodigitais fomentadas por grupos científicos futuro-politicamente orientados tensionam o status quo do velho regime climático e o avanço hegemônico da tecnologia digital acima de todas as formas de vida. De modo paradoxal, trata-se, ao fim do dia, de combater a digitalização da vida por meio da apropriação tecnológica digital.
Referências
URRY, John. What is the future? Cambridge, UK; Malden, USA: Polity Press, 2016.
O 4º Seminário de Pensamento Social Brasileiro: intelectuais, cultura e democracia, organizado pelo NETSIB-UFES, será realizado entre os dias 2 e 6 de junho de 2025, no formato híbrido. A programação presencial será realizada nas dependências do CCHN-Centro de Ciências Humanas e Naturais da Universidade Federal do Espírito Santo, enquanto a programação virtual será transmitida pelas páginas oficiais do evento no YouTube e pela DoityPlay. Nesta edição contaremos com Conferência de Abertura, Grupos de Trabalho (modalidade virtual) e Conferência de Encerramento. Esperamos retomar o diálogo proposto nas edições anteriores do evento (1º SPSB, 2º SPSB e 3ºSPSB) que resultaram na publicação de livros oriundos das áreas temáticas presentes anteriormente (Coleção Pensamento Social Brasileiro-Volume 1 Volume 2 Volume 3 Volume 4), publicarmos novos livros oriundos desta edição do evento e que novas conexões possam ser criadas. Com esses sentimentos de alegria e reencontro, lhes desejamos boas-vindas!