No pensamento político brasileiro (PPB), a leitura culturalista e liberal tornou-se referência para a compreensão do autoritarismo no Brasil, como podemos observar pelos trabalhos de Antonio Paim ([1978]1988), Simon Schwartzman ([1974],1888) e, sobretudo, Raymundo Faoro ([1975] 2008). Para essas interpretações, o autoritarismo seria elemento intrínseco à (má) formação pré-moderna do país e a fraqueza do capitalismo como elemento civilizador. É o passado o fator central de explicação, além de o autoritarismo possuir uma razão essencialmente distinta da democracia. Em decorrência, haveria a reprodução do secular atraso e da diferença essencial frente aos países centrais nos quais modernidade e democracia seriam autênticas e plenamente desenvolvidas. Para apresentarmos as insuficiências das leituras do PPB acerca da suposta singularidade do autoritarismo brasileiro (Dutra; Ribeiro, 2021) e defendermos o caráter moderno do fenômeno no país, mobilizamos as críticas de Florestan Fernandes à “teoria do autoritarismo” e sua interpretação teoricamente informada sobre o fenômeno nos anos 1970. Florestan (1979) argumenta que o conceito de autoritarismo é problemático por ser ambíguo e plurívico, pois pode ser utilizado para designar qualquer regime. Há, na formação liberal do conceito, uma constituição formal de democracia implícita. A sociedade capitalista, todavia, está permeada por desigualdades e relações autoritárias em todas as suas dimensões (Fernandes, 1979:13). Precisamente, Florestan rompe com o dualismo entre sistemas autoritários e sistemas democráticos (Silva, 2022, p.100). A análise crítica do sociólogo sobre autoritarismo e democracia contém forte crítica ao eurocentrismo, pois rompe com a colonização conceitual e realiza uma leitura que tem na bifurcação entre teoria e história o seu pilar central. Destarte, o sociólogo rompe com a tese essencialista em torno de um singular autoritarismo brasileiro. A teorização crítica sobre o capitalismo global de sua época e a definição de democracia subjacente permitem que sejam analisadas sociedades centrais e periféricas sem quaisquer juízos de valor que inferiorize as últimas. Nesse sentido, o sociólogo vai de encontro à filosofia eurocêntrica da história, que apresenta a modernidade política circunscrita à democracia e ao constitucionalismo e a representação da produção periférica como essencialmente inferior (Lynch, 2013). A importância de sua leitura pode ser observada quando é realizado um cotejamento, por exemplo, com a literatura acerca do neoliberalismo(Silva, 2022). A teorização de Florestan, além de ser mais complexa e global quando comparada às interpretações do PPB e da ciência política de sua época, também se mostra atual e mais complexa que interpretações contemporâneas de grande repercussão nacional, sobretudo junto ao grande público – como são os casos de Lilia Schwarcz (2019) e Jessé Souza (2017) – e internacional, como os trabalhos de Levitsky e Ziblatt (2018, 2023). Os autores brasileiros supracitados seguem os clássicos ao explicar o autoritarismo contemporâneo como fruto do passado nacional e como avesso à democracia. Os cientistas políticos estadunidenses, por seu turno, constroem diagnósticos do autoritarismo contemporâneo e da crise da democracia que deixam de lado a necessária crítica ao próprio sistema capitalista que, ao fim e ao cabo, sustenta e reforça as instituições autoritárias. Florestan, por sua vez, empreende uma leitura descolonizada e crítica da democracia e da modernidade política, o que a torna de grande relevância para compreendermos os retrocessos democráticos contemporâneos. A atualidade da teorização de Florestan pode ser observada também quando a comparamos ao trabalho de Ahlers e Stichweh (2019). Os autores também defendem que a modernidade política é estruturada pela bipolaridade entre democracia e autocracia, e que a explicação da última não pode ser buscada em elementos pré-modernos, isto é, não perfaz qualquer resistência de razão essencialmente distinta da modernidade política. Assim, Florestan, Ahlers e Stichweh convergem ao defenderem que a modernidade em sua dimensão política não pode ser resumida à democracia. Destarte, sustentamos que a leitura teoricamente informada do sociólogo possui função bifurcada, isto é, expor as insuficiências das leituras essencialistas do PPB, por um lado, e o caráter global da produção periférica, fundamental para a ruptura com a subordinação estrutural na geopolítica do conhecimento representado pelo “fantasma da condição periférica” (Lynch, 2013), por outro. A teorização de Florestan auxilia a sustentar a tese de que os episódios autoritários ocorridos no Brasil e na América Latina, apesar de suas especificidades históricas, conformam acontecimentos intrínsecos à normalidade da modernidade política amplamente concebida(Dutra; Ribeiro 2021).
O 4º Seminário de Pensamento Social Brasileiro: intelectuais, cultura e democracia, organizado pelo NETSIB-UFES, será realizado entre os dias 2 e 6 de junho de 2025, no formato híbrido. A programação presencial será realizada nas dependências do CCHN-Centro de Ciências Humanas e Naturais da Universidade Federal do Espírito Santo, enquanto a programação virtual será transmitida pelas páginas oficiais do evento no YouTube e pela DoityPlay. Nesta edição contaremos com Conferência de Abertura, Grupos de Trabalho (modalidade virtual) e Conferência de Encerramento. Esperamos retomar o diálogo proposto nas edições anteriores do evento (1º SPSB, 2º SPSB e 3ºSPSB) que resultaram na publicação de livros oriundos das áreas temáticas presentes anteriormente (Coleção Pensamento Social Brasileiro-Volume 1 Volume 2 Volume 3 Volume 4), publicarmos novos livros oriundos desta edição do evento e que novas conexões possam ser criadas. Com esses sentimentos de alegria e reencontro, lhes desejamos boas-vindas!