A crise da democracia brasileira se apresenta cada vez mais de forma multifacetada, desde a construção da narrativa de uma instabilidade institucional até o crescimento de discursos autoritários. No cerne dessa conjuntura, emerge um novo campo de disputa política: o ecossistema digital. As plataformas digitais, especialmente as controladas por grandes conglomerados da tecnologia (Google, Meta, etc.) denominadas big techs, assumem um papel central na formação do debate político contemporâneo. Este trabalho busca compreender a atuação das big techs não apenas como agentes ideológicos de propagação de discurso, mas como empresas privadas que visam o lucro e por meio da disseminação da desinformação e controle do imaginário social consequentemente se tornam gestores ativos, quando pagas, da manutenção do discurso da classe dominante.
Neste contexto, a utilização desse ecossistema digital configura-se como um instrumento político utilizado para criar o caos cognitivo. Se alimentando da saturação informacional e da ansiedade social, esse instrumento impulsiona a construção de um ambiente em que a dúvida sistemática se transmuta em uma forma de controle. As big techs ao deterem o poder sob o conteúdo e os mecanismos de comunicação em massa, pulverizam a agenda da classe dominante a partir da monetização de conteúdos que geram reações emocionais intensas, independentemente de sua veracidade. Esse modelo de negócios favorece a radicalização de discursos e a formação de bolhas informacionais, nas quais se cultiva a rejeição ao pensamento crítico e principalmente a hostilidade às vozes divergentes.
As big techs, embora se apresentem como empresas comprometidas com a liberdade de expressão, operam sob lógicas mercantis e privadas, fora do escopo de controle democrático tradicional. Essa condição permite que definam, de forma nebulosa, o que pode ou não circular no espaço digital, interferindo diretamente na configuração do discurso público nas redes. A reativação da extrema-direita no Brasil encontra um terreno fértil nesse ambiente, com narrativas que marginalizam propostas de avanço sociais, pautas LGBTQIA+, direitos das mulheres ou qualquer discurso que confronte a preservação do status quo, e são alavancadas por algoritmos que privilegiam a simplicidade discursiva e o apelo emocional. Como exemplo, a produtora de conteúdos de extrema-direita no Brasil, denominada Brasil Paralelo, gastou, em 2023, cerca de 300 mil reais para impulsionar mais de 500 anúncios no Facebook. Esses anúncios promoviam um documentário que tenta descredibilizar a história de Maria da Penha — farmacêutica vítima de diversas agressões e tentativas de assassinato por parte do marido. Ela tornou-se símbolo da luta contra a violência doméstica e deu nome à principal lei brasileira voltada à proteção das mulheres. Segundo dados da Meta — empresa de tecnologia e comunicação proprietária de redes sociais como Facebook, WhatsApp e Instagram —, esses anúncios foram direcionados principalmente a mulheres a partir de 25 anos, com maior incidência na região Sudeste. Atualmente, a produtora Brasil Paralelo é a segunda maior anunciante da Meta no Brasil, atrás apenas do Governo Federal. Na prática, percebe-se que há uma nova forma de censura de conteúdo, não baseada na proibição explícita, mas na invisibilidade, ou seja, as big techs se tornam agentes na marginalização de vozes dissidentes sem necessidade de repressão direta.
Essa forma de “censura algorítmica” compromete o debate e reduz a comunicação digital a um espaço controlado por interesses corporativos. Na prática, constata-se uma nova modalidade de censura de conteúdo, não fundamentada na censura explícita, mas na invisibilidade. As big techs, nesse contexto, assumem o papel de agentes na marginalização de vozes dissidentes, sem a necessidade de repressão direta. Essa forma de "censura algorítmica" compromete o debate público e restringe a comunicação digital a um espaço dominado por interesses corporativos. Essa condição permite que definam, de forma nebulosa, o que pode ou não circular no espaço digital, interferindo diretamente na configuração do discurso público nas redes.
Ao desvelar as condições materiais que permitem essa forma de operação das plataformas digitais, abre-se caminho para a construção de um debate mais justo, onde a comunicação não se apresente apenas como mercadoria, mas instrumento de emancipação coletiva. Conclui-se que, sem o enfrentamento da lógica de capital que estrutura a atuação das big techs, não será possível resgatar a democracia como espaço de disputa justa; é preciso radicalizar o debate sobre a regulamentação desse ecossistema digital para que a comunicação digital deixe de atuar como ferramenta de dominação de classe e se torne instrumento de transformação social.
O 4º Seminário de Pensamento Social Brasileiro: intelectuais, cultura e democracia, organizado pelo NETSIB-UFES, será realizado entre os dias 2 e 6 de junho de 2025, no formato híbrido. A programação presencial será realizada nas dependências do CCHN-Centro de Ciências Humanas e Naturais da Universidade Federal do Espírito Santo, enquanto a programação virtual será transmitida pelas páginas oficiais do evento no YouTube e pela DoityPlay. Nesta edição contaremos com Conferência de Abertura, Grupos de Trabalho (modalidade virtual) e Conferência de Encerramento. Esperamos retomar o diálogo proposto nas edições anteriores do evento (1º SPSB, 2º SPSB e 3ºSPSB) que resultaram na publicação de livros oriundos das áreas temáticas presentes anteriormente (Coleção Pensamento Social Brasileiro-Volume 1 Volume 2 Volume 3 Volume 4), publicarmos novos livros oriundos desta edição do evento e que novas conexões possam ser criadas. Com esses sentimentos de alegria e reencontro, lhes desejamos boas-vindas!