Este texto discute a produção social da ciência de modo geral (Chalmers, 1993; Fourez, 1995; Moura, 2014) e, em particular, das Ciências Sociais (Bhambra, 2014; Connell, 2012; Grofoguel, 2009; Guimãraes; Campo; Gato, 2024; Pereira, 2024) – que é atravessada por disputas epistemológicas, políticas e raciais. Nesse sentido, busca traçar uma reflexão sobre essas dinâmicas, articulando-as ao campo da divulgação científica (Baumgarten, 2011, 2011b; Fabrício; Pezzo; Oliveira, 2021; Massola; Crochik; Svartman, 2015), sobretudo em suas potencialidades antirracistas. Para tanto, coloca o “Projeto Querino” no centro da encruza, argumentando que não se trata ‘apenas’ de um produto comunicacional premiado, mas de uma tecnologia preta de memória e de disputa epistemológica.
Diante disso, propomos uma análise do Projeto Querino (podcast, série de reportagens e livro recém-lançado) a partir do modelo interpretativo do ‘Atlântico Negro’ de Paul Gilroy (2017). Esse modelo interpretativo tensiona as perspectivas da modernidade iluminista, que divide o cultural e o político, e que, para Gilroy (2017), não há dissociação entre cultura e política, estética e ética, uma vez que, segundo o autor, essas dimensões não estão separadas no interior do pensamento e da produção teórica e cultural do/no Atlântico Negro.
O sociólogo parte de uma estrutura de pensamento rizomática e propõe um modelo interpretativo sobre a teoria social e sobre a produção cultural negra em conjunto. Assim, compreende e analisa a coexistência entre poiésis e poética. Para Paul Gilroy (2017), as ações culturais são interferências políticas, e o Atlântico Negro uma unidade de análise complexa, ligada a uma perspectiva transnacional e intercultural da diáspora africana.
Ampliando a gira, trazemos também a embocadura teórica do projeto político, epistemológico e ético da Pedagogia das Encruzilhadas (Rufino, 2019a, 2019b) e discutimos as condições sociais que influenciam a construção dos conteúdos do “Projeto Querino” e o campo de plausibilidade (Weber, 2004) tanto para a produção como da aceitação como ‘produto de sucesso’.
A pesquisa aponta que atravessamos um novo momento de disputa nas/das gramáticas das relações étnico-raciais no Brasil, envolvendo as políticas de ações afirmativas, reparação histórica e reposicionamentos de cânones no pensamento social. Neste contexto, o Projeto Querino é compreendido como elemento que compõe o alargamento das fissuras do pensamento social e do giro epistemológico. Isto porque tensiona o monopólio da memória hegemônica (branca) e confronta as formas tradicionais de narrar o Brasil, podendo ser escutado e lido como uma expressão de uma pedagogia negra das/para as mídias.
Essa pedagogia não se reduz à representação negra midiática valorizada (que, por si só, já é muito), mas se desdobra em apontar as agências criativas negras (Silvério, 2022), tece disputas epistemológicas e constrói contra-arquivos que desestabilizam o cânone e reconfiguram as possibilidades de produção e circulação do saber/poder.
A construção argumentativa deste artigo está organizada em partes: inicialmente, apresenta uma discussão sobre as condições sociais que influenciam os processos de produção científica e das teorias sociais; em seguida, traz como argumento paralelo os desafios da divulgação do conhecimento científico, especialmente aquele racialmente informado; e, por fim, apresenta a reflexão sobre o Projeto Querino – que, após ser analisado a partir do modelo interpretativo de Gilroy (2017) e Rufino (2019a, 2019b) – classificamos como uma tecnologia preta.
Produção Social da Ciência e a questão racial
A inteligibilidade do e sobre o mundo (tudo que o forma e como se forma) se dá a partir de estruturas de pensamento e na sociedade contemporânea a estrutura hegemônica de pensamento é a científica. No processo de tornar-se hegemônica, essa estrutura de pensamento teceu sobre si ‘verdades’ que foram sendo produzidas pelo e no discurso. O discurso científico se vale de premissas da objetividade e do método a fim de legitimar-se e, assim, construiu ‘os regimes e os efeitos de verdade’ (Foucault, 1998, 2012)[1], os quais possuem materialidades concretas no mundo empírico.
Embora seja uma estrutura de pensamento/uma interpretação, o discurso científico contribuiu e contribui de forma significativa com a organização do mundo, (in)formando as estruturas de poder. Isto porque,
A adaptação de nossos modos de conhecimento à estrutura da ciência moderna não é percebida como uma possibilidade deixada à livre escolha; ela é pelo contrário apresentada como uma necessidade concreta, caso se queira manter o seu lugar na sociedade. Felicitar-se pelos benefícios vindos desse espírito científico seria enganar-se, e não perceber que o que é pedido é uma adaptação a um modo particular de conhecer imposto pelo sistema do saber científico e o abandono de outras maneiras de saber. (Fourez, 1995, p. 220, grifos nossos).
O abandono de outras maneiras de saber, ‘adaptação’ a modos específicos de produção de conhecimento e os discursos científicos, seguem blindando-se a partir da ‘autoridade’ requerida por ‘falar’ a partir do método científico. Todavia, um olhar epistêmico e/ou sociológico para a os processos de produção da ciência é possível entender que o simples fato de “[...] observar é fornecer-se um modelo teórico daquilo que se vê, utilizando as representações teóricas de que se dispunha.” (Merleau-Ponty, 1945 apud Fourez, 1995, p. 42)[2].
Isto porque, os processos de ‘observação’ e até mesmo a construção de um ‘objeto de análise/pesquisa’ passa impreterivelmente por um conjunto sociocultural, econômico e acúmulo histórico de modelos teóricos precedentes. Como traz-nos Max Weber (1997), todo o processo de tomada de decisão na produção científica é orientado pelo momento social no qual se encontra quem pesquisa. Acrescento que, além do momento, há que se levar em conta quem está produzindo e entender que os sujeitos que produzem ciência também são atravessados por outras estruturas, como os marcadores sociais da diferença e da desigualdade. Ou seja, a construção dos saberes é corporificada (Haraway, 2009)[3]
Assim sendo e corroborando com as propostas da Filosofia e Sociologia da Ciência, esse texto (re)afirma que a ciência é uma produção social e os discursos científicos constroem a realidade (Berger; Luckmann, 2004; Chalmers, 1993; Chibeni, 2004; Fourez, 1995; Moura, 2014). As práticas de produção de ciência e de tecnologia se dão de forma multifacetada, em relação com a sociedade e é atravessada por questões que a estruturam, tais como: gênero, raça, classe, geolocalização etc. (Collins; Bilge, 2020; Holanda, 2019, 2020; Keller, 1996; Louro, 1997, Schienbinger, 2001)[4].
A produção das ciências modernas traz em seu bojo os processos de domínio do “Outro” e promove epistemicídios[5]. O surgimento da Sociologia, por exemplo, se deu dentro de um contexto que herda do Iluminismo as bases para as políticas de igualdade, todavia hierarquizou alguns sujeitos como mais humanos que outros, fixando e subalternizando alguns no conceito de raça.
A história da Sociologia informa-nos que, em seu momento fundacional, há transformações da sociedade europeia e um grupo pequeno de “autores brilhantes” teceu grandes narrativas disciplinares definidoras (Conell, 2012). Transformações que ocorreram na Europa do século XIX são narradas dentro do enquadramento do conceito de modernidade, termo transversal aos textos ‘clássicos’ da Sociologia, os quais trazem duas questões intrínsecas: ruptura e diferença. De modo que,
[...] uma ruptura temporal entre um passado pré-moderno e um presente industrial moderno, e por uma diferenciação espacial qualitativa (cultural) entre a Europa (e o Ocidente) e o resto do mundo. Visto que a sociologia foi constituída no contexto do surgimento do mundo moderno e organizada em termos de propiciar uma explicação moderna daquele mundo, não é de se surpreender que a sociologia passou a ser fortemente associada aos entendimentos sobre o que é ‘moderno’. (Bhambra, 2014, p. 134, grifos meus).
Dessa forma, a pauta sobre o moderno é uma discussão sobre a Europa. Uma vez que, os autores ‘clássicos’ creem que é nesse espaço que surge a modernidade, economicamente pela Revolução Industrial e ideologicamente com a Revolução Francesa e o Iluminismo, mas, essa discussão não aborda, por exemplo, que o algodão e os conhecimentos para ‘lidar’ com o algodão – que permitiu o desenvolvimento da indústria têxtil na Inglaterra – veio da Índia e também silenciam as bases epistêmicas e políticas da Revolução Haitiana (1791-1804) que é uma ideia ‘irmã’ da Revolução Francesa (Trouillot, 2015).
Vale destacar que com a estratégia de narrar a modernidade em ruptura com o passado do colonialismo muda-se também a perspectiva de humanizar os ‘não-humanos’, ou seja, sujeitos que estavam na ‘zona do não ser’ (Fanon, 2008), como as pessoas negras, as quais passam a ser compreendidas dentro da abrangente tessitura da diferença a partir dos conceitos de raça, nação e etnicidade (Hall, 2017)[6]. Assim, transmuta-se a discussão para a esfera da cultura. Isto porque a “[...] sociologia deslocou o poder imperial sobre os colonizados dentro de um espaço abstrato da diferença. O método comparativo e a grande etnografia apagaram a verdadeira prática do colonialismo do mundo intelectual construído em proveito do Império”. (Conell, 2012, p. 323).
Raewyn Connel acrescenta ainda que
[...] os assuntos tratados pela nova disciplina são reveladores. Uma ciência social baseada em relações sociais do império certamente se relaciona com raça e uma ciência social preocupada com o progresso evolutivo e hierarquias de populações certamente se relaciona com gênero e sexualidade. (Conell, 2012, p. 317).
Nesse ‘desencantamento do mundo’, sujeitos foram transformados em um ‘Outro’. Esse ‘Outro’ era tomado como ‘objeto’ sobre o qual se produziu ciência e discursos. Pessoas negras, mulheres, pessoas com deficiência, povos originários e todos aqueles(as) que não eram homens, brancos/europeus, heterossexuais etc., estavam mais passíveis de serem estudados (objetos de estudo) do que estudarem, serem sujeitos produtores/as do conhecimento. Afinal, trata-se de uma ciência produzida no bojo de uma sociedade preocupada com o ‘progresso evolutivo’ e a ‘hierarquização de populações’.
Disputando a narrativa científica W. E. B Du Bois (1999) fala que a questão central do século XX é a ‘Linha de cor’. A color line, anunciada por Du Bois (1999), é uma estrutura global que estratifica e hierarquiza socialmente por meio dos usos políticos e sociológicos da categoria “raça”.
Esses usos contribuíram com a construção dos impérios ocidentais e na manutenção do colonialismo e da colonialidade (Quijano, 2010)[7]. No discurso científico, as pessoas negras estavam do outro lado da ‘Linha de cor’ (Du Bois, 1999) e na ‘zona do não ser’ (Fanon, 2008) e eram apreendidas e fixadas, em um primeiro momento como não humanos, depois como ‘menos humanos’ e todo esse processo de racialização estabeleceu protocolos para relações sociais. Essas classificações que estratificaram racialmente as sociedades geraram consequências materiais e simbólicas no mundo empírico, tais como econômicas, políticas, culturais e subjetivas. Nos termos de Silvério (2013), os processos de racialização converte elementos tangíveis, como características físicas, em conceitos ideológicos e simbólicos que moldam e sustentam as separações raciais na sociedade.
Arrematando, esse subtítulo trouxe as premissas de que: a) a ciência é socialmente produzida a partir da sociedade que a produz, logo está envolta das estruturas sociais de poder; b) as elaborações teóricas possuem um histórico social interno à produção científica e se vale de representações epistêmicas que já existiam para produzir outras; c) há também as relações externas, tais como questões políticas, culturais, econômicas etc., e isso informa o processo e as lógicas internas de produção de ciência, bem como as possibilidades de aceitação/rejeição do modelo teórico. Isto é, além do modelo que foi produzido tem-se d) quem propõem a teoria, a instituição a qual esse(a) sujeito está ligado(a/e), quais cargos ocupa nessa instituição e as relações sociais que esse(a) sujeito que produziu possui na e com a comunidade acadêmica.
À população negra, por muitos séculos, coube o lugar de ‘objeto’ de pesquisa devido à escravidão, colonialismo/colonialidade e suas consequências (“efeitos de verdade”), mas, uma nova gramática social está sendo escrita para relações étnico-raciais. Nesta pesquisa, pensamos essas mudanças, no Brasil, a partir do conjunto de marcos legais, como a obrigatoriedade do ensino da história e cultura africana e afro-brasileira e indígena (Brasil, 2003a, 2008), a criação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Brasil, 2003b) e de um Estatuto da Igualdade Racial (2010), as possibilidades de formação de quadros de intelectuais negros(as/es) (com inserção e permanência de estudantes pobres e negros/as/es nas universidades e institutos federais) a partir da ‘Lei de Cotas’ (Brasil, 2012, 2023). Esses marcos legais institucionalizam[8] e subsidiam a construção de uma nova gramática para as relações étnico-raciais (que ainda está em curso e em disputa).
Nesta nova gramática, pessoas negras, quilombolas e indígenas não apenas são ‘objeto’ da pesquisa científica, mas passam a disputar as narrativas e a produção de conhecimento científico, como é o caso do “Projeto Querino”. Antes de adentrar a discussão do “Projeto” abordamos alguns pontos sobre a Divulgação Científica no próximo subtítulo.
Divulgação Científica: conceitos e horizontes
Para pensar a Divulgação Científica, propomos um olhar (modelo teórico) boudiesiano que a situa em uma zona fronteiriça (Bourdieu, 1994, 2005)[9]. Nessa fronteira, há elementos de dois campos: da Ciência e da Comunicação, os quais possuem suas regras tácitas de estabelecimento e legitimação de poder. Na divulgação científica há transposições e (re)afirmações das fronteiras da Ciência como também da Comunicação. Como mencionado no subtítulo anterior, a ciência é socialmente produzida e aqui apontamos que a Comunicação também é um produto social e cultural que produz efeitos no mundo.
Desse modo, tem-se que ciência e tecnologia não são neutras e nem a divulgação o é. A ciência se reveste de mecanismos tácitos do saber-poder criando “regimes de verdade” e a forma hegemônica de se divulgar também foi sendo construída como uma ‘comunicação autoritária’. Assim, a Ciência e Tecnologia (CT) e sua divulgação acabaram se tornando instrumentos de dominação, mitigando possibilidades de que contradiscursos (que sempre acontecem) reverberem no tecido social. Dito isso, trazemos algumas linhas sobre a comunicação da ciência e da tecnologia com uma perspectiva que aponta um outro horizonte: divulgação científica como inovação social, como elemento para bem-viver e pilar para democracia e cidadania.
Para Baumgarten (2011a), a comunicação da CT deve ser pensada para além de uma ideia de ‘tradução de linguagem científica’ para um público que não tem o letramento (popularização) ou para público letrado (disseminação/difusão), mas como uma ecologia dos saberes. A autora também entende que esta forma de comunicação da CT é um meio de inovação social.
Assim sendo, vale trazer alguns conceitos que (in)formam o campo da Comunicação Pública de CT que são: difusão, disseminação e divulgação, tratados no texto de Bueno (1985). O autor indica que os pontos de semelhança estão em se tratar de práticas que operam sobre o mesmo objeto (CT) e que as três formas são “[...] processos, estratégias, técnicas e mecanismos de veiculação de fatos e de informações que se situam no universo da ciência e da tecnologia.”. Para ele, há uma relação de complementaridade em que cada um “[...] mantém com os demais uma relação estreita do tipo gênero-espécie.” (Bueno, 1985, p. 1420).
Assim, esclarece que “[...] a difusão incorpora a divulgação científica, a disseminação científica e o próprio jornalismo científico.” (Bueno, 1985, p. 1421). Já a disseminação científica tem como característica a ‘transferência de informações’ com a transcrição de códigos especializados para intrapares (entre especialistas da mesma área ou área conexa, um exemplo disso são os periódicos e as reuniões de trabalho) e extrapares (circulação de informação científica/tecnológica para especialistas que estão fora da área-objeto da disseminação, exemplos: revistas de economia política ou ciências sociais que auxiliam por trazerem diferentes especialistas e com abordagens multidisciplinares para questão em pauta). Dessa forma, a que se ter em mente que a disseminação científica depende de letramentos científico prévios.
A divulgação científica, por sua vez, são todas as práticas de divulgação de CT, como por exemplo: aulas para outros públicos, livros didáticos, cursos de extensão e materiais comunicacionais diversos, como o “Projeto Querino”. O jornalismo científico também é uma prática de divulgação científica produzida para veículos de comunicação (tradicionais ou não).
Rubleski (2009) traz uma perspectiva crítica sobre os problemas recorrentes do jornalismo científico, especialmente no contexto das rotinas de produção jornalística e das influências do sistema econômico capitalista (acrescentamos a fase neoliberal e plataformizada que estamos vivenciando). O autor apresenta algumas discussões que acontecem em torno dos jornalismos científicos, para tanto elege cinco categorias: a) o relacionamento entre cientistas e jornalistas (tácito aos processos de produção da notícia, mas com as dificuldades peculiares da relação com pesquisadores/as); b) o teor e a procedência das matérias sobre CT (na ausência de uma cultura científica brasileira, de agências de divulgação científica e/ou setores nas universidade, mais centros de pesquisa e museus que pensem a divulgação científica e também o conjunto de notícias que chegam às redações serem, via de regra, traduções de pesquisas feitas no Norte global e/ou financiadas por empresas multinacionais); c) o sensacionalismo da imprensa (sobre isso há uma literatura enorme e é algo que se aprofunda e renova quando a pauta é a CT); d) (des) preparo dos jornalistas (relação com as crises da profissão. Sobre este ponto olhamos com esperança devido ao aumento da oferta de disciplinas de jornalismo científico e até mesmo pós-graduações na área); e) a monofonia do jornalismo científico (dificuldades de fontes e assuntos credibilizadas/legitimadas pelo público).
As ações que envolvem a divulgação de CT são desafiadoras, todavia o cenário veem sendo modificado para formação de uma cultura científica, como por exemplo, o esforço de políticas públicas que tem induzido a divulgação de ciência e tecnologia. Baumgarten (2011a) aponta a educação científica como um desses caminhos para inclusão social, econômica e política, posto que assim sujeitos podem tecer uma relação mais próxima do senso comum com a ciência. Nos termos da autora:
[...] desmistificar a tecnociência, aproximar a produção da ciência e tecnologia das necessidades sociais, democratizar informações e obter apoio político para a produção de conhecimentos científicos e a ampliação de possibilidades tecnológicas, construindo mediações entre as instâncias produtoras de ciência, tecnologia e inovação (CT&I) e a sociedade. (Baumgarten, 2011a, p. 7).
Assim, a divulgação científica deixa de ser só aquela ‘velha’ e ‘frágil’ ideia de tradução, mas passa a ser uma reconfiguração e recontextualização do conhecimento científico, como apontam Fabrício, Pezzo e Oliveira (2021). Para os autores e a autora, é preciso que os(as/es) sujeitos(as/es) que divulgam ciência e tecnologia (sendo cientistas ou não) estejam atentos(as/es) as conexões da produção de ciência “[...] com as dimensões políticas, sociais, econômicas e, inclusive, afetivas. O reconhecimento dessa multiplicidade de vozes e sua adoção no diálogo com a Ciência pode determinar a adesão ou não aos discursos e práticas desta Ciência.” (Fabrício; Pezzo; Oliveira 2021, p. 22).
Nesse sentido, é possível traçar horizontes de expectativa para uma divulgação científica mais efetiva. Contudo, todo esse processo está em disputa. E além das tensões internas da produção da ciência (mencionadas no subtítulo anterior) e dos processos de divulgação da CT há um discurso contra a ciência que ganhou fôlego e uma nova roupagem quando a vemos correlacionada à ascensão da extrema/ultradireita política no mundo. Embora esse seja tema para outro artigo, vemos como algo importante de ser mencionado para apontar há muitas disputas no campo.
Uma vez esboçado esse panorama sobre a divulgação cientifica e seus processos, no próximo subtítulo apresentamos o “Projeto Querino”, um conjunto de produtos comunicacionais que narra a História da independência do Brasil até 2022, mas com um novo olhar.
Projeto Querino em pauta: a História do Brasil pela perspectiva negra
O Projeto Querino se constitui de um conjunto multimidiático cuja peça central é um podcast de oito episódios, além de um teaser[10] e três episódios extras (ver Quadro 1), articulado a seis reportagens jornalísticas (ver figura 1)[11], tudo isso disponibilizado também em um site (ver Figura 2) e um livro lançado em 2024, pela editora Fósforo (ver Figura 3), formando um corpus que propõe uma perspectiva “afrocentrada[12] sobre a História do Brasil e mostra alguns dos principais momentos (como a Independência, em 1822, ou a Abolição, em 1888) sob a ótica dos africanos e de seus descendentes”, conforme auto apresentado no site do Projeto (CRÉDITOS..., s/d, texto digital).
Quadro 1 – Episódios do podcast Projeto Querino
Nome do episódio
Duração
Descrição
1.A grande aposta
1:09:48
Os esqueletos no armário da Independência do Brasil
2.O pecado original
00:59:41
Um dos maiores (se não o maior) casos de corrupção sistêmica da História do Brasil.
3. Chove Chuva
00:56:03
A mais bela expressão da experiência humana a surgir deste lado do Oceano.
4. O colono preto
00:56:04
Vou aprender a ler para ensinar meus camaradas.
5. Os piores patrões
00:51:55
A elite que não pode limpar o próprio banheiro nem numa pandemia.
6. A cor dos faraós
00:59:09
‘Ficará a cor morena / De coroa e cetro na mão’.
O 4º Seminário de Pensamento Social Brasileiro: intelectuais, cultura e democracia, organizado pelo NETSIB-UFES, será realizado entre os dias 2 e 6 de junho de 2025, no formato híbrido. A programação presencial será realizada nas dependências do CCHN-Centro de Ciências Humanas e Naturais da Universidade Federal do Espírito Santo, enquanto a programação virtual será transmitida pelas páginas oficiais do evento no YouTube e pela DoityPlay. Nesta edição contaremos com Conferência de Abertura, Grupos de Trabalho (modalidade virtual) e Conferência de Encerramento. Esperamos retomar o diálogo proposto nas edições anteriores do evento (1º SPSB, 2º SPSB e 3ºSPSB) que resultaram na publicação de livros oriundos das áreas temáticas presentes anteriormente (Coleção Pensamento Social Brasileiro-Volume 1 Volume 2 Volume 3 Volume 4), publicarmos novos livros oriundos desta edição do evento e que novas conexões possam ser criadas. Com esses sentimentos de alegria e reencontro, lhes desejamos boas-vindas!