Resumo
Este trabalho visa analisar como a interseccionalidade, pensada enquanto uma teoria social crítica, contribui em aspectos teóricos e práticos na produção de conhecimento, para além do ambiente acadêmico. Assim, trata-se de um viés que teve sua origem atrelada ao pensamento feminista negro, sobretudo no contexto dos Estados Unidos, numa tentativa de denunciar a ineficácia e insuficiência do movimento feminista convencional, baseado na experiência de mulheres brancas privilegiadas. Deste modo, o pensamento feminista negro e a interseccionalidade se relacionam, desde a concepção à nomeação desta vertente, evidenciando que a epistemologia feminista e social não se limita aos espaços oficiais de produção de conhecimento, pois há outras arenas, tais como os movimentos sociais, que contribuem para a formulação de teorias e práticas que visam compreender as relações e as estruturas de poder a elas relacionadas.
Deste modo, o trabalho utiliza como metodologia a revisão bibliográfica, analisando livros e artigos já produzidos sobre o tema, com o intuito de extrair conceitos e discussões argumentativas da temática apresentada, com o intuito de apresentar e enriquecer o debate, tendo em vista a impossibilidade de esgotá-lo em um único trabalho.
Assim, são utilizados como principais referenciais teóricos as obras de Patricia Hill Collins (2021, 2022) e Lélia Gonzalez (1988, 2020), visando analisar como se deu a concepção da interseccionalidade enquanto uma teoria social e sua ampliação no ambiente acadêmico, a qual foi acompanhada pela expansão do pensamento social, sobretudo pelo feminismo negro, destacando a necessidade de abarcar outras epistemologias além das hegemônicas e dominantes, que são insuficientes para compreender as diferentes realidades que perpassam os sujeitos.
Ao final, foi possível compreender que as universidades, pensadas enquanto espaços oficiais de produção de conhecimento, refletem discriminações observadas no meio social, ao perpetuar a hegemonia de correntes teóricas e epistemologias centradas no ocidente global, marcadas por um viés de análise que invisibiliza outras formas de organização em sociedade, assim como desconhece a interação de diferentes marcadores sociais da diferença. Deste modo, tendo em vista o contexto brasileiro, o viés interseccional se mostra imprescindível para a análise, ao reconhecer o atravessamento de diferentes eixos discriminatórios, os quais, consequentemente, acarretam em diferentes experiências de vida aos indivíduos (Akotirene, 2019). De igual modo, constatou-se que a interseccionalidade não se trata apenas de uma viés teórico, mas sim de uma sinergia entre investigação crítica e práxis (Collins, Bilge, 2021), uma vez que está necessariamente atrelada à busca e promoção de justiça social, pois, caso contrário, reproduziria as mesmas desigualdades que se propõe a denunciar.
Portanto, este trabalho contribui para as críticas em relação ao que é considerado como "canône" ou "tradicional" em relação ao pensamento social, evidenciando a necessidade de se pensar em noções que reconheceam a existência de diferentes realidades e à interação de eixos discriminatórios, sobretudo ao tratar-se do Brasil, marcado desde sua concepção pelos atravessamentos entre gênero, raça e classe.
Referências
Akotirene, Carla. O que é interseccionalidade? São Paulo: Ed. Letramento, 2019.
Collins, Patricia Hill.; Bilge, Sirma. Interseccionalidade. Tradução de Rane Souza. São Paulo: Boitempo, 2021.
Collins, Patricia Hill. Bem mais que ideias: a interseccionalidade como teoria social crítica. Tradução de Bruna Barros. São Paulo: Boitempo, 2022.
Crenshaw, Kimberlé. A interseccionalidade na discriminação de raça e gênero. IN: VV.AA. Cruzamento: raça e gênero. Brasília: Unifem, 2004. Disponível em: https://bit.ly/25YkehZ. Acesso em: 21 abr. 2025.
Crenshaw, Kimberlé. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Estudos Feministas. Ano 10 vol. 1, 2002. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/ref/v10n1/11636.pdf. Acesso em: 21 abr. 2025.
Gonzalez, Lélia. A categoria político-cultural de amefricanidade. Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, nº 92/93, p. 69-82, 1988.
Gonzalez, Lélia. Por um feminismo afrolatinoamericano. In: Rios, Flávia y Marcia Lima (Org.) (2020). Lélia Gonzalez. Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos. Rio de Janeiro: Zahar, 2020.
O 4º Seminário de Pensamento Social Brasileiro: intelectuais, cultura e democracia, organizado pelo NETSIB-UFES, será realizado entre os dias 2 e 6 de junho de 2025, no formato híbrido. A programação presencial será realizada nas dependências do CCHN-Centro de Ciências Humanas e Naturais da Universidade Federal do Espírito Santo, enquanto a programação virtual será transmitida pelas páginas oficiais do evento no YouTube e pela DoityPlay. Nesta edição contaremos com Conferência de Abertura, Grupos de Trabalho (modalidade virtual) e Conferência de Encerramento. Esperamos retomar o diálogo proposto nas edições anteriores do evento (1º SPSB, 2º SPSB e 3ºSPSB) que resultaram na publicação de livros oriundos das áreas temáticas presentes anteriormente (Coleção Pensamento Social Brasileiro-Volume 1 Volume 2 Volume 3 Volume 4), publicarmos novos livros oriundos desta edição do evento e que novas conexões possam ser criadas. Com esses sentimentos de alegria e reencontro, lhes desejamos boas-vindas!