Eleições municipais e coalizão de governo estadual: Serra (ES), 2004

  • Autor
  • André Ricardo Valle Vasco Pereira
  • Co-autores
  • Lorena Adria Silva Soares
  • Resumo
  • Este trabalho apresenta o resultado parcial de uma pesquisa em andamento sobre as eleições municipais de 2004 no estado do Espírito Santo. No caso específico, o recorte envolve o município da Serra, que faz parte da Região Metropolitana da Grande Vitória (RMGV).  A pesquisa é coordenada por André Ricardo Valle Vasco Pereira, em coautoria com a pesquisadora da Iniciação Científica, Lorena Adria Silva Soares.  

    O ponto de partida deriva da pesquisa de doutorado do coordenador (PEREIRA, 2014), intitulada Por Baixo dos Panos: Governadores e Assembleias no Brasil Contemporâneo  (https://repositorio.ufes.br/bitstream/10/1902/1/Livro%20digital_Por%20Baixo%20dos%20Panos.pdf), que abordou o  período de 1994 a 2002, incluindo um estudo específico sobre o Espírito Santo em um de seus capítulos. A sequência natural seria o mandato seguinte, que foi o primeiro de Paulo Hartung, eleito pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), iniciado em 2003 e concluído em 2006, com passagem posterior para o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Este esforço vem sendo desenvolvido nos últimos tempos.

    A base empírica utilizada consta de um arquivo pessoal constituído por cópias de matérias eletrônicas publicadas na imprensa capixaba, constituído por acessos diários aos jornais, que sofreram download. Posteriormente, as matérias foram reunidas em arquivos de texto na sequência temporal. Foram consultados os jornais A Gazeta, A Tribuna, Século Diário e Rede de Notícias. A leitura deste material vem sendo feita com o propósito de obter informações sobre o perfil dos atores relevantes, além de uma narrativa sobre as etapas do processo, que envolveu várias negociações, como será brevemente relatado adiante. O processo é devidamente acompanhado por uma análise do discurso dos atores (PEREIRA, 2015), tendo em vista a necessidade de os localizar no espectro político regional.

    O atual projeto de pesquisa do coordenador tem o objetivo de estudar a formação da coalizão de governo de Paulo Hartung no seu primeiro mandato. O fundamento teórico original deriva do conceito de presidencialismo de coalizão (ABRANCHES, 2018), em particular tendo em vista as especificidades estaduais (ABRÚCIO, 1998). Como parte de tal esforço, foram elaborados alguns textos. Um deles lidou com a relação da formação de governo e a questão da Reforma do Estado (PEREIRA et al., 2022), outro foi apresentado na edição anterior do Seminário de Pensamento Social Brasileiro, trazendo resultados mais próximos ao objeto de estudo (PEREIRA, GUIMARÃES, WELERSON, 2024), sem contar com outro produto, citado adiante, sobre a primeira eleição para a Mesa Diretora da Assembleia Legislativa do estado.

    Este trabalho procura se diferenciar do que é mais comum na literatura, pois a maior parte dos estudos sobre presidencialismo de coalizão se concentra no plano nacional. Neste sentido, eles costumam focar na relação entre Executivo e Legislativo. Quando são considerados os estados da Federação, a literatura busca seguir o mesmo padrão (MASSONETTO; MARIN; GARCIA, 2018). Porém, não basta levar apenas esta dinâmica em conta, pois os governadores precisam buscar recursos na União, de forma que são estimulados a formar acordos com os membros da bancada federal de seu estado no Congresso Nacional. Ao mesmo tempo, as eleições municipais, que ocorrem no meio de seus mandatos, também são relevantes, pois interferem nos interesses dos deputados estaduais, que tendem a estabelecer contatos próximos com prefeitos e vereadores. Ou seja, a coalizão de governo em um estado qualquer nunca se resume à formação de um bloco de Situação na Assembleia Legislativa e o controle de sua agenda por intermédio da negociação de cargos e verbas. Ela precisa ir além, tendo em vista tanto o plano federal quanto o dos municípios.

    Nos mandatos de Vitor Buaiz (1995/98) e de José Ignácio Ferreira (1999/2002), o desenho da coalizão assumiu um caráter específico, que recebeu, na tese de doutorado citada, o nome de “Partido da Mesa Diretora (PMD)”. Esta terminologia visa dar conta do aparecimento de um grupo informal no interior da Assembleia Legislativa do Espírito Santo que se autonomizou com relação ao Executivo. Ele usou os recursos internos do Parlamento e mediou o acesso dos legisladores ao governo, por meio do qual obteve cargos e verbas para os pares. Com este grau de liberdade, o PMD assumiu o controle da agenda legislativa, aprovando as matérias de interesse do Executivo, em troca do controle dos recursos, usados para manter a sua base unida na Casa de Leis. A liderança deste grupo, o deputado José Carlos Gratz (PFL), acabou sendo envolvido em acusações legais, que levaram à cassação de seu novo mandato para o período a ser iniciado em 2003. Todavia, vários de seus aliados foram reeleitos. Este grupo conseguiu, no início do mandato de Hartung ganhar o pleito para a Mesa Diretora do Parlamento, que acabou sendo suspenso pela Justiça. Assim, o governador teve condições de iniciar um processo de desmonte deste centro de poder e assumir o controle sobre o processo de distribuição de recursos na barganha com os deputados. Este evento foi estudado em um artigo (PEREIRA,  2023).

    Conforme observado, então, Hartung foi elaborando um novo padrão de relacionamento com a Assembleia, ao mesmo tempo em que buscou alianças com a bancada federal, com os prefeitos e outros atores. No entendimento de Marta Zorzal e Silva: 

    “Ao assumir a direção política do Espírito Santo, em 2003, Paulo Hartung encontrou a organizações do Estado, o corpo gerencial e administrativo e as instituições políticas   profundamente esgarçadas e deterioradas.

    […]

    Sabedor dos desafios que tinha pela frente, além dos acordos e das alianças que   viabilizaram sua eleição, Paulo Hartung tratou, desde antes de sua posse, de compor uma coalizão capaz de garantir poder de agenda e de controle sobre o processo legislativo na Assembleia, então hiperfragmentada. Além disso, fortaleceu as relações com seguidores e aliados.

    […]

    No âmbito mais geral das relações com o mercado e a sociedade, além de estabelecer um plano de saneamento das finanças públicas – o que acabou sendo facilitado via negociação com o Governo Federal em torno do adiantamento dos royalties do petróleo –, costurou ampla rede de apoios com os mais diversos segmentos” (SILVA, 2010, p. 54-55).

    O trecho demonstra que a situação administrativa era grave. Havia não só a necessidade de um controle sobre a agenda do Legislativo como implantar negociações delicadas com o governo federal, para as quais foi importante o diálogo com o PT, que havia eleito o Presidente da República e com a bancada federal. Vários atores foram incorporados no que foi visto como um “esforço de reconstrução”, mas que pode ser entendido como uma ótica estendida de coalizão. É este o sentido que está sendo buscado aqui.

    O primeiro mandato revelou uma dinâmica própria, que tinha a ver com as tarefas de governo diante da herança recebida, com “um passivo a descoberto de R$ 1,6 bilhão” (AEQUUS, 2010, p. 30) em 2002, mas também do redesenho da coalizão na Assembleia e no sentido mais amplo, que passou pela eleição de 2004. Segundo Rodrigo Rocha: “Com o período eleitoral em aberto para as eleições municipais, Hartung decide se desligar do [seu] partido como uma estratégia de se manter neutro nas disputas locais e não se indispor com eventuais candidatos derrotados” (ROCHA, 2015, p. 46). O problema era o de entender por que seria necessário se “manter neutro”. O problema está na natureza do enlace entre a elite política local e seu eleitorado.

    O eleitorado das cidades capixabas tomadas individualmente não é capaz de decidir um pleito para o governo do Estado. Em cada município ou microrregião tendem a existir grupos oligárquicos que disputam o poder local e demandam Transferências Concentradas de Recursos (TCR) invés de Transferências Difusas de Recursos (TDR) ou políticas em geral, por meio de mecanismos de Regulação Difusa (RD) ou Concentrada (RC) (SANTOS, 1995). Por esta razão, os deputados estaduais buscam ocupar o papel de mediadores entre o poder local e o governo do Estado. Tendo em vista a alta dependência do poder local com relação a tais TCRs, há uma tendência dos parlamentares em demandarem este tipo de ação pública. Um exemplo de TCR está em qualquer obra que atenda a um eleitorado circunscrito, como o asfaltamento de certa rua, a construção de uma ponte, de um posto de saúde, de uma escola, etc. Na fase de prevalência do PMD, este buscava garantir meios aos deputados de forma a atender suas bases. Com sua dissolução, o Executivo buscou assumir tal posição, mas a recomposição da capacidade orçamentária estadual foi lenta, de forma que a capacidade de Hartung em arbitrar a disputa pelo poder nos municípios, neste momento, estava bastante reduzida. Mais ainda, o quadro apresentado acima, dependendo do local, podia ser mais complexo.

    Robert Dahl (2005) oferece elementos para pensar a existência de oligarquias, que se diferenciam pouco em termos programáticos, de execução de políticas públicas, mas que operam como grupos que alimentam relações de clientela com seu eleitorado, principalmente por meio de TCRs. Para o autor, em uma ordem poliárquica, por sua vez, a Sociedade possui maior capacidade de auto-organização e de pressão sobre os representantes, demandando políticas. A área mais urbanizada do Espírito Santo é a Região Metropolitana da Grande Vitória (RMGV). Nela, se destacam 4 cidades, que formam o seu núcleo: Vitória, Vila Velha, Serra e Cariacica. No sentido do que está sendo dito aqui, elas possuem lógicas próprias. A suposta neutralidade de Hartung em 2004 tem a ver com a dinâmica do conflito nas cidades, com a forma como ele impactava nas bancadas federal e estadual e no que os resultados significariam para um novo equilíbrio político a ser considerado após o pleito. No caso de Serra, Sérgio Vidigal era o prefeito, liderança do Partido Democrático Trabalhista (PDT) e um evangélico progressista que seguia uma linha de centro-esquerda. Hartung tentou atraí-lo para seu governo, tendo por resposta sua recusa. Havia uma aliança entre Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), o PDT e com o Partido Liberal (PL), do então senador Magno Malta, que também era evangélico, o que o aproximava de Vidigal. Vidigal decidiu-se por lançar um técnico, Audifax Barcelos, com o intuito de continuar tendo o controle do município de Serra e se candidatar a governador em 2006.  Neste sentido, conseguiu atrair diversas lideranças. Esse bloco, por fim, fechou com o Partido dos Trabalhadores (PT) de Vitória, que havia lançado João Coser naquela cidade. Com base neste acordo, o PDT desistiu de apresentar o deputado estadual José Esmeraldo em Vitória e o PT desistiu da indicação da deputada estadual Brice Bragato na Serra.

    Para entender melhor esta complexidade, o trabalho a ser apresentado no evento propõe, justamente, a aprofundar este conhecimento sobre uma das cidades da RMGV (MATTOS, 2011). Das 4 citadas, Serra era uma das mais empobrecidas (SIQUEIRA, 2010), com voto mais conservador, demandantes de TCRs e com várias lideranças políticas de corte evangélico, que prestavam serviços aos seus eleitores. A cidade apresentava uma dinâmica própria que combinava uma liderança principal comprometida com políticas (lógica poliárquica) com aspectos de oligarquia competitiva nas bases eleitorais. Quando se analisa a votação dos 30 deputados estaduais eleitos em 2002 com base nos sufrágios que receberam pelos municípios, em ordem decrescente e se reúne apenas os locais que, somados, deram 50% +1 dos votos pessoais de cada um, o que se obtém é a chamada base eleitoral (critério retirado de PEREIRA, 2014). Abaixo, estão os parlamentares que tiveram a Serra como parte de sua base:

     

    N

    Nome

    Partido

    %

    1

    Sueli Rangel Silva Vidigal

    PDT

    88,38

    2

    Luiz Carlos Moreira

    PMDB

    52,30

    3

    Gilson Gomes

    PFL

    38,93

    4

    Edson Vargas Barbosa

    PMN

    Palavras-chave
  • Eleições Municipais; Coalizão de Governo; Serra (ES)
  • Área Temática
  • GT3 - Elites, poder e instituições democráticas
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    O 4º Seminário de Pensamento Social Brasileiro: intelectuais, cultura e democracia, organizado pelo NETSIB-UFES, será realizado entre os dias 2 e 6 de junho de 2025, no formato híbrido. A programação presencial será realizada nas dependências do CCHN-Centro de Ciências Humanas e Naturais da Universidade Federal do Espírito Santo, enquanto a programação virtual será transmitida pelas páginas oficiais do evento no YouTube e pela DoityPlay. Nesta edição contaremos com Conferência de Abertura, Grupos de Trabalho (modalidade virtual) e Conferência de Encerramento. Esperamos retomar o diálogo proposto nas edições anteriores do evento (1º SPSB2º SPSB e 3ºSPSB) que resultaram na publicação de livros oriundos das áreas temáticas presentes anteriormente (Coleção Pensamento Social Brasileiro-Volume 1 Volume 2 Volume 3 Volume 4), publicarmos novos livros oriundos desta edição do evento e que novas conexões possam ser criadas. Com esses sentimentos de alegria e reencontro, lhes desejamos boas-vindas!

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