Envelhecimento e Transexualidade

  • Autor
  • Elis Alves dos Santos
  • Resumo
  •  

    Universidade Candido Mendes - UCAM

    Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro - IUPERJ

    Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política - PPGSP

    Autora: Elis Alves dos Santos, mestranda em Sociologia Política (UCAM - IUPERJ)

    E-mail: profelisalves@gmail.com  

    Resumo

     

    Envelhecimento e Transexualidade

     

    O estudo da velhice é um campo multidisciplinar que abrange aspectos sociais, culturais, econômicos e de saúde relacionados ao envelhecimento. No Brasil, o envelhecimento da população tornou-se uma realidade especialmente marcante nos últimos doze anos. Dados do IBGE mostram que essa mudança demográfica traz desafios significativos para as políticas públicas e o bem-estar social. Dentro da Sociologia Política, a análise do envelhecimento populacional foca nas implicações sociais desse fenômeno. Um aspecto crucial dessa discussão é a experiência dos idosos transexuais, que enfrentam barreiras específicas devido à discriminação. A compreensão das necessidades dessa população é vital para promover inclusão e dignidade. Os idosos transexuais frequentemente lidam com traumas resultantes de uma vida marcada pela exclusão, o que impacta sua saúde mental e física. Para garantir um envelhecimento saudável, é fundamental que as práticas voltadas para a terceira idade considerem a diversidade das experiências vividas. O debate sobre o envelhecimento de idosos transexuais é essencial para assegurar que seus direitos sejam respeitados e que políticas públicas atendam às suas necessidades específicas. Essa discussão também desempenha um papel crucial na educação da sociedade, promovendo uma maior compreensão e empatia em relação à diversidade das experiências de envelhecimento. Ademais, é importante reconhecer que questões como isolamento e solidão são particularmente graves para essa população, exacerbadas pela falta de apoio familiar e social. Portanto, iniciativas que promovam a inclusão e a dignidade dos idosos transexuais são imprescindíveis para melhorar sua qualidade de vida.

     Palavras-chave: Envelhecimento, Idosos Transexuais, problematização e inclusão.

     

     

    A análise do fenômeno envelhecimento não se limita apenas à observação das transformações biológicas no indivíduo, mas também inclui o impacto na sociedade em razão das modificações ocorridas nas pessoas. O envelhecimento acentuado da população tem se tornado um tema de grande importância entre diversas áreas, como medicina, psicologia, sociologia e antropologia que têm se dedicado a analisar e compreender implicações e transformações associadas ao envelhecer. “O surgimento da velhice e da terceira idade pode ser entendido como resultante de um processo complexo, que envolve a convergência de discursos políticos, práticas sociais, interesses econômicos e disciplinas especializadas.” (Silva, 2008). Para tanto, um debate amplo sobre o envelhecimento ajuda a reduzir estigmas e preconceitos associados à velhice, promove o respeito e a valorização dos idosos, reconhecendo-os como pessoas ativas, sabendo-se que a experiência da terceira idade pode variar significativamente de pessoa para pessoa, dependendo de fatores como saúde, condições socioeconômicas, suporte social e estilo de vida. Esse processo é impulsionado por importantes como avanços médicos, urbanização das cidades, melhorias na nutrição, elevação dos padrões de higiene em lares e ambientes de trabalho, além dos avanços tecnológicos. Esses fatores começaram a se manifestar entre o final da década de 1940 e o início dos anos 1950[1].

                Envelhecer implica em uma série de alterações físicas que podem incluir diminuição da força muscular, perda de flexibilidade, alterações dos sentidos como, por exemplo, a visão e a audição, além de maior propensão a doenças crônicas. Tais modificações podem afetar a autonomia e a qualidade de vida do idoso, necessitando de adaptações no estilo de vida e nos cuidados com a saúde. O envelhecimento pode ser acompanhado por aumento da sabedoria e da aceitação de si mesmo, mas também por desafios como solidão, depressão e ansiedade. “Talvez eu fique velho um dia” (Elias, p. 82. 2001) aborda a aceitação ou a antecipação do envelhecimento, trazendo à tona uma consciência ou uma reflexão sobre a mudança que vem com a idade.

    Quando somos bebês, estamos ainda aprendendo a ter equilíbrio e domínio do próprio corpo, logo os primeiros passos acontecem em desalinho e caímos muitas vezes. O mesmo sucede no processo de envelhecimento, dito por muitos no senso comum por “o fim da vida”. Os passos ficam inseguros, o uso de andador se faz necessário ou até mesmo o apoio de uma bengala. Os jovens, ao observarem o descompasso de um velho, sentem certa repulsa e agem como se não fossem chegar a esta fase, ou seja, que não irão envelhecer. “Não é fácil imaginar que nosso próprio corpo, tão cheio de frescor e muitas vezes de sensações agradáveis, pode ficar vagaroso, cansado e desajeitado” (ELIAS, 2001, p.42). Vivemos em uma sociedade que cultua a juventude e a ilusão de que seremos eternos. Temos, portanto, grande dificuldade em lidar com a finitude da vida.

    Os velhos desempenham um papel fundamental na interseção entre o passado e o futuro, proporcionando a sabedoria acumulada ao longo da vida para guiar as gerações mais jovens. Nesse sentido, o idoso atua como um elo entre o “começo e o fim”, integrando a narrativa histórica pessoal e coletiva com as perspectivas e possibilidades futuras (Bosi, 1994). No entanto, mudanças nas estruturas familiares e no estilo de vida urbano podem afetar essas dinâmicas, exigindo uma reflexão maior sobre o papel dos idosos na sociedade.“Que é ser velho? Em nossa sociedade, ser velho é lutar para continuar sendo homem.” (Bosi, 1994, p.18).

    Em qual momento foi colocado que velhice é o fim da vida e não como um novo tempo da vida? O idoso foi transformado positivamente em sujeito e adquiriu assim novas modalidades de subjetivação Há um movimento para desconstruir estereótipos, por exemplo, que a velhice é vista como uma fase da vida que pode ser plena em significados, desafiando a ideia que se tinha anteriormente acerca do envelhecimento ser apenas sinônimo de declínio. O paradigma moderno tende a tratar a velhice de maneira homogênea, ignorando as diferenças de experiência entre os idosos (Birman, 2015).

                O envelhecimento da população do Brasil é uma realidade em sua contemporaneidade, principalmente nos últimos 12 anos. Segundo o Censo dados do IBGE[2], houve um acréscimo de 57,4% em relação ao ano de 2010, quando esse grupo populacional correspondia a 7,4% da população brasileira. Em 2022, esse mesmo grupo corresponde 11% aproximadamente, em relação ao total da população do país. Ocorreram conquistas sociais nas últimas três décadas, tais como: enfrentamento à pobreza extrema, a ampliação do sistema de aposentadorias, o Estatuto do Idoso (2003), a instituição do Ministério dos Direitos Humanos (2015) e as secretarias, estaduais e municipais voltadas para o atendimento às demandas desse grupo da população. Projeções indicam que essa porcentagem referente à população idosa tende a crescer nas próximas décadas. O envelhecimento populacional traz consigo desafios econômicos significativos, especialmente no que diz respeito à sustentabilidade dos sistemas de seguridade social e saúde. No aspecto social, o envelhecimento também pode ampliar vulnerabilidades, como a exclusão social, o isolamento e a falta de acesso a serviços adequados. Isso requer políticas de inclusão e programas que promovam a participação ativa dos idosos na sociedade, respeitando suas capacidades e contribuições.

    Os estereótipos prescritivos em relação a como as pessoas idosas devem se vestir e se comportar impõem limites significativos às suas escolhas e expressões individuais. A sociedade frequentemente considera o que é “apropriado” para a geração mais velha, restringindo assim a diversidade e impondo, de certa forma, uma homogeneidade de comportamento. Essa normatização não apenas limita a liberdade pessoal, mas também perpetua a marginalização da criatividade e da irreverência que são valorizadas na juventude. (Debert, 1999). O que é admirado como inovador e corajoso em anos mais jovens, muitas vezes, torna-se motivo de ridicularização na velhice. É válido ressaltar que o idadismo utiliza a idade da pessoa para classificá-la de maneira depreciativa e estereotipada.. No entanto, não se limita necessariamente aos idosos, engloba qualquer forma de discriminação ou estereótipo negativo com base na idade, afetando tanto pessoas jovens quanto mais velhas dependendo do contexto.

    A escassez de pesquisas sobre a velhice transexual pode ser entendida como um reflexo da marginalização e invisibilidade histórica das pessoas trans, particularmente no que tange a fase do envelhecimento. Esse fenômeno está relacionado ao fato de que, dentro da sociedade e, por consequência, no campo acadêmico, as questões que envolvem a experiência de vida das pessoas transexuais com idade avançada frequentemente são negligenciadas. A falta de estudos especializados pode indicar uma falha em reconhecer as especificidades dessa população no processo de envelhecimento, além de refletir a prevalência de preconceitos enraizados contra as identidades de gênero não cisnormativas. Essa invisibilidade é ainda agravada pelas dificuldades estruturais e de acesso que muitas pessoas trans enfrentam para obter cuidados de saúde adequados, o que limita a produção de conhecimento nessa área. Além disso, o tema da velhice transexual pode ser relativamente recente no campo dos estudos de gênero, sendo necessário um maior aprofundamento das pesquisas que explorem paralelos entre idade, identidade de gênero e as complexas dinâmicas sociais que envolvem a população trans ao longo do ciclo de vida. Uma lacuna significativa que deve ser preenchida para que se possam desenvolver políticas públicas e estratégias de cuidado mais inclusivas e sensíveis às necessidades dos idosos transexuais.

    Ademais, muitos idosos trans podem não possuir redes de apoio, seja devido a rompimentos familiares ao longo da vida ou à falta de reconhecimento de suas identidades em espaços como lares para idosos. Isso pode colocá-los em maior risco de abandono, violência tanto física quanto emocional, bem como de negligência no acesso a serviços essenciais.

    Ao trazer à tona essas questões, as pesquisas e os debates a respeito do tema contribuem para a elaboração de medidas que promovam o respeito e os direitos dessa população, permitindo que envelheçam com mais segurança e qualidade de vida.

    As sociedades, que valorizam a produtividade e a juventude, frequentemente manifestam atitudes discriminatórias em relação aos idosos, visto que não merecem mais participação ativa na vida social. Esse preconceito é reforçado pela ênfase cultural na responsabilidade individual devido o processo de envelhecimento, o que contribui para a exclusão dos mais velhos.

    Já no caso do envelhecimento entre idosos transexuais, envolve identificar e compreender uma série de questões interligadas que afetam essa população. Muitas vezes lidaram a vida inteira de discriminação e estigma devido à sua identidade de gênero. Isso pode ter levado a traumas psicológicos profundos, logo, pode afetar a saúde física e mental, assim como impactar no bem-estar na velhice.

                É importante ressaltar que a fragilidade associada à velhice afeta a todos, independentemente do gênero. Nesse contexto, o envelhecimento da população transexual deve ser compreendido à luz da luta por reconhecimento, que se intensificou no século XX com os movimentos sociais que reivindicavam o reconhecimento de identidades marginalizadas. Esses movimentos não buscavam apenas o reconhecimento, mas também a igualdade de direitos e oportunidades. Por consequência, o fim da Guerra Fria, marcado pela queda do Muro de Berlim em 1989 e o fim da União Soviética em 1991, trouxe uma nova Era de democratização e liberalização política em muitas partes do mundo. Esse processo abriu espaço para novas reivindicações de direitos e reconhecimento, incluindo demandas de minorias étnicas, religiosas e de gênero.

                A globalização se intensificou após o fim da Guerra Fria, facilitando o intercâmbio cultural e a mobilidade de pessoas. Esse fenômeno trouxe à tona questões de identidade e reconhecimento em uma escala global, permitindo que grupos minoritários se organizassem e buscassem aceitação em diferentes contextos culturais e políticos. Portanto, o fim da Guerra Fria criou um ambiente propício para que diversas lutas por reconhecimento emergissem e ganhassem força. Grupos que anteriormente não tinham voz começaram a reivindicar reconhecimento e direitos, como é o caso das comunidades atualmente conhecidas como LGBTQIA+. Para esta finalidade, buscaremos entender como essas transformações influenciaram a luta por importância e espaço a partir da teoria do reconhecimento. Haja vista que não se pode pensar na experiência de envelhecimento como sendo homogêneo (Debert, 1999). Geralmente se refere à ideia de que o envelhecimento é visto como um processo uniforme e semelhante para todos, sem considerar as variações individuais e as diferentes experiências que as pessoas podem ter. Em outras palavras, é a suposição de que todos envelhecem de maneira similar, independentemente de fatores como identidade de gênero, histórico cultural, condições econômicas, saúde, entre outros aspectos.

    Ao enveredarmos pelo percurso histórico da transexualidade, desde as épocas mais antigas até os dias atuais, deparamo-nos com a inadequação em que o sujeito transexual apresenta em relação a seu corpo. O sujeito transexual reivindica o direito de escolher seu sexo, acreditando ser esse diferente do que lhe foi concedido pela natureza.

    Em linhas gerais, percebemos que gênero se refere à identidade e ao papel social associado ao binarismo masculino ou feminino, enquanto sexo se refere às características físicas e biológicas, composto por fatores genéticos. Trassexualidade refere-se a pessoas cuja identidade de gênero não corresponde ao sexo atribuído ao nascimento, e que podem buscar mudanças físicas e sociais para alinhar seu corpo de forma que corresponda com sua identidade de gênero. Na nossa cultura ocidental, indivíduos que não correspondem à identidade de gênero atribuída ao nascer com base no sexo genital são frequentemente vistos como sóciodesviantes ou gênero-divergentes, ou seja, como transgressões da ordem social. Em contraste, as pessoas 'cisgêneras' são aquelas que se encaixam na identidade de gênero recebida ao nascer e são consideradas bem-ajustadas a essa identidade. (Lanz, 2014, p.39).

    Dias (2005), aponta que a violência contra idosos é um problema público e não pode mais ser tratado como apenas uma questão pessoal, pois engloba o componente violência doméstica. Entre os agressores é possível apontar os filhos adultos, os cônjuges e outros membros da família, com base em pesquisas realizadas em países europeus e norte-americanos, (todavia, sabe-se que no Brasil a realidade não é diferente). O idoso maltratado de forma psicológica, geralmente sente medo e apatia. Este tipo de abuso conduz a um impacto significativo da dignidade e da autoestima do indivíduo. “O abuso material consiste na exploração econômica ou imprópria do idoso e no uso ilegal dos seus fundos e recursos” (Dias, p. 263. 2005).

    No contexto da velhice transexual, tema central desta pesquisa, permanece como assunto marginalizado, ainda que os desafios enfrentados por essa população sejam agravados por uma interseção de fatores como transfobia, precarização econômica, violência e solidão social. O processo de envelhecimento, que em si já impõe desafios estruturais e simbólicos, pode ser ainda mais cruel para pessoas trans, pois geralmente essas pessoas possuem histórias marcadas pela negação de direitos básicos e pela vulnerabilidade em geral. (Barros, R. S., Silva, M. F. C., & Batista, R. C. A. 2025, p. 13996).

    O conceito “Luta por Reconhecimento” cunhado por Axel Honneth (2007) é socialmente relevante ao abordar como os indivíduos buscam ser reconhecidos em várias esferas da vida social. Esta teoria explora uma necessidade fundamental para o desenvolvimento individual e a integração na sociedade. Axel Honneth é filósofo e sociólogo alemão. Sua obra mais conhecida Luta por reconhecimento: a Gramática Moral dos Conflitos Sociais (2007) argumenta que o reconhecimento social é crucial para a formação da identidade pessoal e para a justiça social. Honneth destaca que a falta de reconhecimento pode levar à alienação e à marginalização. O livro se desenvolve principalmente dentro da tradição da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt, sendo influenciado por pensadores como Hegel e Marx. “Nossa ideia de justiça está essencialmente conectada à concepção em relação a como e de que maneira os indivíduos se reconhecem reciprocamente.” (Honneth, 2007. p.81).

    Para Honneth, a luta por reconhecimento não é apenas uma questão individual, mas também um motor de movimentos sociais e políticos. Ele observa que grupos sociais muitas vezes lutam por visibilidade de suas identidades culturais, étnicas, de gênero ou religiosas.             Esses movimentos buscam não apenas a igualdade legal, mas também o reconhecimento social e cultural de suas identidades e valores. Honneth critica as estruturas sociais que contribuem para a alienação e a desigualdade, argumentando que uma sociedade justa deve garantir que todos os indivíduos tenham a oportunidade de serem reconhecidos como membros plenos da comunidade. Ele vê o reconhecimento como um processo dinâmico e contínuo, que deve ser constantemente negociado e renovado através do diálogo e da prática democrática. A teoria de Honneth teve um impacto significativo no campo da teoria social da política contemporânea. Oferece uma estrutura analítica para entender questões de identidade, justiça social e movimentos sociais, destacando a importância do reconhecimento mútuo na formação de sociedades mais inclusivas e igualitárias.

    As lutas por reconhecimento são, portanto, vistas como necessárias e benéficas, pois permitem que reivindicações identitárias sejam apresentadas, discutidas e eventualmente aceitas. Esse processo de constante negociação e aceitação de novas identidades e perspectivas é o que impulsiona o progresso ético e moral de uma sociedade (Honneth, 2007).

    A luta por reconhecimento é uma questão central nas teorias de Axel Honneth e se alinha de forma significativa com as reivindicações e desafios enfrentados pelos grupos LGBTQIA+. Honneth, um proeminente filósofo social, desenvolveu a teoria do reconhecimento, que sugere que o desenvolvimento da identidade e da autoestima dos indivíduos está intimamente ligado ao reconhecimento recebido em diversas esferas da vida social. A teoria de Honneth oferece uma estrutura útil para entendermos reivindicações dos grupos LGBTQIA+. A luta desses grupos pode ser vista como uma busca por reconhecimento em todas as esferas da vida, desde a intimidade pessoal até o reconhecimento Legal e social. Honneth destaca que o reconhecimento é essencial para o desenvolvimento humano, e a luta dos grupos LGBTQIA+ é uma busca por esse reconhecimento fundamental.

    Para tanto, Nancy Fraser (2007), filósofa contemporânea estadunidense da teoria crítica, oferece outra perspectiva quanto à teoria de Honneth. Enfatiza a importância de abordar tanto o reconhecimento quanto à redistribuição para alcançar a justiça social. Segundo ela, o reconhecimento é crucial, mas não suficiente por si só, sem considerar as questões de redistribuição econômica. Fraser propõe uma abordagem "bifocal" que combine a luta pelo reconhecimento com a luta pela redistribuição, argumentando que ambas são essenciais e interdependentes. Honneth, por sua vez, identifica a importância das questões econômicas, mas mantém que o reconhecimento é uma dimensão fundamental da justiça social que não pode ser ignorada. Ele sugere que muitas injustiças econômicas também têm raízes em formas de desrespeito, e que a luta por reconhecimento pode ajudar a abordar essas injustiças de maneira mais abrangente. (Fraser. 2007).

                Este debate enriquece a compreensão das complexas dinâmicas da justiça social, destacando que tanto o reconhecimento quanto a redistribuição são essenciais para a construção de uma sociedade justa e igualitária.

    Embora a aceitação principal de Fraser não seja especificamente nas relações homoafetivas, suas ideias sobre justiça e reconhecimento fornecem uma base sólida para apoiar as demandas de igualdade e reconhecimento dos direitos LGBTQIA+. Ainda que Fraser não use explicitamente o termo "interseccionalidade" (a interação ou sobreposição de fatores sociais que definem a identidade de uma pessoa e a forma como isso irá impactar sua relação com a sociedade e seu acesso a direitos.)[3], sua abordagem reconhece que diferentes formas de injustiça estão interligadas. Ela defende que a luta por justiça deve considerar as múltiplas dimensões de opressão e preconceito.

    Fraser defende o reconhecimento de todas as identidades, o que implica tratar todos os grupos culturais com igual respeito e consideração. Isso envolve a valorização e respeito da diversidade e a promoção de uma sociedade que celebre o que é tido como diferente.

    Nancy Fraser define a injustiça cultural como a desvalorização, marginalização ou invisibilização de certos grupos sociais baseados em identidades culturais, como raça, etnia, gênero, orientação sexual e outros marcadores de diferença cultural. Argumenta que o reconhecimento das identidades culturais e a redistribuição econômica são interdependentes e essenciais para alcançar uma sociedade justa. Propõe, então, uma abordagem integrada que promova a paridade participativa, garantindo que todos os indivíduos tenham igual acesso a recursos, respeito e oportunidades de participação social.

    Destaca-se que a expressão de gênero, por sua vez, não está exclusivamente ligada a fatores biológicos, envolvendo múltiplos aspectos.

    Em linhas gerais, no contexto apresentado, percebemos que "gênero" se refere à identidade e ao papel social associado ao binarismo masculino ou feminino, enquanto "sexo" se refere às características físicas e biológicas, composto por fatores genéticos. Trassexualidade refere-se a pessoas cuja identidade de gênero não corresponde ao sexo atribuído ao nascimento, e que podem buscar mudanças físicas e sociais para alinhar seu corpo de forma que corresponda com sua identidade de gênero. Na nossa cultura ocidental, indivíduos que não correspondem à identidade de gênero atribuída ao nascer com base no sexo genital são frequentemente vistos como 'sóciodesviantes' ou 'gênero-divergentes', ou seja, como 'transgressões' da ordem social. Em contraste, as pessoas 'cisgêneras' são aquelas que se encaixam na identidade de gênero recebida ao nascer e são consideradas 'bem-ajustadas' a essa identidade. (Lanz, 2014 p.39)

    As diferenças de gênero surgem com base que homens e mulheres são socializados em papéis distintos dentro de uma hierarquia que coloca o homem no topo da pirâmide social. As teorias de socialização de gênero são defendidas por funcionalistas que veem meninos e meninas como aprendizes de papéis sexuais e de gênero, associados às noções de masculinidade e feminilidade. Logo, elogios e críticas ajudam a reforçar as normas de gênero, incentivando comportamentos que são considerados adequados para cada gênero e desencorajando aqueles que não se alinham com essas expectativas. “Que menino valente você é!” ou “Meninos não brincam com bonecas!” (Giddens, 2005, p.105).

    É importante destacar que a sigla LGBTQIA+ abrange uma variedade de identidades e orientações sexuais, representando, respectivamente, Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Queer, Intersexuais e Assexuais. O símbolo de “+” no final da sigla serve para incluir outras identidades de gênero e orientações sexuais que não se conformam à heteronormatividade. Tal conceito descreve a presunção de que a heterossexualidade é a orientação sexual dominante e esperada nas sociedades ocidentais. “É, pois, um dispositivo totalitário e hegemônico resultante da aplicação compulsória das normas binárias de conduta de gênero a todas as relações estabelecidas entre as pessoas na nossa sociedade” (Lanz, 2014. p. 41). Porém, o foco desta pesquisa é o público correspondente à letra “T”, “que não se refere a uma orientação sexual, mas sim a identidades de gênero, também chamadas de “pessoas trans”, elas podem ser transgênero (homem ou mulher)”.[4]

    A Política Nacional de Saúde Integral LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexuais)[5] foi criada no Brasil em 2011 com o objetivo de promover a saúde e o bem-estar dessa população, enfrentando as desigualdades e discriminações por pessoas LGBTQIA+ nos serviços de saúde. É um exemplo de política pública que visa garantir o acesso universal e igualitário a serviços que respeitem e considerem a diversidade de gênero e orientação sexual. A implantação da Política Nacional de Saúde Integral envolve ações em diversas áreas, incluindo a capacitação de profissionais de saúde, a criação de serviços especializados, a promoção de campanhas de conscientização e a articulação entre diferentes setores da sociedade para promover a inclusão e o respeito pelos direitos humanos dessa população.

    A população transexual enfrenta altos níveis de marginalização somados aos números de violência. Muitos desses indivíduos passaram por períodos de rejeição familiar, discriminação no ambiente de trabalho e exclusão social. Essas experiências de vida podem ter efeitos profundos e duradouros na saúde mental e física, especialmente à medida que envelhecem.

                Em 2022, o Brasil registrou o assassinato de pelo menos 131 pessoas trans e travestis. É o que indica o Dossiê Assassinatos e Violências Contra Travestis e Transexuais Brasileiras, elaborado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) [6]. O relatório[7] revela que o Brasil lidera o ranking global de mortes de pessoas transexuais e também travestis. Entre as 131 vítimas fatais daquele ano, 130 eram mulheres transexuais e travestis, enquanto uma era um homem trans. A pessoa mais jovem assassinada tinha apenas 15 anos, e quase 90% das vítimas tinham entre 15 e 40 anos.

                A violência e a discriminação enfrentadas por essas pessoas são acentuadas em várias fases da vida, incluindo a velhice. Assim como as pessoas trans enfrentam risco elevado de violência e marginalização, a situação pode ser ainda mais grave para aquelas que envelhecem. A interseccionalidade entre ser trans e ser idoso pode resultar em aumento das vulnerabilidades devido à combinação de discriminação por idade, assim como por identidade de gênero.

    A experiência de envelhecimento para a comunidade LGBTQIA+ tem um olhar social diferenciado devido a fatores como discriminação histórica, estigma social e desafios de acesso a sistemas de saúde e de apoio afirmativos.

    Essas condições são frequentemente acentuadas por uma vida de discriminação e estigma, bem como pelo isolamento social no avançar da idade.

    As velhices heterossexual e homossexual apresentam diferenças substanciais que refletem contextos sociais, históricos e políticos distintos. Enquanto idosos heterossexuais muitas vezes se beneficiam de normas culturais dominantes mais permissíveis, os idosos homossexuais cultamente podem ser marcados por desafios únicos relacionados ao estigma, à discriminação e à falta de suporte social adequado.

    No geral, reconhecer e abordar as necessidades e adversidades únicas dos longevos é crucial para promover a saúde, bem-estar e dignidade à medida que envelhecem, visto que é um processo natural que traz uma série de mudanças, tanto físicas quanto emocionais. Para a população transexual, tais desafios são frequentemente acentuados por questões complexas que surgem ao longo da vida. Este grupo enfrenta uma interseção de dificuldades relacionadas à identidade de gênero, discriminação e acesso a serviços de saúde inadequados, assim como isolamento social, que pode impactar significativamente seu bem-estar na terceira idade.

             Nota-se, portanto, que a velhice no Brasil, apesar de ser um tema de crescente importância devido ao envelhecimento da população, ainda enfrenta desafios significativos em termos de visibilidade e discussão pública. Na velhice transexual, os indivíduos frequentemente enfrentam discriminação tanto em contextos sociais quanto em cuidados de saúde, resultando em sentimentos de isolamento e marginalização. Essa situação é acentuada por uma trajetória de discriminação social que, ao longo de suas vidas, muitas vezes inclui rejeição familiar, o que diminui significativamente o suporte social disponível.

    Destacamos ainda que a ausência de filhos ou parceiros para oferecer suporte, juntamente com a escassez de grupos especializados para idosos transexuais, pode contribuir significativamente para o aumento do isolamento social. Completamos ainda que além enfrentarem diversas vulnerabilidades sociais, os idosos transexuais, podem também ser privados de oportunidades educacionais e profissionais adequadas ao longo de suas vidas. Segundo pesquisa realizada pela Rede Nacional de Pessoas Trans do Brasil[8].

    A problemática do envelhecimento para idosos transexuais está enraizada em uma vida de discriminação e marginalização, o que afeta todas as áreas da vida deles na velhice. A falta de acesso a cuidados de saúde adequados, o isolamento social e a ausência de políticas inclusivas e de suporte específico contribuem para uma experiência de envelhecimento marcada por desafios únicos. Abordar essa temática requer uma análise de implantação de estratégias que promovam a inclusão, o apoio e o bem-estar para essa população vulnerável.

    Essa pesquisa a respeito do envelhecimento e do idoso transexual no Brasil está ainda em andamento. Foram realizadas algumas entrevistas por mim e tenho feito análise de outras disponíveis na plataforma Youtube, pelo Canal Colabora, série 60+: corpos que resistem com pessoas transexuais com mais de 60 anos. O estudo realizado por mim, conta também com metodologia netnográfica. Aponta para percepções de que idosos transexuais possuem história e experiência de vida diferenciada dos demais grupos da mesma idade, além de buscar compreender políticas públicas e práticas sociais que são necessitadas para idosos transexuais, além de buscar compreender os percalços para essas pessoas ao longo da vida.

     

     REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    BARROS, R. S.; SILVA, M. F. C.; BATISTA, R. C. A qualidade do envelhecimento de indivíduos transexuais no Brasil. Saúde Coletiva (Edição Brasileira) [Internet], v. 15, n. 92, p. 13992-13997, abr. 2025. Disponível em: https://doi.org/10.36489/saudecoletiva.2025v15i92p13992-13997. Acesso em: 27 abr. 2025.

    BIRMAN, Joel. Terceira idade, subjetivação e biopolítica. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.22, n.4, out.-dez. 2015, p.1267- 1282.

    BOSI, Ecléa e BARBOSA, João Alexandre Costa e CHAUÍ, Marilena de Souza. Memória e sociedade: lembranças de velhos.  São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

    CORRÊA, Maurício de Vargas; ROZADOS, Helen Beatriz Frota- A netnografia como método de pesquisa em Ciência da Informação.  Revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação, v. 22, n.49, p. 1-18, maio/ago., 2017.2017.

    DEBERT, Guita Grin. A Reinvenção da Velhice: socialização e processos de reprivatização do envelhecimento. São Paulo: FAPESP, 1999.

    DIAS, Isabel. Envelhecimento e violência contra os idosos. Sociolo

  • Palavras-chave
  • Envelhecimento, Idosos Transexuais, problematização e inclusão.
  • Área Temática
  • GT11 - Políticas de Ações Afirmativas e o Pensamento Social Brasileiro Contemporâneo
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O 4º Seminário de Pensamento Social Brasileiro: intelectuais, cultura e democracia, organizado pelo NETSIB-UFES, será realizado entre os dias 2 e 6 de junho de 2025, no formato híbrido. A programação presencial será realizada nas dependências do CCHN-Centro de Ciências Humanas e Naturais da Universidade Federal do Espírito Santo, enquanto a programação virtual será transmitida pelas páginas oficiais do evento no YouTube e pela DoityPlay. Nesta edição contaremos com Conferência de Abertura, Grupos de Trabalho (modalidade virtual) e Conferência de Encerramento. Esperamos retomar o diálogo proposto nas edições anteriores do evento (1º SPSB2º SPSB e 3ºSPSB) que resultaram na publicação de livros oriundos das áreas temáticas presentes anteriormente (Coleção Pensamento Social Brasileiro-Volume 1 Volume 2 Volume 3 Volume 4), publicarmos novos livros oriundos desta edição do evento e que novas conexões possam ser criadas. Com esses sentimentos de alegria e reencontro, lhes desejamos boas-vindas!

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