Desde 1995, o Brasil tem incorporado em sua legislação eleitoral regras que procuram contornar a sub-representação de gênero. A política de cotas de mulheres em candidaturas e, mais recentemente, a inclusão da distribuição proporcional das verbas públicas de financiamento de campanha e do horário gratuito de propaganda eleitoral (HGPE) para as candidatas, são os principais mecanismos institucionais adotados no País.
A metodologia compreende revisão da literatura que aborda a temática e uma análise documental das decisões do TSE e do STF mencionadas e das ações do Congresso Nacional na aprovação das Emendas Constitucionais. Para tanto, utiliza-se a tipologia proposta por Ferraz Júnior (2008).
O autor distingue três diferentes estratégias, utilizadas de modo combinado, conforme o caso, com vistas a reverter no todo ou em parte uma decisão do judiciário em matéria eleitoral. A primeira delas é a reformadora, relativa à apresentação de ADIs, com a intenção de invalidar a decisão. A segunda é a estratégia judicial preventiva, correspondente à apresentação de consultas ao TSE com vistas a dirimir dúvidas relativas à extensão da decisão. A terceira é a refratária, que visa a produzir norma legal capaz de fixar nova interpretação à medida, divergente daquela estabelecida pelo Judiciário (FERRAZ JÚNIOR, 2008).
Tendo como norte esta tipologia, observa-se a atuação do Congresso Nacional após as decisões de 2018 do STF e do TSE. Na ocasião, o Supremo julgou a ADI nº 5.617, proposta pela Procuradoria-Geral da República (PGR), determinando que o montante do fundo partidário alocado para financiar as campanhas eleitorais deverá ser aplicado proporcionalmente ao número de mulheres candidatas (Brasil, STF, ADI nº 5.617/2018). Já o TSE, em resposta à Consulta nº. 0600252-18.2018.6.00.000, expôs sua posição sobre a necessidade de expandir a interpretação para abarcar também a obrigatoriedade da destinação de maneira proporcional dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, bem como do tempo no HGPE à participação feminina (Brasil. TSE, Consulta nº 0600252-18.2018.6.00.0000).
A resposta do Congresso Nacional veio com a Emenda Constitucional 117, de 2022, que incorporou à Constituição Federal os entendimentos estabelecidos pelos Tribunais (GRAEFF, LANDA, 2024). No entanto, essa incorporação veio acompanhada de uma anistia às irregularidades cometidas anteriormente. A EC determinou a absolvição da responsabilidade dos partidos políticos que não cumpriram as determinações dos Tribunais sobre a destinação proporcional dos recursos de financiamento público para campanhas de mulheres até a data da sua promulgação. Assim, a regra passaria a ser exigida apenas a partir das eleições de 2022.
Após o pleito de 2022 e frente à possibilidade efetiva de cobrança e responsabilização pelos termos aprovados na EC 117, o Congresso volta a se debruçar sobre o tema na PEC 9/2023. A Proposta previa em seu texto inicial a modificação do artigo 3º da EC 117/2022 propondo uma nova anistia aos partidos que descumpriram as cotas de gênero e raciais nas eleições de 2022 e nos anos anteriores, proibindo a aplicação de quaisquer sanções, sejam multas ou suspensão do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (BRASIL, PEC nº. 9, 2023).
Em resumo, tem-se o seguinte panorama temporal: primeiro, há uma atuação do STF e do TSE visando interpretar a norma e estabelecer os parâmetros relativos às cotas de gênero; em um segundo momento tem uma estratégia refratária do Congresso que aprova a EC 117/2022 estabelecendo que as regras relativas às cotas devessem ser aplicadas apenas a partir de 2022; terceiro, há as eleições de 2022 e o descumprimento das regras por inúmeros partidos políticos; quarto há uma nova ação do Congresso Nacional, visando modificar a EC 117/2022 para anistiar os partidos descumpridores da norma na PEC 9.
Entende-se que a PEC 9/2023 não se encaixa em nenhumas das três estratégias apresentadas por Ferraz Júnior (2008). Ela visa modificar, em última instância, legislação aprovada pelo próprio Congresso antes de o Judiciário julgar as possíveis irregularidades das eleições de 2022. Diante disso, propõe-se a criação de uma quarta categoria, que exemplifique outra possibilidade de atuação do legislativo visando barrar a ação dos Tribunais em matéria eleitoral antes mesmo deles se manifestarem, uma estratégia pré-incidental reformadora.
Importante evidenciar que na versão final do texto da PEC 9/2023 que foi aprovada e resultou na EC nº 133/2024 houve a supressão da parte que previa a anistia ao descumprimento das cotas de gênero. Contudo, as discussões da PEC demonstram a forte oposição à aplicação das regras que buscam inserir mulheres nestes espaços, culminando em constantes descumprimentos à previsão legal e em uma postura pró manutenção do status quo existente nos espaços de decisão política, visando à permanência de uma elite política majoritariamente masculina.
Observa-se, ao fim, primeiro uma estratégia refratária do Congresso frente à atuação do Judiciário ao aprovar a EC 117/2022 e depois uma estratégia pré-incidental reformadora, presente nas discussões da PEC 9/2023.
O 4º Seminário de Pensamento Social Brasileiro: intelectuais, cultura e democracia, organizado pelo NETSIB-UFES, será realizado entre os dias 2 e 6 de junho de 2025, no formato híbrido. A programação presencial será realizada nas dependências do CCHN-Centro de Ciências Humanas e Naturais da Universidade Federal do Espírito Santo, enquanto a programação virtual será transmitida pelas páginas oficiais do evento no YouTube e pela DoityPlay. Nesta edição contaremos com Conferência de Abertura, Grupos de Trabalho (modalidade virtual) e Conferência de Encerramento. Esperamos retomar o diálogo proposto nas edições anteriores do evento (1º SPSB, 2º SPSB e 3ºSPSB) que resultaram na publicação de livros oriundos das áreas temáticas presentes anteriormente (Coleção Pensamento Social Brasileiro-Volume 1 Volume 2 Volume 3 Volume 4), publicarmos novos livros oriundos desta edição do evento e que novas conexões possam ser criadas. Com esses sentimentos de alegria e reencontro, lhes desejamos boas-vindas!